Vizinhança: limitações impostas por lei para boa convivência social.
Nélio Silveira Dias Júnior
A propriedade deve ser usada de modo que torne possível a harmonia e a paz social.
Isso significa dizer que não obstante se ter direito a propriedade, garantido na Constituição Federal (art. 5º, XXII), o seu uso não é ilimitado, sofre restrição, sem com isso aniquilar esse preceito constitucional, até porque, para ser garantido esse direito, a propriedade deverá atender a sua função social (art. 5º, XXIII).
Assim, pode o proprietário usar e utilizar da coisa que lhe pertence da forma que lhe aprouver, compreendendo a faculdade de edificá-la ou beneficiá-la da maneira que lhe favoreça ou lhe aumente o valor econômico.
Pode o vizinho, por exemplo, ter árvore e plantas no seu terreno; porém, as raízes e os ramos que ultrapassarem a estrema dos prédios, poderão ser cortados, até o planto vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido (CC, art. 1.283).
O proprietário tem direito de murar a sua propriedade urbana: se for na divisória do prédio, pertence a ele e a seu vizinho, podendo constranger o seu confinante a proceder com ele a construção do muro ou a sua conservação (CC, art. 1.297); se não for, deve permitir acesso para que o muro seja feito às custas do vizinho interessado.
O proprietário pode levantar, também, em seu terreno as construções que forem de seu interesse. Todavia, terá que respeitar o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos (CC, art. 1.299).
Ao direito de construir, algumas limitações são importantes: a construção não pode ser feita de maneira que o prédio despeje água sobre o prédio vizinho; é proibido abrir janelas, coberturas, varandas ou terraço, a menos de um metro e meio do terreno vizinho; na parede divisória, não é lícito encostar chaminé, fogão, forno ou qualquer aparelho suscetível de produzir infiltração ou interferência prejudicial ao vizinho.
Contra o vizinho que descumpre essas restrições com prejuízo para o prédio vicinal, pode o seu proprietário, no lapso de ano e dia após a conclusão da obra, exigir que se desfaça a construção (CC, art. 1.302).
Para isso, é a ação de nunciação de obra nova. Medida judicial a ser utilizada pelo proprietário ou possuidor, a fim de impedir que a edificação de obra nova em imóvel vizinho lhe prejudique o prédio, suas servidões ou fins a que é destinado, de modo que se determine reconstruir, modificar ou demolir o que estiver feito em seu detrimento.
Enfim: todo aquele que violar essas proibições é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e danos (CC, art. 1.312).
As limitações ao direito de propriedade privada são restrições impostas ao seu exercício. Entretanto, não diminui o patrimônio do vizinho que as suporta nem aumenta o patrimônio do vizinho que delas se aproveita.
Não só a construção pode incomodar o vizinho. Há abusos que vão além: arremessar objeto no prédio vizinho ou colocar lixo na sua calçada; escoar água servida; criação de animais; disseminação de pragas, como cupim, baratas, ratos, pela má higienização da casa.
Ocorrendo interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que habitam um prédio, provocadas pela utilização da propriedade vizinha, o proprietário ou possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessá-las (Código Civil, art. 1.277).
Essas interferências têm que decorrer do uso anormal do imóvel, ultrapassando os limites toleráveis da propriedade, para serem considerados os atos ilegais e abusivos, utilizando-se para aferi-las o bom senso, o costume local, a própria localidade e o tempo de posse.
Para conter o mau uso, os vizinhos têm a ação de dano infecto, que visa acautelar o proprietário de um dano iminente, ou seja, o dano que está acontecendo. É uma ação pessoal, de natureza de obrigação de fazer e de não fazer, com fundamento no direito material: art. 1.277/1.281 do Código Civil, e no direito instrumental: art. 497, do Código de Processo Civil.
Se o dano já ocorreu, ainda por mau uso da propriedade, o vizinho terá a opção de uma ação de responsabilidade civil, para reparar o prejuízo causado, com base no art. 186, do Código Civil.
O direito de vizinhança, tão evidenciado e presente na atual sociedade, tem a função de regulamentar a relação jurídica e social dos proprietários de imóveis de prédios vizinhos, que não precisam ser necessariamente lindeiros, bastando apenas que a interferência nociva de um prédio possa repercutir em outro.
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