A venda a prazo e as garantias: real e pessoal à disposição do credor.

Nélio Silveira Dias Júnior

 

A venda a prazo não encontra impedimento no contrato típico de compra e venda; ao contrário, é comum quando se trata de negócio de grande vulto.

Não poucas vezes, em virtude de desequilíbrios financeiros, os débitos se acumulam e acabam ultrapassando o valor do patrimônio do devedor, impedindo-o de cumprir com sua obrigação.

Para contornar tal situação, procuram os credores cercar-se de maiores garantias. Podem ser elas pessoais (fidejussórias) e/ou reais.  Nas de caráter pessoal, terceira pessoa se obriga, por meio de fiança, a solver o débito, não satisfeito pelo devedor principal. Nas de natureza real, o próprio devedor, ou alguém por ele, oferece todo ou parte de seu patrimônio para assegurar o cumprimento da obrigação.[1]

A garantia fidejussória ou pessoal é aquela que decorre do contrato de fiança, em que uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra (Código Civil, art. 818)

A fiança pode ser de valor da dívida ou inferior ao da obrigação principal, nunca maior, pois não valerá senão até ao limite da obrigação afiançada (CC, art. 823).

Quando alguém houver de oferecer fiador, o credor  pode não aceitá-lo, se não for pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha que prestar a fiança e não possua bens suficientes para cumprir a obrigação.

Também pode o credor, a fim de aumentar a garantia da coisa afiançada, convencionar na fiança que o fiador se obriga como principal pagador ou devedor solidário, retirando dele o benefício de ordem.

O benefício de ordem consiste no direito de o fiador, quando demandado em juízo, e somente até a fase de defesa, exigir que sejam primeiro executados os bens do devedor.

Em regra, a fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa o compromisso de solidariedade entre elas, salvo se declaradamente se reservarem o benefício de divisão (CC, art. 829).

Assim, dispõe o fiador, ainda, do benefício de divisão, que, uma vez estipulado, cada fiador responde unicamente pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento.

Por sua vez, a garantia real é o que confere ao credor o direito  de obter o pagamento de uma dívida com o valor de um bem aplicado exclusivamente à sua satisfação.

A garantia real é mais eficaz, visto que vincula determinado bem do devedor ao pagamento da dívida. Em vez de ter-se, como garantia, o patrimônio do devedor, no estado em que se acha ao se iniciar a execução, obtém-se, como garantia, uma coisa, que fica vinculada à satisfação do crédito. E pouco importa, daí por diante, o estado em que se venha encontrar o patrimônio do devedor, uma vez que a coisa está ligada ao cumprimento daquela obrigação. Se o devedor perder toda a sua fortuna, inclusive a coisa que escolheu para responder pelo seu compromisso, tal fato em nada atingirá a segurança, porque a coisa, saindo do patrimônio do devedor, terá ido para outro patrimônio. E, onde quer que se encontre, poder-se-á transformá-la no seu valor, e com esse valor satisfazer o cumprimento da obrigação. [2]

Em se tratando de garantia real, uma observação é importante.

A lei não autoriza o credor a ficar com a coisa dada em garantia, caso a dívida não seja paga.

Ou seja, o nosso Ordenamento Jurídico proíbe a cláusula comissória nas garantias reais.

Prevê o Código Civil: é nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento (art. 1.428).

O credor com garantia real somente poderá excutir (executar) o bem, pagando-se com o produto da arrematação. O que sobejar, será devolvido ao devedor.

De outra sorte, a garantia real não exclui a pessoal. Não sendo suficiente a garantia real para satisfazer a obrigação, o devedor não está exonerado do restante da dívida. Pode o credor valer-se da garantia pessoal dele, isto é, poderá requerer a penhora de outros bens existentes do patrimônio do devedor.

Preleciona o Código Civil: quando, excutido o penhor, ou executada a hipoteca, o produto não bastar para pagamento da dívida e despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante (art. 1.430).

No direito civil, são três os direitos reais de garantia: a) penhor; b) hipoteca; c) anticrese. Eles se distinguem, em princípio, quanto ao objeto, porque o penhor recai em coisas móveis, enquanto a hipoteca e a anticrese, em bens imóveis.

Resumidamente, penhor é o direito real que submete coisa  móvel ao pagamento de uma dívida. Constitui-se por meio de contrato solene, por instrumento público ou particular (CC, arts. 1.432 a 1.438), com a devida especificação, devendo ser lavrado no Registro de Títulos e Documentos, para valer contra terceiro.

A hipoteca, por outro lado, é o direito real de garantia que tem por objeto bens imóveis pertencentes ao devedor ou a terceiro e que, embora não sejam entregues ao credor, asseguram-lhe, preferencialmente, o recebimento de seu crédito.

Nessa hipótese, como o direito real surge com o registro no Cartório de Registro de Imóveis, há necessidade de existência de um instrumento escrito e público.

O direito real de hipoteca produz efeitos a partir do registro do título constitutivo, mas só se apresenta em toda a sua plenitude quando o titular promove a execução judicial. Antes disso o direito do credor permanece em estado potencial. Se o devedor paga a dívida, a garantia não é utilizada, embora tenha cumprido a sua função. [3]

É permitido aos contratantes fazer constar das escrituras o valor entre si ajustado dos imóveis hipotecados, o qual, devidamente atualizado, será a base para as arrematações, adjudicações e remições, dispensada a avaliação (CC, art. 1.484).

A faculdade conferida aos interessados facilita a execução, permitindo a dispensa da avaliação dos imóveis hipotecados. Desse modo, no edital que obrigatoriamente deve preceder a arrematação, o valor dos bens que dele constará será aquele ajustado pelas partes.[4]

Já a anticrese é direito real sobre coisa alheia, em que o credor recebe a posse da coisa frugífera, ficando autorizado a perceber-lhe os frutos e imputá-los no pagamento da dívida.[5]

Trata-se de uma garantia estabelecida em favor do credor, que retém em seu poder imóvel alheio, tendo o direito de explorá-lo para pagar-se por suas próprias mãos.

Não obstante ser conhecido há muito tempo, é pouco utilizado, recaindo a preferência sobre a hipoteca.

Na  ótica do direito civil obrigacional, são esses os direitos reais de garantia.

 

[1] GONÇALVES, Carlos Roberto.  Direito Civil Brasileiro – Volume V.  6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p 308.

[2]Idem, ibidem, pág. 496.

[3] Carlos Roberto Gonçalves, op. cit. pág. 598

[4] Idem, ibidem, pág. 598.

[5] Idem, ibidem, pág. 598.

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