Vaquejada: uma tradição, uma manifestação cultural

Autor(a): Nélio Silveira Dias Júnior

Data: 29/06/2024

A vaquejada, no Nordeste do Brasil, não só tem importância social, econômica e histórica, mas também é uma tradição bastante enraizada nessa região.

A origem da vaquejada remonta aos tempos coloniais, quando os vaqueiros eram responsáveis pela condução do gado de um lugar para outro. Durante essas tarefas diárias, os vaqueiros controlavam os animais com muita destreza. Quando uma rês escapava da boiada, o vaqueiro ia ao seu encalço e, às vezes, a derrubava, para fazê-la voltar.

Mais adiante, diminuída a movimentação do rebanho, o gado passou a ser criado solto em imensas áreas, sem cercas ou cercados, em grandes propriedades rurais. Quando era necessário juntá-lo, geralmente em períodos específicos, no início da invernada ou da estiagem, para controle ou venda, reuniam-se os vaqueiros da região que, afoitos e determinados, se embrenhavam de mata adentro até pegar a boiada.

Era uma festança danada. O cavalo todo enfeitado, com arreios, sela, manta, rabicho e peitoral. O vaqueiro, por sua vez, não ficava para trás, com chapéu com barbichado, gibão, guarda-peito, perneiras, luvas e botas, sem esquecer da chibata e das esporas.

Era a celebração do vaqueiro.

Do trabalho, passou a diversão. De tempos em tempos, os proprietários rurais convidavam os vaqueiros das redondezas para, no próprio pátio da fazenda, fazer a “pega do boi”, saindo da porteira do curral.

Nesse estilo ainda, uma festa aguardada era a da Fazenda Timbaúba, em Santana do Matos/RN, patrocinada pelo afamado agropecuarista Aristófanes Fernandes. O vaqueiro que inaugurava o evento era o apaixonado pela brincadeira, Sylvio Pedrosa, então Governador do Estado do Rio Grande do Norte (jun/1951 a jan/1956).

Isso tudo é pura tradição.

Com o tempo, essas habilidades se tornaram uma brincadeira mais séria, envolvendo dois vaqueiros montados a cavalo, correndo atrás do boi, que sai do brete para o pátio cercado, delimitado por cercas paralelas. Os vaqueiros colocam o boi entre um cavalo e o outro, e um deles pega o rabo, enrola na mão e o puxa até cair (puxador). O outro acompanha ao lado do boi, para que corra em linha reta (esteira).

Nesse tempo, o boi era enorme e muito pesado, e valia derrubá-lo apenas, em qualquer lugar do pátio, exigindo bastante força do vaqueiro.

Nessa época, a festa era grande. Os vaqueiros mais festejados: Chico Pequeno (dono de frigorífico) e Severino Elias (comerciante de açúcar) eram os mais esperados. Não tinha boi grande e pesado que não derrubassem.

Tudo se assemelha como antes. Festa, boi e cavalo. Apenas, a prática evoluiu!

De brincadeira, a vaquejada passou a ser um esporte recreativo e competitivo. No pátio, foram introduzidas faixas paralelas, com largura de 10 metros, do meio para o fim, onde o vaqueiro tem que derrubar o boi.

Com isso, sugiram os parques de vaquejada, em que o dono dá o gado e estipula um prêmio para os vencedores. Os vaqueiros comparecem e pagam uma senha, que os habilita para correr três a  quatro vezes, ou até mais. Quem derruba o boi dentro das faixas, ganha uma pontuação. Quem derruba todos os bois “bate a senha” e está classificado para a final. Na final, quem derruba mais bois dentro das faixas será o campeão e ganha o maior prêmio.

A comissão julgadora, com expertise, é quem faz o julgamento da competição. Quando o boi é derrubado dentro das faixas, é quem anuncia a famosa frase: “valeu o boi”, consagrando o vaqueiro e fazendo valer a pontuação.

Na vaquejada, há também uma figura que se destaca: o locutor. Com sua voz potente e inflamada, faz vibrar a alma dos presentes. Ele chama os vaqueiros, elevando-os a glória, e conduz a multidão à euforia. Nesse ofício, brilharam Petrúcio e Chico Locutor.

O parque de vaquejada mais famoso do século passado foi o 13 de Maio de Severino Elias, que ficava em Natal. Além dele outros surgiram: Parque Otaviano Pessoa, em Macaíba,  de Humberto Pessoa; Parque Afrísio Barros da Silva. em Santo Antônio, de Marcelo Barbosa; Parque Dr. Sílvio Bezerra de Melo, em Currais Novos, de Zé Braz.

Nessa era da competitividade, brilharam na vaquejada do Rio Grande do Norte a representação de Severino Elias: Henrique e Marco Aurélio (Taipu/RN); a representação de Marcelo da Cunha Lima: Marcelo Jr. e Rogério (Nova Cruz/RN); a representação de Zito Saldanha: Paulinho e Luciano (Brejo do Cruz/PB); a representação de Diá Azevedo: Adriano (Bom Jesus/RN); a representação de Neto Barbosa: Netozalém (Assu/RN); a representação de Nelson Maia: Zé de Ana (Pau dos Ferros/RN).

Hoje, a vaquejada evoluiu e se profissionalizou, como todo e qualquer esporte. Mas, não perdeu a sua essência. É uma forma de expressão da identidade cultural nordestina, ressaltando a relação do povo com o campo, o gado e o trabalho dos vaqueiros.

A vaquejada envolve não apenas a prática do esporte em si, mas também todo um conjunto de costumes, vestimentas, músicas e festividades que a cercam. Contribui para economia regional, movimentando diversos setores, como, por exemplo, a criação de cavalo.

Em 2017, a Constituição Federal declarou: “não são cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais” (art. 225, §7º).

Portanto, a vaquejada está, legalmente, autorizada no Brasil.

O tratamento dado ao esporte nordestino não poderia ser diferente ao dos rodeios no Sudeste e no Sul do Brasil. Em ambos, a atração é o boi e o método de entrar no palco da diversão é o mesmo: o brete.

O mundo aplaude as touradas na Espanha, em que o touro tem o destino diferente, mas lá prevaleceu a tradição, aqui o caminho não pode ser diferente.

Manter a vaquejada, patrimônio imaterial e cultural do Nordeste, é a missão. Regulamentar o esporte é inevitável. Garantir o bem-estar do gado é imprescindível. Valorizar o vaqueiro tradicional e seus costumes é a meta.

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