Um domingo na Igreja do Rosário: História, Tradição e Espiritualidade

Autor(a): Nélio Silveira Dias Júnior

Data: 17/08/2025

Em um domingo recente, decidi passear em Natal, com outro olhar, em busca da cidade antiga, sua tradição, sua beleza serena, sua história rica, que ainda resiste ao tempo.

Por ser domingo, dia que geralmente vou à missa, a escolha natural foi visitar uma igreja, antiga de preferência. Optei pela Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no coração da Cidade Alta.

Esse templo foi construído em 1714, em estilo colonial, pelos negros (escravizados), porque, à época, não podiam frequentar as igrejas dos senhores brancos. Foi o segundo erguido em Natal. Ali, fundaram o seu próprio santuário de missa e oração.

Embora simples em sua estrutura, a igreja é profundamente espiritual. Hoje, é espaço de todos, livre de qualquer resquício de intolerância.

Cheguei cedo, por volta das 7h30. Entrei com discrição, sentei-me em um banco no meio da nave central, com vista para as portas laterais. O silêncio era profundo. Observei a capela-mor: altar singelo e belo. Ao centro a imagem de Nossa Senhora do Rosário; à direita, São João Batista; à esquerda, São Domingos de Gusmão. São Imagens antigas de grande valor histórico-cultural. Chamavam a atenção o ambão e a mesa da comunhão. Ao me virar, vi no alto o coro em madeira: relíquia que o tempo não destruiu.

Ali, em silêncio, os sentimentos afloraram. O pensamento voou para o passado. A marca da discriminação ecoava: tempos em que os negros foram segregados e eram até proibidos de ir às igrejas frequentadas por pessoas brancas. O homem subjugado pela cor da pele. Um absurdo que fere a dignidade e a memória.

Talvez por isso aquela igreja é tão especial: um símbolo de resistência e fé. Escolhi-a, naquele domingo, para a minha meditação. E encontrei ali algo diferente.

Às 8h, iniciou-se a missa romana em sua forma mais tradicional. Trata-se da missa tridentina, normatizada pelo Papa São Pio V em 1570, após o Concílio de Trento. Essa celebração antecede as reformas litúrgicas promovidas pelo Concílio Vaticano II, realizado em 1965, sob o pontificado do Papa João XXIII, responsável por conduzir a Igreja à configuração que hoje se conhece.

Celebrada em latim, com o sacerdote voltado para o altar e de costas para os fiéis, é uma expressão litúrgica de séculos de história.

A experiência foi singular.

O celebrante entrou no presbitério com suas vestes litúrgicas, destacando-se a casula romana, a estola e o barrete preto. Em seguida, fez orações ao pé do altar, em silêncio. O missal iniciou-se à sua direita e, no Evangelho, foi colocado à sua esquerda. Os fiéis ficaram de joelhos em vários momentos, levantando-se em outros, e sentaram-se apenas durante a leitura do Evangelho e o ofertório. A comunhão foi recebida de joelhos, na mesa própria, com seis fieis de cada vez.

Missa tridentina: simbolismo e tradição.

Todos trajavam roupas compostas, a grande maioria sem deixar braços e pernas à mostra. As mulheres ainda cobriam a cabeça com mantilhas, gesto de reverência que remete à prática devocional antiga.

Notei que, na missa tridentina, a participação dos fiéis é, sobretudo, interior: prepondera a oração silenciosa. Há muitos momentos de silêncio, e nesse silêncio, reza-se com mais profundidade.

Os cantos gregorianos elevam a solenidade da celebração. Duas ou três pessoas cantavam, com uma voz impecável, impressionando a todos. Mas, estavam sentadas nos primeiros bancos, igualmente aos fiéis, em vez de ficar no coro ou no presbitério. Parecia ser da tradição.

A missa foi presidida por Monsenhor Maurício Martins Netto, vigário episcopal, diretor espiritual do Seminário de São Pedro e reitor da própria Igreja do Rosário. Com latim impecável e oratória segura, demonstrava, não apenas domínio da língua, mas vasto conhecimento teológico. Na homilia – o único momento em que o sacerdote se volta para os fiéis – brilhou ainda mais: do ambão transmitiu reflexões densas, filosóficas e espirituais, com notável cultura religiosa.

Após a celebração, visitei o pequeno museu da igreja, com registros fotográficos antigos e com um valioso cruzeiro de madeira, que ali foi recolhido, depois de ter testemunhado do lado da fora o nascimento e a história da igreja.

Na sacristia, ao lado do altar-mor, encontrei com uma gruta com a imagem de Nossa Senhora de Lourdes e, perto dela, um confessionário, belíssima peça centenária.

Na lateral, um espaço dedicado à memória do saudoso Monsenhor Lucilo Alves Machado (1929–2020). Religioso culto, reservado e profundamente respeitado, foi reitor daquele templo por longos anos, além de ter dirigido o Seminário São Pedro (1957–1969) e a Catedral Metropolitana de Natal. Ali mesmo, na igreja que tanto amou, repousa seu corpo.

A Igreja do Rosário dos Pretos é, hoje, a única na Arquidiocese de Natal a celebrar regularmente a missa tridentina, todos os domingos.

Foi, sem dúvida, um domingo especial. Um reencontro com a fé, a tradição e a história viva.

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