Ubirajara Galvão: um artista, uma inspiração
Data: 14/01/2023
Ubirajara Galvão nasceu em Currais Novos/RN, em 28/10/1935. Cidade fundada por seu ancestral: Cypriano Lopes Galvão, que se estabeleceu na Região do Seridó vindo de Igarassu/PE, a partir da aquisição de uma fazenda e a instalação de uma feira de gado, em 1754. Com o crescimento do comércio, pessoas foram se aglomerando, habitações foram surgindo, currais novos foram sendo feitos, passando o lugar a ser um povoado (1863), elevado à cidade, em 1920.
Seus pais: Elísio Galvão e Letícia Pereira, seguindo a tradição familiar, viviam da criação de gado e criaram seus 5 filhos. O gosto de Elísio pelo seguimento se intensificou pelo exemplo de seu tio, o afamado Coronel Antônio Rafael Lopes Galvão, símbolo do desenvolvimento pastoril da região, de quem herdou uma extensa área rural e deu continuidade a atividade.
Elísio Galvão se destacou na pecuária do Rio Grande do Norte. Seus bois eram vendidos para marchantes de todo o Estado, quando erados e com 30 arrobas ou mais, ganhando com isso fama. Foi excelente chefe de família e proporcionou aos filhos ensino de qualidade em Recife. Austero, sempre dizia: “filho meu, empenou, voou”. Bela lição de vida!
Nesse ambiente sertanejo, rústico e agrário, foi criado Ubirajara Galvão. Seguindo o mandamento de Elísio, assim que empenou, voou. Mas, não para o sertão e para pecuária, como talvez desejasse o pai e demandava a tradição familiar.
Ubirajara voou, não aquele voo tradicional, qual o voo de nambu, curto e previsível, e sim alto, altaneiro como o voo de gavião, com objetivo e desejo, sabendo onde gostaria de pousar, ainda que o percurso fosse turbulento e dificultoso, mas sua garra e determinação eram seu impulso.
O seu pouso e destino foram as artes, as belas artes: teatro, arquitetura e pintura. No primeiro momento, pode até não ter agradado o pai, sertanejo, mas, com certeza, depois, foi puro orgulho.
O segundo filho desse seridoense arretado fez história, que serve de exemplo, diante de seu brilhantismo na criação. A sua criação era original, pois para criar não ia buscar inspiração no estrangeiro ou em qualquer outra fonte. A sua arte era assim: pura imaginação, o que fazia dele um verdadeiro artista, na melhor acepção da palavra.
A veia artística de Ubirajara se engrandeceu quando foi morar e estudar em Recife, ingressando no curso de arquitetura da Escola de Belas Artes de Pernambuco, em 1955. Ali, também, estudou arte dramática, o que mais tarde veio ajudá-lo no exercício da arquitetura (“carpintaria teatral”).
Em Recife, fez teatro amador. Integrou o Teatro Universitário de Pernambuco. Foi ator, cenógrafo e figurinista. Encenou grandes peças, como “A morte do caixeiro viajante” de Arthur Miller, inclusive os clássicos gregos, por exemplo, “Medéia” de Eurípides. Participou de festivais e se apresentou em várias cidades no Nordeste (Natal, Maceió), e até de São Paulo, sempre elogiado pela crítica especializada. Também, elaborou o cenário e desenhou o figurino de tantas outras.
A propósito, da peça Paixão de Cristo, em Nova Jerusalém, interior de Pernambuco – atualmente o maior teatro ao ar livre do mundo (com cem mil metros quadrados) – Ubirajara participou desde seus primórdios, sendo inclusive um dos fundadores; de princípio, encenando o papel de Caifaz; posteriormente, elaborando parte dos cenários; e, por fim, projetou o Templo de Jerusalém, o mais importante dos cenários edificados e, atualmente, o mais belo.
Da família Epaminondas Mendonça, mecenas do espetáculo, veio o reconhecimento: a medalha de Mérito de Nova Jerusalém (2000) e, depois, a placa do Mérito Cultural, recebida na inauguração do monumento à memoria de Plínio Pacheco, seu idealizador e construtor do teatro (2003).
Formado em arquitetura e urbanismo pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco, em 1963, Ubirajara fez a diferença em Natal e nos orgulhou fora daqui.
Jovem e preparado, foi contratado para projeto arrojado: criar o bairro Cidade da Esperança com construção de casas populares, no governo revolucionário de Aluízio Alves (1961/1964), de quem seu pai, correligionário de Dinarte Mariz, era ferrenho adversário político, o que mostra o seu valor.
Aperfeiçoada a sua técnica em curso realizado em Bogotá, na Colômbia, promovido pela Organização dos Estados Americanos (OEA), fez o projeto urbanístico encomendado e a Cidade de Esperança nasceu. Depois disso, Ubirajara Galvão projetou outros projetos urbanísticos, como, por exemplo, o Conjunto de Potilândia. Todos, infelizmente, após a sua construção, desvirtuados e desconfigurados, com o passar do tempo, por total ausência de fiscalização da Administração.
A sua habilidade de criação era inacreditável e inesgotável.
Na arquitetura, Ubirajara Galvão, vindo da Escola do Recife, adotou nos anos 60 um traço renovador, com estilo moderno, utilizando-se de formas simples e geométrica, desprovidas de ornamentação.
Nesse estilo, o primeiro projeto de Ubirajara foi a casa de Antônio Vasconcelos Galvão (esquina da Av. Hermes da Fonseca com a Rua Jundiaí), depois adquirida pelo médico-radiologista Olímpio Maciel. À época, em Natal, foi um espanto, um rebuliço, pois a arquitetura que preponderava era no estilo colonial. Como descreveu o próprio arquiteto: “era um caixão. A parte de cima da casa era sustentada por colunas, chamadas de palito, por serem retas, sem enfeite e bastante finas” (Podium, 7/11/2000).
Daí para frente não parou mais. O modernismo imperou na cidade. Deixou, dentre vários projetos, as seguintes edificações: Sede da Honda em Natal; Escola de Música da UFRN; Colégio Winston Churchil; Centro de Velório Morada da Paz – São José; Novotel Ladeira do Sol.
A sua produção se tornou ainda mais intensa, quando firmou parceria com outro gigante da arquitetura moderna: Moacyr Gomes da Costa, criando a empresa U.M. Arquitetura (1970/1979), revolucionando o mercado local. Nenhum grande projeto era elaborado na cidade sem as suas assinaturas: Centro Administrativo; Cosern; escritório da Mineração Tomaz Salustino (CREA/RN).
As entidades competentes não podem deixar que essas obras arquitetônicas se desfigurem, alterando os traços originais do criador, em homenagem à sua memoria e a história de Natal.
A essa altura, o pai, como testemunha ímpar e entusiasta, não escondia mais o orgulho do filho amado e solidário, cuja alma foi por ele moldada a prestar à vida um serviço de cidadania, honradez e trabalho.
Ubirajara Galvão será sempre uma referência, “o poeta visual do concreto”, como denominou Ezequiel Galvão Ferreira de Souza (em homenagem in memoriam pela Assembleia Legislativa do Estado), cuja obra, acrescentou o deputado, “se confunde com a alma da cidade de Natal e do Rio Grande do Norte, de maneira raramente observada na história”.
Na arquitetura de interiores, também atuou com inspiração e com arte, sendo inovador e pioneiro no Estado, por entender que o verdadeiro lar se constrói no interior da casa. “Ambientar é simplesmente valorizar o local que se pretende estar” (Livro: Ubirajara Galvão – Trajetória de Marlene Galvão).
Na qualidade de pintor, não seria diferente, Ubirajara foi impressionante.
Como ele próprio dizia: “retratei muito figurativo e alguma coisa de abstrato” (Marlene Galvão). Esse era o seu estilo. Sem estar preso a modelos ou escolas artísticas, sua obra explora a profundidade psicológica das situações e personagens que cria, com técnica elevada e muita imaginação genuína.
Ubirajara Galvão, artista de muitas expressões, não trouxe do Recife da Escola de Belas Artes de Pernambuco, onde estudou, apenas o seu estilo artístico e traço arquitetônico, mas a sua maior inspiração: Marlene Pedrosa Gouveia, sua esposa e companheira de toda vida. Com essa talentosa artista plástica, formada nessa mesma faculdade, teve seus 4 filhos, orgulhosos do pai, saberão defender e cuidar desse legado.
Prematuramente, Ubirajara Galvão partiu, em 2005. Partiu deixando saudade. Ubirajara lutou toda a vida a melhor luta, como artista, pai de família, amigo dos amigos e cidadão. Embora falecido, continua imprescindível e inesquecível.
FONTES:
Podium, 7/11/2000
Livro: Ubirajara Galvão – Trajetória de Marlene G. Galvão
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