SUSPENSÃO DOS EFEITOS DE LIMINAR OU DE SENTENÇA PROFERIDA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
NÉLIO SILVEIRA DIAS JÚNIOR
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Perspectiva histórica e evolução legislativa – 3. Natureza jurídica da suspensão – 4. Questões procedimentais da medida de suspensão – 4.1 Legitimidade ativa – 4.2 Requerimento de suspensão – 4.3 Prazo para pedir a suspensão – 4.4 Pressupostos autorizadores – 4.5 Decisão suspensiva e sua efetividade – 4.6 Possibilidade de interposição de recurso do ato suspensivo – 4.7 Possibilidade, do indeferimento do recurso, de realização de novo pedido de suspensão para o STJ e/ou STF – 5. Cabimento e a inconstitucionalidade da medida frente à Constituição Federal – 6. Conclusão – 7. Referência bibliográfica.
1. Introdução
O pedido de suspensão dos efeitos de liminar ou de sentença proferida contra a fazenda pública é questão pouca explorada e que não tem sido objeto de debates acadêmicos, como merecia.
O assunto é considerado polêmico, não só pelo aspecto intrínseco (conteúdo), como também pelo aspecto extrínseco (alto grau político dos arestos), uma vez que a suspensão da decisão pelo presidente de Tribunais deve cingir-se a temas como: ordem, saúde, segurança ou economia pública, a fim de se evitar grave lesão a serviços de interesses públicos, ou seja, aqueles prestados à coletividade.
Tentarei apresentar objetivamente a perspectiva histórica da medida, sua evolução legislativa, a natureza jurídica do provimento judicial, o meio pelo qual se chega à suspensão de decisão, e ainda, o cabimento dela dentro da ordem constitucional vigente, para, afinal, analisá-las com a intenção se não de conseguir mudar o pensamento jurídico prevalente, pelo menos trazê-la à debate.
2. Perspectiva histórica e evolução legislativa
O instituto jurídico apareceu, meio que timidamente, como recorda Bruno Resende Rabello, com a Lei nº 191/36, já que previa a possibilidade de o presidente do tribunal competente para julgar o recurso manter a execução do ato impugnado e, consequentemente, suspender a decisão judicial, a requerimento da pessoa jurídica de direito público e com a finalidade de evitar lesão à ordem, à saúde ou à segurança pública.1
Essa lei foi revogada pelo então Código de Processo Civil de 1939, que manteve ainda, vale ressaltar, a previsão legal.
De forma não acanhada, mais fulgente, o pedido de suspensão surgiu no Ordenamento Jurídico brasileiro integrando o processo de mandado de segurança, com a edição da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, que estabelece normas processuais relativas ao mandamus.
Medida de impacto político, criada num período de exceção, época do golpe de Estado de 1964, que ocasionou a supressão de garantias constitucionais, em que a independência dos poderes sofreu restrições, para atendimento às necessidades do Poder Executivo.
O recurso apareceu, assemelhado a simples ato administrativo, a ser interposto diretamente ao presidente de Tribunais, a pedido da pessoa jurídica de direito público interessada (que à época estava controlada pelo Estado), a fim de evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública.
Isso ocorreu porque naquele momento, havia avalanche de liminares concedidas em mandado de segurança para garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, violados pelo Poder Público nos três níveis: federal, estadual e municipal. E, diante do sistema processual vigente à época, não havia previsão legal para interposição de recurso com efeito suspensivo, a combater a decisão liminar ou até mesmo a concessiva de segurança.
Revelo, por oportuno, que, à época, o único recurso cabível contra a concessão de segurança era a apelação e o efeito a ela atribuído era tão-somente o devolutivo, por
expressa disposição legal (art. 12, da Lei nº 1.533/51).
O pedido de suspensão, gerado na era ditatorial de Vargas e aperfeiçoado nos tempos da ditadura militar, teve como sustentáculo, por muito tempo, a inexistência de recurso dotado de efeito suspensivo.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o instituto não se acabou, ou seja, a lei não foi ab-rogada, ou melhor, a lei não deixou de ser recepcionada, como se esperava, uma vez que não se estava mais sob um regime de exceção, mas, sim, numa democracia plena sob o pálio de um Estado de Direito.
Ao contrário, o instituto fortaleceu-se, isto porque tal permissibilidade foi estendida às demais ações promovidas em desfavor do Poder Público, tais como: ação popular, ação civil pública, ação cautelar, de acordo com o disciplinado no art. 4º, § 1º, da Lei nº 8.437, de 30.06.92.
A reforma processual de 1995 – que deu nova roupagem ao agravo de instrumento, atribuindo-lhe, em determinados casos, efeito suspensivo, para garantir a eficácia da decisão até o resultado final do recurso – acabou com os argumentos dos defensores da medida, sob os auspícios da “inexistência de recurso dotado de efeito suspensivo”, porém, para a nossa surpresa, não pôs fim a ela.
Pelo contrário, apesar da efetividade da reforma processual de 1995, o legislador pátrio, não se sabe se por conveniência, estendeu o remédio administrativo da suspensão à tutela antecipada, prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, a teor da Lei nº 9.494/97, arraigando-o ainda mais no nosso Ordenamento Jurídico.
3. Natureza jurídica da suspensão
A questão é controvertida na doutrina pátria. Os autores que se dispuseram a identificar a natureza jurídica da suspensão, além de não serem preciso, divergiram muito um do outro.
A corrente capitaneada por Cândido Rangel Dinamarco não hesitou em afirmar
que o procedimento de suspensão de efeito de liminar e de sentença proferidas contra a Fazenda Pública trata-se de questão incidental que, sem dar origem a um novo processo, pode provocar desvios procedimentais e o que nele é decidido só atinge o processo pendente, à semelhança da exceção de incompetência, de impedimento ou de suspensão.2
Por outro lado, não posso deixar de destacar o entendimento do prof. Sérgio Ferraz, para quem “não obstante os pressupostos naturais da suspensão tenham inspiração marcadamente política, a decisão pertinente é eminentemente jurisdicional. Claro não se trata de recurso (presidente de Tribunal não é instância recursal), mas sim, de verdadeira ação cautelar incidental autônoma. O presidente de Tribunal limita-se a suspender os efeitos da liminar ou da sentença, não a reformando ou cassando. É dizer, a decisão atacada subsiste, conquanto inibida em sua eficácia, inibição essa que perdura mesmo se o órgão fracionário mantiver a segurança ou concessão da liminar”.3
E reafirma o seu posicionamento acerca do assunto, ao dizer que “por sua natureza jurisdicional, à decisão em tela se agrega o efeito de coisa julgada. Daí termos por, com a devida vênia, desacertada a tese certa feita sufragada no STJ – AgRgAgIn 121.340/MG, DJU 03.03.1997, p. 4.636 -, quanto à inadmissibilidade de recurso especial, para atacar decisão em SS ou SL”.4
Comunga dessa mesma opinião Celso Agrícola Barbi, ao discorrer sobre a natureza jurídica do instituto, aduzindo que “ ordenando a suspensão, terá o juiz antecipado, em caráter provisório, a providência que caberia à sentença final, e isso para evitar o dano que decorreria da natural demora na instrução do processo. Ora, toda medida provisória, que tenha por fim evitar danos possíveis com a demora natural do processo, tem a substância de medida cautelar”.5
Afigura-se, para ele, incontestável, portanto, que a suspensão liminar no processo
de mandado de segurança seja uma providência ou medida cautelar. A circunstância de
não ser objeto de um processo especial para sua discussão, como é comum nas ações dessa natureza, não influi na natureza da decisão que julga o pedido de suspensão liminar, porquanto, como nota com acuidade Carnelutti, existe aí antes uma fase cautelar do processo, do que um processo cautelar”.6
Por sua vez, a Ministra Ellen Gracie Northfleet acentua que “a natureza do ato presidencial não se reveste de caráter revisional, nem se substitui ao reexame jurisdicional na via recursal própria. Isto é assim porque ao Presidente é dado aquilatar não é a correção ou equívoco da medida cuja suspensão se requer, mas a sua potencialidade de lesão a outros interesses superiormente protegidos: lesão à saúde, à segurança e a economia pública, etc.”. 7
O pedido de suspensão dos efeitos de liminar ou de sentença proferida contra a fazenda pública não constitui, portanto, nem recurso nem ação. Com efeito, conclui a Ministra que “nesta excepcional autorização, a Presidência exerce atividade eminentemente política avaliando a potencialidade lesiva da medida concedida e deferindo-a em bases extra-jurídicas”.8
Enfatizando esse posicionamento, o Ministro Milton Luiz Pereira prelecionou que “o ato judicial de suspensão de liminar é de reconhecida natureza política, não se questionando o mérito da ação, apenas reclamando a presença dos pressupostos legais (art. 4º da Lei 84.37/93)”.9
Em sendo assim, não é forçoso afirmar que a natureza jurídica da medida de suspensão é eminentemente política, pois o presidente de Tribunais não analisa o mérito jurídico da medida, mas apenas os seus pressupostos autorizadores.
4. Questões procedimentais da medida de suspensão
A legislação que disciplina o procedimento (Leis nºs. 4.348/64, 8.437/92 e 9.494/97) preceitua que a pessoa jurídica de direito público interessada e o Ministério Público podem requerer ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, a suspensão da liminar ou da sentença nas demandas movidas contra o Poder Público (Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, etc.), em caso de manifesto interesso público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública.
Daí exsurgem as questões procedimentais da medida: a) legitimidade ativa; b) pedido de suspensão; c) prazo para pedir a suspensão; d) pressupostos autorizadores; e) decisão suspensiva e sua efetividade; f) possibilidade de interposição de recurso do ato suspensivo; g) possibilidade, do indeferimento do recurso, de realização de novo pedido de suspensão para o STJ e/ou STF, o que é mais importante para se conseguir a suspensão da liminar ou da sentença.
4.1 Legitimidade ativa
De início, percebe-se, diante do texto legal, que a legitimidade para requerer o deferimento da medida suspensiva é da entidade pública que irá suportar os efeitos da decisão favorável ao demandante. Chaga-se a essa conclusão em face da clareza gramatical. Todavia, essa orientação não é uníssona na doutrina nem na jurisprudência pátrias.
É certo que os efeitos da decisão suspensiva de liminar ou de sentença atingem os
entes públicos, mas não é menos certo que eles serão suportados também por aqueles que estão no pólo passivo da demanda.
A esse respeito, decidiu o então Presidente do STF, Ministro Antonio Neder, no sentido de que “o direito de pedir a suspensão da segurança deve ser concedido não só ao Procurador-Geral da República e à pessoa jurídica de direito público interessada, senão também às pessoas e às entidades privadas que tenham de suportar os efeitos da medida”.10
Nesse mesmo sentido, entendeu o Superior Tribunal de Justiça, à medida que “admitiu o pedido de suspensão formulado por empresa pública – com personalidade jurídica de direito privado – quando no exercício de delegação do Poder Público”.11
Com propriedade, Hely Lopes Meirelles, ao analisar o art. 4º da Lei nº 4.348/64, ponderou que “a redação deste dispositivo é, evidentemente, defeituosa, porque não só a entidade pública como, também, o órgão interessado têm legitimidade para pleitear a suspensão da liminar, como, ainda, as pessoas e órgãos de Direito Privado passíveis da segurança e que suportarem os efeitos da liminar podem pedir sua cassação”.12
Enfatizou o administrativista, na ocasião, que “a lei há que ser interpretada racionalmente, para a consecução dos fins a que se destina”.13
Assim, às partes que forem alcançadas pela liminar ou pela sentença proferida deve conferir-se o direito de pedir a suspensão da medida, independente de elas serem públicas ou privadas, pois o que está em jogo aqui não é o privilégio que gozam as pessoas jurídicas de direito público, mas, sim, o ônus de suportar a decisão favorável ao demandante.
Assinalo, por oportuno, que além das pessoas jurídicas de direito público: União,
Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias e Fundações Públicas, e das pessoas jurídicas de direito privado: Sociedade de Economia Mista e Empresa Pública, e aquelas que agem por delegação do Poder Público: universidade privada, por exemplo, os órgãos públicos despersonalizados também detêm legitimidade para requerer a suspensão da liminar ou de sentença proferida contra a Fazenda Pública.
A propósito, o então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Celso de Mello, instado a se manifestar sobre o problema, decidiu que “não obstante a literalidade das normas inscritas no art. 4º da Lei 4.348/64 e no art. 25 da Lei 8.038/90 – que se referem, unicamente, às pessoas jurídicas de direito público e ao Chefe do Ministério Público -, entendo que órgãos não personificados, como os Tribunais de Contas, dispõem de legitimidade para pleitear a suspensão de segurança, desde que o façam com o objetivo de preservar as suas prerrogativas institucionais”.14
O Supremo Tribunal Federal manteve esse entendimento em outras oportunidades, como na presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, que se pronunciou no sentido de que “a exemplo do que se consolidou com relação ao mandado de segurança, é de reconhecer-se a legitimação, para requerer-lhe a suspensão, ao órgão público não personificado, quando a decisão questionada constitua óbice ao exercício de seus poderes ou prerrogativas”.15
O prof. Sérgio Ferraz complementa as observações feitas ao dizer que “desde que respeitados os princípios atinentes à concepção de devido processo, podem ser aceitas, com prudência sempre, as aberturas supra-examinadas (até mesmo em favor dos sindicatos), desde que em jugo, unicamente, verdadeiro interesse público, ou seja, interesse público primário, não bastando a invocação do interesse da Administração Pública unicamente, ou, precipuamente, de seus agentes”.16
Alerta a Ministra Ellen Gracie Northfleet, todavia, que “a matéria não é pacífica e a estreiteza dos argumentos invocáveis para justificar a suspensão levam a que realmente se restrinja a titularidade às pessoas jurídicas que possam legitimamente
invocar a defesa de valores tais como a ordem, a saúde, a segurança e a economia
pública”.17
Tanta é que a titular de Direito Administrativo da PUC/SP, professora Lúcia Valle Figueiredo, ao ressaltar, neste ponto, ser a sua posição minoritária, sustenta que “o pedido de suspensão deverá ser examinado com maior detença, e, ao que se nos afigura, embora a jurisprudência seja em sentido contrário, não poderia ser feito pelos entes privados delegados ou concessionários de serviços público”.18
E não podem, segundo ela, porque os valores envolvidos são de tal grandeza, que
apenas uma visão globalizada das conseqüências danosas, sobretudo para a economia, poderia ensejar o pedido de suspensão. 19
4.2 Requerimento de suspensão
Definidos os legitimados para requerer a medida, havendo interesse para tal, o respectivo pedido deverá ser feito diretamente ao presidente de tribunal para o qual será remetido o recurso de apelação ou de agravo de instrumento, segundo a interpretação literal da legislação em regência.
Assim, cabe ao Presidente de Tribunais de Justiça e de Regionais Federais conhecer e apreciar pedido de suspensão de liminar e de sentença proferida contra as fazendas públicas pelos juízes estaduais e federais de Primeira Instância, respectivamente. Por sua vez, das decisões desses Tribunais, cabe ao presidente do Tribunal Superior de Justiça apreciar o pleito, quando a matéria versar sobre questões infraconstitucionais. No entanto, se a matéria for de índole constitucional, a competência se desloca para o Presidente do Supremo Tribunal Federal.
É interessante anotar, como lembra a Ministra Ellen Gracie, que “o pedido de suspensão é endereçado por petição avulsa à Presidência do Tribunal alinhavando as razões pelas quais se sustenta que a medida guerreada importaria em risco de lesão aos
valores superiormente protegidos”.20
Alerta, ainda, a Ministra que “constitui incorreção técnica discorrer sobre o mérito da questão, defeito que decorre da dificuldade de se distinguir com clareza a natureza do pedido que, com se viu, nada tem em comum com a via recursal onde razões de direito são enfrentadas”.21
O requerimento de suspensão também, por óbvio, “não comporta dilação probatória, devendo o postulante trazer com o pedido todos os documentos que
sustentem as afirmativas de potencial agressão aos interesses públicos tutelados”.22
Não se pode esquecer que é preciso que o requerente alegue e demonstre a plausibilidade de efetiva e grave lesão a um dos bens tutelados, para alcançar o seu fim.
Reforça essa assertiva a Professora Lúcia Valle Figueiredo ao sublinhar que “para suspensão da liminar ou da sentença, o pedido deverá ser feito com a prova inequívoca de que esses valores encontram-se fortemente ameaçados. Não bastará, como é óbvio, a mera alegação. Far-se-á mister, sem sombra de qualquer dúvida, a demonstração cabal da possível violação a esses valores”.23
É imprescindível que a lesão potencial seja de natureza grave, vale dizer, que possa fazer periclitar a ordem, a saúde, a segurança ou a economia pública, para se ter êxito no pedido.
Sendo a suspensão da liminar ou dos efeitos da sentença uma providência drástica e excepcional, sintetiza Hely Lopes Meirelles, que “só se justificaria quando a decisão possa afetar de tal modo a ordem pública, a economia, a saúde ou qualquer outro interesse da coletividade que aconselhe sua sustação até o julgamento final do mandado”. 24
É oportuno lembrar que se instala no Ordenamento Jurídico pátrio, com a chegada da Medida Provisória nº 2.180/01, o cabimento de concessão de liminar no pedido de suspensão. Isto se deu porque ficou disciplinado na Lei nº 8.437/92 que o presidente de tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar, se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida (art. 4º, § 7º).
4.3 Prazo para o pedido de suspensão
Outro ponto interessante acerca do remédio administrativo a ser destacado é o
prazo para se requerer a suspensão da liminar e da sentença, uma vez que a legislação pertinente à espécie (Leis nºs. 4.348/64, 8.437/92 e 9.494/97) não definiu.
Depreende-se que os legitimados, a qualquer momento, poderão formular o pedido de suspensão, desde que seja feito antes da efetiva execução do ato a ser suspenso e do trânsito em julgado da decisão a suspender.
Não se justificaria suspender um ato que já produziu integralmente o seu efeito. Além do que a medida visa evitar o risco iminente de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia pública. Se o efeito já foi produzido não há mais risco a evitar.
Reforça-se a afirmação: é de bom alvitre que o pedido de suspensão não tem natureza de recurso, a justificar um prazo para sua realização. Trata-se de ato administrativo que, como tal, poderá ser utilizado a qualquer tempo.
Vale salientar, no entanto, que se a entidade pública pretender questionar o mérito do ato judicial, aí, sim, tem que recorrer dentro do prazo do recurso respectivo. E para tanto gozará dos benefícios que a fazenda pública detém no ordenamento processual, como, por exemplo, o prazo contado em dobro para recorrer.
A Presidenta do Supremo Tribunal Federal, Ministra Ellen Gracie Northfleet, complementa a observação feita, ao assegurar que “a lei não coloca limites temporais à possibilidade de endereçar-se o requerimento de suspensão e é mesmo possível que a potencialidade de risco surja em momento posterior ao da prolação da liminar ou sentença atacadas. Só se exige que se proceda ao trânsito em julgado da decisão. E, para que a preclusão não ocorra, é indispensável que ademais do requerimento de suspensão seja aviado o recurso cabível na espécie, seja o agravo contra a liminar ou a apelação da sentença de mérito”.25
Com relação a suspensão da sentença, vale dizer, não é necessário que o demandado tenha recorrido, para que possa requerer a medida, em face do reexame necessário, uma vez que os autos sobem ao tribunal independentemente de recurso voluntário. Todavia, esse princípio não se estende no que diz respeito a suspensão de liminar, de modo que sem interposição do agravo, ela não será apreciada pelo tribunal ad quem, em razão da preclusão.
4.4 Pressupostos autorizadores
O pedido de suspensão exige do requerente, para concessão da medida, a comprovação da grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas ou do manifesto interesse público.
A comprovação do risco é uma condição primordial, para o cabimento da medida excepcional, cabendo aos legitimados a demonstração de sua iminência. Isso se faz por meio do pressuposto da razoabilidade, de modo que não dependa de incerteza futura.
A legislação pertinente à espécie não tratou de descrever minuciosamente as hipóteses fáticas cabíveis a ensejar a utilização do pedido de suspensão, deixando, por conseguinte, essa tarefa para a doutrina e para a jurisprudência.
Sem pretender esgotar o assunto, até porque compete exclusivamente ao Presidente de Tribunal a verificação dos pressupostos da medida, apenas no intuito de contribuir para melhor interpretação da matéria, ouso analisar e discorrer, mesmo que sucintamente, cada um dos pressupostos naturais da utilização do remédio administrativo.
Digo pressupostos naturais do pedido de suspensão quando me refiro a grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, pois, com o tempo, em detrimento da efetividade do próprio mandado de segurança, novas lesões foram tidas como incorporadas ao elenco legal. 26
A ordem pública deve ser entendida como a ordenação da sociedade a fim de assegurar segurança, saúde e tranqüilidade para quem a ela pertence, pressuposto de
um ente regulador de poder, o Estado.
A ordem pública, poder-se-ia dizer também que está relacionada com a distribuição das funções estatais: Executivo, Legislativo e o Judiciário. Então, lesão grave à ordem pública é a ameaça às próprias instituições e ao próprio Estado de Direito.27
De há muito se vem adotando na idéia de ordem pública a de ordem administrativa em geral. Com elastério, também se estendeu esse conceito a ordem jurídica.
A respeito de ordem pública, o então Presidente do STF, Ministro Néri da Silveira, esclareceu que nesse conceito se compreende “a ordem administrativa em geral, ou seja, a normal execução do serviço público, o regular andamento das obras públicas, o devido exercício das funções da Administração pelas autoridades constituídas”.28
A lesão à saúde é compreendida como todos os atos praticados no sentido de preservar a incolumidade física e mental da população, sendo considerada como um atentado a esse bem tutelado, todo e qualquer ato tendente a comprometer essa estabilidade, ao provocar doenças, enfermidades, moléstias, etc..
A lesão à segurança pública deve ser vista como atentado à instabilidade institucional do país e, sobretudo, interpretada sob o aspecto da segurança jurídica, relacionada à garantia da certeza, decorrente da aplicação da legislação em vigor ao País, bem como a confiança de que as garantias instituídas serão aplicadas a fim de afastar os abusos que passaram a ser cometidos.
A lesão à economia pública, que mais fundamenta os pedidos de suspensão de liminar ou de sentença, é considerada quando se põe em risco a situação financeira do país, casos em que a decisão judicial provoque uma redução na arrecadação de tributos, ou acarrete renúncia de receita, com a promoção de imunidade ou isenção tributária, etc..
Porém, há de ser verificado que não basta diminuir a arrecadação tributária para que seja considerada a ocorrência de uma grave lesão a ordem econômica, apesar do dispositivo legal que trata do pedido de suspensão não ser explícito. A violação deve ser entendida como o fato de trazer conseqüências suficientes a ponto de comprometer a realização das despesas ordinárias, entendidas assim, as que normalmente são utilizadas para a continuidade rotineira dos serviços públicos.29
4.5 Decisão suspensiva e sua efetividade
Preenchidos os pressupostos autorizadores da medida, cumpre ao Presidente ao deferir o pedido de suspensão motivar o despacho cassatório de modo a evidenciar as razões que o justifiquem e o legitimem.
É necessário esclarecer que por ser esse ato de cunho eminentemente administrativo, nele o Presidente do Tribunal limita-se à observância dos requisitos da lei: lesão grave à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas. Fica a seu critério a valoração da conveniência e oportunidade da suspensão. Não cabe, portanto, qualquer discussão a respeito do mérito da demanda.
Em todo o caso, o que é exigido até constitucionalmente é que a decisão seja fundamentada, ou melhor, motivada. Acima de tudo, o julgador deverá ter em mente que a via da suspensão é absolutamente excepcional, não podendo ser prodigalizado seu uso. Por isso, por exemplo, seria inaceitável um pedido suspensivo, lastreado em razões de estado.30
Questiona-se, também, a necessidade de se respeitar o contraditório e ampla defesa, assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, na Constituição Federal (art. 5º, LV), antes de se suspender os efeitos da decisão.
Segundo a legislação pertinente à espécie, nada se dispõe a respeito. Apenas se nota que a Lei nº 8.437/2 determina que o presidente de Tribunal poderá ouvir o autor o
ministério Público em setenta e duas horas (art. 4º, § 2º).
Suspensa a liminar ou a sentença impende saber a respeito da efetividade da decisão.
Na visão da Ministra Ellen Gracie Northfllet “a determinação que tolhe os efeitos
da liminar, da sentença ou da tutela antecipada produz resultado enquanto não se verifique o trânsito em julgado da decisão”.31
De igual modo, ponderou Wanderlei de Siqueira Filho, ao ser questionado se a deliberação do Presidente de Tribunal, uma vez concedida a segurança, perderá a sua eficácia, ao dizer que “embora executável provisoriamente, a simples publicação da sentença não torna definitiva a apreciação da matéria, vez que a lei exige o reexame da contenda pelo Tribunal, independentemente da interposição do recurso voluntário. Assim, só com o pronunciamento final, ou seja, só com o trânsito em julgado da sentença, é que perderá a eficácia a suspensão da liminar”.32
A questão acabou recebendo tratamento legislativo, com a edição da Medida Provisória 2.180/01, pondo fim, assim, a qualquer discussão sobre o assunto, já que se estabeleceu que a suspensão deferida pelo Presidente de Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal (art. 4º, § 9º, da Lei nº 8.437/92).
Outra questão que merece relevo para este ensaio é saber se concedida a liminar, os efeitos produzidos antes da suspensão da medida são tornados sem efeitos ou se isso só verifica do deferimento do pedido para frente.
Creio que, até pela natureza jurídica da decisão suspensiva de liminar ou de sentença, uma vez deferido o pedido de suspensão, o efeito contrário produzido é “ex nunc”, isto é, não retroage ao momento da concessão da medida. Não serve o remédio para desconstituir o julgado, já que o objetivo da medida é evitar que a grave lesão do bem jurídico tutelado ocorra. Para esse fim tem os recursos cabíveis.
Então, não é por demais afirmar que as decisões concessivas de medida liminar ou meritória produzam efeitos da sua concessão até a ocasião em que for deferido o pedido de suspensão pelo presidente dos tribunais.
Pensar diferente redundaria em invertendo a natureza jurídica da medida suspensiva, dando-lhe roupagem de recurso de apelação ou de agravo de instrumento, de acordo com a decisão a ser atacada: interlocutória ou de mérito, respectivamente, em que teriam que ser analisados os requisitos legais para tanto.
É preciso saber que o pedido de suspensão, ao ser deferido pelo presidente de tribunal, suspende a execução da decisão atacada, e não reforma ou anula a decisão judicial concessiva de liminar ou de mérito.
4.6 Possibilidade de interposição de recurso do ato que suspende a execução da decisão
Outro questionamento que merece atenção, em se tratando de pedido de suspensão, é se cabe ou não recurso da decisão proferida pelo presidente de tribunal.
Em hipótese de mandado de segurança cuja liminar ou sentença seja suspensa, preconiza a Ministra Ellen Gracie que “caberá Agravo ao Plenário do Tribunal, a ser interposto no prazo de 5 dias. 33
Sendo indeferida a suspensão e conseqüentemente mantida a decisão de primeiro grau, esclarece a Ministra que “nenhum recurso é previsto pela legislação”. 34
Ressalto, por necessário, que essa observação não mais prevalece na ordem legal vigente, diante da edição da Medida Provisória nº 2.180/01, que alterou as Leis nºs 4.348/64 e 8.437/92, que, agora, permite que do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias.
Nas Cautelares, na Ação Popular, na Ação Civil Pública e nas hipóteses de Tutela
Antecipada, realça a referida Ministra que “as Leis 8.4.37/92 e 9.494/97 prevêem, tanto para o deferimento quanto para o indeferimento da medida o recurso de agravo a ser interposto em 5 dias”. 35
Prazo este que, mesmo sendo de pessoa jurídica de direito público, não se conta
em dobro, a teor do art. 188, do Código de Processo Civil, conforme o entendimento da Ministra Ellen Gracie, sob o fundamento de que a regra geral cede ante a regra especial
e esta não fez distinção entre os recorrentes ao estabelecer o prazo de 5 dias. 36
Por outro lado, o Ministro Marco Aurélio já decidiu que a Fazenda Pública gozaria de prerrogativa do prazo recursal em dobro, incidindo a regra geral do art. 188 do Código de Processo Civil, e a sua decisão foi endossada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal. 37
Parece-me mais correto essa decisão. A prerrogativa que goza a Fazenda Pública para recorrer em dobro, não deve ser encarada como privilégio, mas como uma forma de possibilitar que o Poder Público possa defender seus direitos de maneira efetiva. A enorme burocracia e complexidade da máquina estatal somada ao número imenso de ações movidas contra e pela Fazenda Pública exigem um tratamento diferenciado da Administração em Juízo. Tais prerrogativas, antes de violar o principio da isonomia, cuidam de diminuir a grande desigualdade existente na prática entre os dois tipos de litigantes, o particular e o público.38
Com precisão, Sergio Ferraz empreende a seguinte abordagem: “não tem mais prevalecido o antigo opinamento de que o agravo em questão só seria admissível da decisão suspensiva. Tal corrente tão sólida se apresentou, no curso do tempo, que veio a estratificar-se, nas Súmulas 506 do STF e 217 do STJ. Deu-se porém que o advento da Lei 8.437/1992 (art. 4º, § 3º), bem como nova redação outorgada ao art. 557 (e seu § 1º) do CPC, acabaram por operar uma reversão na jurisprudência, que hoje afirma o cabimento do agravo, independentemente do teor da decisão”. 39
No entanto, é importante frisar que, mesmo depois da alteração legislativa, o professor da PUC/RJ, sustenta que “o agravo somente pode ser interposto da decisão que suspende. E isso porque eventual interposição do agravo, pelo requerente da suspensão, é, como muito bem percebeu Cássio Scarpinella Bueno, uma obstaculização à máxima eficácia, constitucionalmente posta, do mandado de segurança”. 40
Em que pese a posição adotada, tenho que se cometeu equívocos, sem que isso represente qualquer censura aos eminentes professores, porque penso não ser eqüitativo a orientação parcial, que só aceita o agravo quando interposto da decisão que suspende. Além do mais o argumento da contenção da eficácia do mandamus serve de fundamento para declarar a inconstitucionalidade de todo o instituto (suspensão de segurança), como demonstrarei na conclusão desse ensaio, não apenas dessa pequena parte.
O plenário do Supremo Tribunal Federal, capitaneado pelo Ministro Gilmar Mendes, que diagnosticava uma lacuna superveniente de regulação, acabou adotando o entendimento diverso e cancelando a Súmula 506, ao fundamento de que não se vislumbra qualquer razão para o tratamento assimétrico na espécie. Indeferido o pedido de suspensão nos processos referidos na Lei 8.437, de 1992, caberá agravo. Não há razão para não admiti-lo nos casos de indeferimento de suspensão de segurança.41
4.7 Possibilidade, do indeferimento desse recurso, de realização de novo pedido de suspensão para o STJ e/ou STF
Com o advento da Medida Provisória nº 2.180/01, passou a vigorar na Ordem Jurídica a faculdade de promoção de novo pedido de suspensão ao presidente de Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário, quando indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo.
Como se vê, seja no caso de indeferimento do pedido originário de suspensão (de sentença ou de liminar), seja na hipótese de provimento do agravo do impetrante (contra o deferimento da suspensão), abriu-se, em favor do Poder Público (ou de quem faça suas vezes), a possibilidade de um novo pedido de suspensão, em grau mais elevado da escala recursal.
O novo pedido de suspensão terá cabimento, deixa claro Bruno Resende Rabello, somente após o tribunal de segundo grau ter, ao apreciar o agravo contra a decisão de seu presidente, decidido pela denegação da suspensão. Exige-se, assim, o prévio esgotamento das vias ordinárias para só então ser a matéria submetida ao presidente do Tribunal Superior.42
Em todas as hipóteses, o pedido de suspensão sucessivo pressupõe ter sido a questão da suspensão exaustivamente apreciada no Tribunal, não se admitindo que o pedido possa ser dirigido contra decisão monocrática de relator; assim, cabe ao ente público interessado, ao formular o pedido de suspensão ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, demonstrar que, do julgamento do agravo (interno ou instrumento), restou mantida ou reestabelecida a decisão lesiva ao interesse público. 43
Informa Sérgio Ferraz que “por se tratar, repita-se, de um novo pedido, sem disciplina legal específica, processual ou procedimental, mas lançado sobre a mesma realidade que suscitará o pedido originário, tem-se que as pautas desse aqui também incidirão. Verbi gratia: tal como no primeiro, para o novo pedido não há limite temporal de formulação, podendo ele ser deduzido enquanto não transitada em julgado a decisão a suspender; a legitimação ativa é a mesma, reconhecida para o mesmo pedido”.44
Há, todavia, dois pontos a desafiarem a propositura de soluções diferenciadas, preleciona o prof. Da PUC/RJ. O primeiro deles diz respeito à fixação do Tribunal competente para apreciar o novo pedido, dentre os dois referidos no preceito em tela (STJ e STF). Pare-nos que a Constituição oferece a resposta cabível. Assim, se a fundamentação do pedido for constitucional, o destinatário será o STF; se infraconstitucional, o STJ; e se o fundamento puder encartar-se tanto num plano, quanto noutro, caberá a apresentação de dois pedidos, com a observância subsidiária do que dispõe o art. 543 do CPC, quando cuida da interposição concomitante de recursos extraordinário e especial. O segundo deles é relativo ao âmbito material do novo pedido: parece-nos evidente que ele não pode ser mera repetição do primeiro. Aqui, o requerente terá de evidenciar que a decisão inicial, contrária ao Poder Público (em razão do indeferimento da suspensão ou de provimento ao agravo), contém, em si mesma, por seus pressupostos e conclusões, infringência aos bens e valores tutelados no art. 4º a Lei 4.348/64. Ou seja, o novo pedido desafia nova fundamentação e exaustão da instância. Qualquer entendimento em sentido contrário apenas aprofundaria imensamente o viés de inconstitucionalidade, por nós aposto, ao instrumento da suspensão. 45
É de se sublinhar que, com a nova sistemática da legislação em regência, estabelece-se a possibilidade de apresentação concomitante de agravo de instrumento e de pedido de suspensão, contra a decisão concessiva de liminar.
Essa é a interpretação que se faz do regramento que rege a matéria, tendo em vista haver sido dito que a interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão (art. 4º, § 6º, da Lei 8.437).
Do ponto de vista técnico, sintetiza o professor da PUC/RJ que “não se configura hipótese a objetar, já que agravo e suspensão têm pressupostos diversos de formulação e não tendem necessariamente ao mesmo fim. Ao dizer a lei sob comento que a interposição do agravo não prejudica ou condiciona o julgamento do pedido de suspensão quer simplificar, obviamente, que um e outro são julgados independentemente, segundo os pressupostos específicos e fins próprios regedores de cada espécie. A decisão concessiva de suspensão extingue-se com a superveniência da decisão recursal. Se, após isso, tiver sido mantida a liminar, pelo desprovimento do agravo contra a decisão concessiva, poderá o Poder Público formular novo pedido, na forma e nos limites dos parágrafos antes examinados”.46
O Supremo Tribunal Federal tem decisão paradigmática em que se admite a interposição do agravo regimental no Tribunal local, sem prejuízo da possibilidade do pedido de suspensão da liminar para o Presidente do Tribunal Superior, uma vez que cada um dos requerimentos tem seus pressupostos específicos de cabimento.47
5. Cabimento e a constitucionalidade da medida frente à Constituição Federal
Convém registrar, de princípio, que não há previsão constitucional para que os Tribunais Superiores analisem pedidos de suspensão. O que levar a crer, diante da premissa de que a competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é definida na Constituição da República, que essa medida não pode sequer ser levada a apreciação pelos Tribunais Superiores.
Lembra Bruno Resende Rabello que “não nos parece que se possa, no caso, falar em poder implícito dos Tribunais Superiores para conhecer de tais pedidos, pois nenhum dos incisos da Constituição contempla, ainda que implicitamente, a possibilidade de o Presidente do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal suspender a eficácia de decisão colegiada de tribunal inferior”.48
Sustenta esse entendimento Cássio Scarpinella Bueno, ao assinalar que muito embora o art. 25 da Lei n. 8.038/90 preveja o cabimento de pedidos de suspensão aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça e tais pedidos venham sendo apreciados desde então, é flagrante o descompasso entre a competência jurisdicional dos Tribunais traçada pela Constituição e a praxe forense.49
Além disso, entendo que o pedido de suspensão dos efeitos de liminar ou de sentença proferida contra a Fazenda Pública é inconstitucional à medida que limita de forma afrontosa o uso dos remédios constitucionais na sua integralidade, inviabilizando, na maioria das vezes, os direitos fundamentais do cidadão.
Não destoa desse entendimento o prof. Sérgio Ferraz, ao considerar a suspensão de segurança, além de “figura altamente esdrúxula e criticável, constitucionalmente
inadmissível”.50
Por outro lado, é preciso saber que o direito processual não se separa da constituição: muito mais do que mero instrumento técnico, o processo é instrumento ético de efetivação das garantias jurídicas. Sobre os princípios políticos e sociais da constituição edificam-se os sistemas processuais.51
Com efeito, não posso admitir que as leis pertinentes à espécie (Leis nºs 4.348/64, 8.437/92 e 9.494/97) possam ferir as regras processuais, já que atribuem ao presidente de tribunais competência para suspender decisão, sob o pálio de defesa de ordem ou manifesto interesse público, quando, na verdade, essa atribuição caberia ao colegiado a que pertence o relator da decisão impugnada, com desrespeito frontal ao princípio do juiz natural.
Outro aspecto que não se deve esquecer é o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.
O atual estágio de desenvolvimento do direito processual não permite que se pense em processo sem ter em mente o direito constitucional à prestação jurisdicional
adequada, expresso no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República.52
Lida de maneira adequada, tal norma não se limita a garantir ao jurisdicionado o direito de bater às portas do Poder Judiciário e pedir uma providência para o seu direito ameaçado ou lesado. O que deve ser tido como direito e garantia fundamental é o direito à resposta tempestiva e adequada, que evite a lesão ao direito do cidadão ou que repare os danos sofridos. 53
A efetividade do processo e a busca de um processo de resultados, apto a aplicar a norma de direito material ao caso concreto, obviamente com a observância estrita dos princípios constitucionais, devem ser uma preocupação constante dos operadores do direito.54
A possibilidade de se conceder medidas de urgência, que produzem efeitos imediatos, é imprescindível para que se possa falar em direito à prestação jurisdicional adequada.
O que se vê aqui é que essa possibilidade está perdendo força quando se trata de demandas judiciais contra a fazenda pública, diante da medida de suspensa de liminar, comprometendo a prestação jurisdicional adequada.
Em muitos casos, a proibição à concessão de liminares pode significar verdadeira denegação de prestação jurisdicional e, por isso, deve ceder ante aquele princípio maior que consiste no direito de acesso material à justiça.
A questão ganha maior complexidade, alerta Bruno Resende Rabello, quando se fala em mandado de segurança, uma vez que o remédio heróico goza de status constitucional, estando expressamente incluído entre os direitos e garantias individuais, que, como se sabe, nem mesmo por emenda constitucional poderia sofrer restrições.55
A liminar é instituto imprescindível ao mandado de segurança, já que não teria o menor sentido idealizar uma garantia desse porte sem ensejar ao impetrante a possibilidade de pleitear a suspensão imediata do ato impugnado. Daí se entender que, mesmo não havendo no texto constitucional menção expressa à liminar, esta também possui estatura constitucional e, por isso, não pode ser acutilada por normas infraconstitucionais.56
Tem legitimidade para requerer a suspensão, vale repisar, a pessoa jurídica de direito público. Com efeito, não pode o pedido ser provocado pelo particular, ou seja, aquele que sofreu lesão ao seu direito individual. Com isso, não é forçoso afirmar que se tem aqui tratamento manifestamente desigual das partes, que, recebe repulsa da Constituição Federal (art. 5º).
Portanto, defendo a inconstitucionalidade das normas que disciplinam a suspensão da liminar e de sentença proferida contra fazenda pública (Leis nºs 4.348/64, 8.437/92 e 9.494/97), por desrespeitarem frontalmente os princípios constitucionais acima identificados, devendo, pois, serem extirpadas imediatamente do Ordenamento Jurídico pátrio, a fim de que haja o restabelecimento do predomínio constitucional.
6. Conclusão
A Constituição se apresenta como uma garantia do cidadão contra arbítrios estatais. Para isso, assegura, como direito fundamental, a tutela desses direitos através das ações constitucionais.
Os Direitos fundamentais do homem, ao receberem positivação no Direito Constitucional, passam a desfrutar de uma posição de relevo, no que toca ao ordenamento jurídico interno. Mas a mera declaração ou reconhecimento de um direito não é suficiente, não bastando para sua plena eficácia, porque se torna necessário tutelar esse direito nas situações. 57
Então, as ações judiciárias que visam proteger categoria especial de direitos públicos subjetivos as chamadas, segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, liberdades públicas ou direitos fundamentais do homem58, tais como: mandado de segurança, ação civil pública, ação popular, etc, que têm berço constitucional, exigem a rejeição de qualquer posição que conduza a caminhos menos amplos.
O Ministro Carlos Mário da Silva Veloso reafirmou sua posição, a esse respeito, no sentido de “considerar inconstitucional a lei ou medida provisória que suprime medida liminar, porque essa lei ou medida provisória torna letra morta a ação constitucional do mandado de segurança, que muito mais do que uma simples ação sob o ponto de vista processual, porque é ação constitucional, é garantia constitucional de direito individual”.59
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1 RABELLO, Bruno Resende. Suspensão de Eficácia de Decisão Judicial Contrária ao Poder Público. In: Processos nos Tribunais Superiores, FÉRES, Marcelo Andrade, CARVALHO, Paulo Gustavo M., coordenadores – São Paulo: Saraiva, 2006, pág. 108.
2 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Suspensão do Mandado de Segurança pelo Presidente do Tribunal. Revista de Processo. n. 105. ano 27. jan-marde 2002. São Paulo: RT, 2002, pág. 193.
3 FERRAZ, Sérgio. Mandado de Segurança: Suspensão da Sentença e da Liminar. In Processo e Constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira – coordenadores: Luiz Fux, Nelson Nery Júnior e Teresa Arruda alvim Wambier. São Paulo: RT, 2006, pág. 68.
4 Sérgio Ferraz, op. cit. págs. 68/69.
5 BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado de Segurança. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pág. 174.
6 Celso Agrícola Barbi, op. cit. pags. 174/175.
7 NORTHFLEET, Ellen Gracie. Suspensão de Sentença e de Liminar. Revista de Processo. n. 97. ano 25. jan-mar de 2000. São Paulo: RT, 2000, pág. 184.
8 Idem, idibem.
9 BRASÍLIA. STJ, REsp 97.838/RS, julgado em 16.06.97, DJ 25.08.97, p. 39.298.
10 BRASÍLIA. STF, S.Sg nº 114-SP – RTJ nº 92/938.
11 BRASÍLIA. STJ, AgRgSSeg nº 632-DF, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJU: 22.6.98.
12 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2.004, págs. 88/89.
13 Idem, ibidem, pág. 89.
14 Hely Lopes Meirelles, op. cit. pág. 90.
15 BRASÍLIA. STF, SSeg 1.197-9-PB, DJU de 22.09.97
16 Sérgio Ferraz, op. cit. pág. 68.
17 NORTHFLEET, Ellen Gracie. Suspensão de Sentença e de Liminar. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2000. Ano 25. Número 97. pág. 186.
18 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros, 1996, pág. 146.
19 Idem, ibidem.
20 Ellen Gracie Northfleet, op. cit. pág. 188.
21 Idem, ibidem, pág. 188.
22 Idem, ibidem, pág. 188.
23 Lucia Valle Figueiredo, op. cit. pág. 145.
24 Hely Lopes Meirelles, op. cit. pág. 89.
25 Ellen Gracie Northfleet, op. cit. pág. 188.
26 Sérgio Ferraz, op. cit. pág. 68.
27 Lucia Valle Figueiredo, op. cit. pág. 146.
28 BRASÍLIA. TRF, SSeg 4.405-SP, DJU 7.12.79, p. 9.221.
29 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das finanças. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pág. 100.
30 BRASÍLIA. STF, AgRgSS 1.149-9, DJU 20.06.1997, p. 18.138.
31 Ellen Gracie Northfleet, op. cit, pág. 189.
32 BRASÍLIA. STJ, REsp 97.938/RS, julgado em 16.06.97, DJ 25.08.97, p. 39,298.
33Ellen Gracie Northfleet, op. cit. pág. 189.
34 Idem, ibidem, pág. 189.
35 Idem, ibidem, pág. 189.
36 Idem, ibidem, pág. 189.
37 BRASÍLIA, STF, SS 1917, AgR-Agr/AP, Tribunal Pleno, DJ, 16.08.2002, p. 88.
38 Bruno Resende Rabello, op. cit. pág. 104.
39 Sérgio Ferraz, op. cit. pág. 69
40 Idem, ibidem.
41 BRASÍLIA. STF, AgRgSS 1.945, j. 19.12.02.
42 Bruno Resende Rabello, op. cit. pág. 127.
43 Idem, ibidem, pág. 129.
44 Sérgio Ferraz, pág. 69.
45 Idem, ibidem.
46 Sérgio Ferraz. op.cit. pág. 69.
47 BRASÍLIA. STF, Recl. 172-5-SP – STF, AgRgPet 2.455-PA.
48 Bruno Resende Rabello, op. cit. pág. 131.
49 Cássio Scarpinella Bueno, op. cit. pág. 59.
50 FERRAZ, Sérgio. Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros, 1993, pág. 162.
51 GRINOVER, Ada Pellegrini. Os Princípios Constitucionais e o Código de Processo Civil. São Paulo: Bushatsky, 1975.
52 RABELLO, Bruno Resende. Suspensão de Eficácia de Decisão Judicial Contrária ao Poder Público. São Pulo: Saraiva, 2006, pág. 106.
53 Idem, ibidem.
54 Idem, ibidem.
55 Idem, ibidem.
56 Bruno Resende Rabello, op. cit. pág. 105.
57 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, pág. 763.
58 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, pág. 314.
59 BRASÍLIA. STF, Adin 975/DF, DJ 20.06.97, pág. 28.467.