Regime de bens entre os cônjuges: pacto antenupcial e renúncia de herança

Regime de bens entre os cônjuges: pacto antenupcial e renúncia de herança

(17/2/2023)

Por Nélio Silveira Dias Júnior

Advogado

Na ordem jurídica vigente, entre os cônjuges há os seguintes regimes de bens: a)  comunhão parcial; b) comunhão universal; c) participação final dos aquestos; e) separação de bens, cada um com sua especificidade única.

Por exemplo: no regime de comunhão universal, importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, excetuando-se: os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar. Também se excluem as dívidas passivas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum (CC, arts. 1.667 e 1.668).

Por sua vez, no regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, excluindo-se os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar. No que tange às obrigações contraídas antes do casamento não se comunicam, assim como as provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal (CC, arts. 1.659 e 1.660).

Não havendo convenção antes do casamento, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial. Todavia, poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que o Código Civil regula, acima identificado. (CC, art. 1.640).

Com efeito, quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial no processo de habilitação de casamento; fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas (CC, art. 1.640, parágrafo único).

É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento (CC, art. 1.653).

Por outro lado, é obrigatório o regime da separação de bens no casamento: de pessoa maior de 70 anos e de todos aqueles que dependerem, para casar, de suprimento judicial (CC, art. 1.642).

O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento (CC, art. 1.639, § 1º).

A elaboração de pacto antenupcial é uma ferramenta à disposição dos nubentes para realizar o planejamento conjugal, tendo liberdade para, ali, tudo dispor, salvo disposição contrária à lei (CC, art. 1.655). Entretanto, só incide, quanto aos bens, presentes e futuros, ou seja, só vale para frente, não pode regulamentar situação anterior a sua lavratura.

Não se pode esquecer que é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhe prouver (CC, art. 1.639).

Porém, quanto a sua estipulação, esse contrato pré-nupcial é voltado, exclusivamente, para definir questões de ordem patrimonial. Na sua essência, foi criado para isso. Tanto é verdade que é o meio utilizado para se estipular outro regime de bens, como explicado acima.

De qualquer modo, a doutrina mais avançada tem mitigado a sua restrição patrimonial. Para Maria Berenice Dias, nada impede que os noivos disciplinem  também questões  existenciais, de natureza não patrimonial. Possível  ser estipulado no pacto a proibição de ser divulgado, em qualquer meio eletrônico, imagens, informações, dados pessoais ou vídeos de outro.[1]

A tendência, continua Maria Berenice Dias, é não aceitar que os noivos afastem os deveres do casamento, como, por exemplo, o dever de fidelidade. Mas Gustavo Tepedino e Rodrigo da Cunha Pereira invocam o princípio da menor intervenção estatal. Vinculada à questão da autonomia da vontade. Assim, é possível que os noivos, por exemplo, regulem a forma de convivência não monogâmica, o que não afronta disposição absoluta de lei (CC, art. 1.655).[2]

Também não há qualquer impedimento a que estipulem encargos outros, inclusive sobre questões domésticas. Ainda que não haja a possibilidade de a execução de algumas avenças serem buscadas na via judicial, ao menos como acordo entre eles têm plena validade. [3]

O outro regime de bens é o da separação total. Atualmente, muito escolhido, principalmente pelos empresários. Estabelecido esse regime, os bens adquiridos por um dos cônjuges, antes ou depois do casamento, não entram na comunhão, permanecerão sob o domínio e a administração exclusiva de cada, que os poderá alienar ou gravar de ônus real.

Ainda nesse tipo de regime de bens, quanto aos alimentos, os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial (CC, art. 1.688).

Ressalta-se, por oportuno, que o regime de separação de bens só é aplicado quando for dissolvido o casamento, por vontade dos cônjuges (divórcio), não em razão de morte, caso em que passa a situação a ser disciplinada pelo Direito das Sucessões, especificamente quanto à sucessão legítima, pela ordem da vocação hereditária (CC, art. 1.829).

Ou seja, a vontade de um cônjuge de separar seus bens do outro, só vale em vida.

Aqueles mais conservadores  sustentam que nenhum acordo poderia ser feito para que a sua vontade valesse também para depois de sua morte, frente ao que prevê o Código Civil: não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva (art. 426).

Tem-se, no entanto, outra visão sobre o assunto.

É possível no pacto antenupcial os cônjuges renunciarem ao direito à sucessão um do outro, sem ferir o Código Civil.

Ninguém deve ser obrigado a receber determinada herança. Pode renunciá-la, antes da abertura da sucessão, principalmente se se der em pacto antenupcial em que se estabeleça o regime de separação total de bens, desde que se trate de bens particulares, bem assim seja feito por escritura pública e seja assinada pelo renunciante.

Para Rolf Madaleno,  pactos matrimoniais devem atender, em respeito ao princípio  da liberdade contratual, a todas as questões futuras, permitindo que seus efeitos se produzam  durante o matrimônio ou com sua dissolução pelo divórcio ou pela morte. [4]

A autonomia privada, no Direito de Família, está prevista no Código Civil assim: é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família (art. 1.513).

Acrescenta, ainda, Rolf Madaleno que a possibilidade de renúncia antecipada em pacto sucessório com cláusulas insertas em paco antenupcial, ou em uma escritura pública de união estável, ou até mesmo mandada lavrar pelos cônjuges na constância do casamento, não está definitivamente entre aquelas proibições sugeridas pela leitura desinteressada do art.  426/CC, bastando atribuir o real valor e alcance  da autonomia privada dos cônjuges e conviventes, e atentar para a circunstância de que a proposição de renúncia preventiva dos direitos hereditários se limita, por sua natureza jurídica, aos benefícios viduais do direito  do cônjuge ou convivente, quando concorrem como coerdeiros com descendentes e ascendentes. [5]

Além do que não se afigura  impeditivo convencionar a precedente renúncia a típico benefício vidual, com natureza jurídica de direito assistencial e não sucessória.[6]

Se um casal opta pelo regime da separação de bens, a autonomia da vontade segue a mesma lógica  de não compartilhar patrimônio quando o casamento termina pela morte de um dos cônjuges, e não há como imaginar que a vontade deste  se contente em limitar a incomunicabilidade patrimonial apenas para a ruptura em vida da união afetiva e que aceite possa ser diferente  quando da dissolução da relação afetiva se dá pela morte de um deles. [7]


[1] DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: RT, 2016, pág. 314.

[2] Maria Berenice Dias, op. cit. págs. 314/315.

[3] Idem, ibidem, pág. 315.

[4] MADALENO, Rolf. Sucessão Legítima. Rio de Janeiro: 2019, pág. 442.

[5] Idem, ibidem, pág. 449.

[6] Rolf Madaleno, op. cit. pág. 450

[7] Idem, ibidem, pág. 450

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