Ponta Negra: entre o mar e a eternidade

Autor(a): Nélio Silveira Dias Júnior

Data: 29/12/2024

Há um século, Ponta Negra era um recanto intocado, onde a natureza reinava absoluta. A praia límpida e serena permitia ouvir apenas o som das ondas quebrando na areia, tão branca quanto às nuvens do verão.

O Morro, ainda sem fama, mas viçoso, exibia sua vegetação rasteira em tons de verde que se destacavam na paisagem.

Naquele tempo, ninguém sabia muito sobre aquela praia isolada.

Pedras negras despontavam na ponta onde as águas calmas pareciam se reunir, em uma reverência silenciosa ao imponente morro. Foi por conta dessas pedras que os nativos começaram a chamar o local de Ponta Negra.

Com o passar do tempo, barracos começaram a surgir na região, abrigando pescadores que viviam da pesca. Aos poucos, formou-se uma vila, protegida pelas bênçãos de São João Batista, venerado na igreja construída ali mesmo no final do século XIX pelo Padre João Maria. Em 1940, a igreja foi reconstruída com seu charme marcante, com traços de Art Déco. A nova edificação foi solenemente inaugurada pelo Bispo Dom Marcolino.

Entre os pioneiros da Vila de Ponta Negra, destacou-se a família Congo. Manoel, Raimundo e Antônio, dedicados à pesca, não só exploraram as riquezas do mar, mas também construíram um legado repleto de histórias que ainda ecoam pela comunidade.

Os antigos diziam que o morro carregava um mistério. Contavam que, de tempos em tempos, ele rugia como um trovão. Por isso era chamado Morro dos Estrondos. Em um desses estrondos, abriu-se no topo uma clareira, uma “careca”, e assim nasceu o Morro do Careca, soberano na paisagem, subjugando a beleza ao seu redor.

Uma das figuras lendárias da Praia de Ponta Negra foi o pescador Manoel Aiô, nascido no final do século XIX. Suas histórias eram fascinantes e sua alegria contagiante. Vivia da pesca, vendendo os peixes diretamente na praia, onde seu carisma se tornou parte da identidade local. Sua irmã, dona Davina, sobressaía como uma talentosa rendeira.

Na década de 1950, começaram a surgir as primeiras casas de veraneio, descendo o morro em direção à beira-mar. Cada uma trazia seu próprio encanto. Contudo, a verdadeira beleza não estava no interior, mas do lado de fora, onde a natureza fazia o conforto parecer irrelevante.

Uma dessas casas pertencia ao meu avô, Epifânio Dias Fernandes, que viveu ali momentos inesquecíveis ao lado de minha avó, Alda, e dos filhos: Nilze, Ney Nélio e Nilma. Ele caminhava pela praia, mergulhava na enseada e nadava nas águas tranquilas daquele lugar maravilhoso. Ali, presenciou o crescimento dos filhos, das brincadeiras de infância na beira da praia até a adolescência. Mais tarde, viu-os se casarem e trouxe os netos para vivenciar a magia daquele refúgio que tanto marcou sua vida.

O alimento mais cobiçado era o peixe fresco, pescado ali mesmo. Havia xaréu, barbudo, galo da costa, mas a tainha era sempre a mais celebrada. A pesca de arrasto era um espetáculo à parte: os pescadores lançavam a rede em forma de meia-lua, cercando os peixes e puxando-os para a areia. Quem estivesse por perto corria para assistir à cena e admirar a fartura.

O programa favorito de todos era o banho de mar próximo ao morro, mais tarde chamado de “Pocinho”. Não havia nada igual. Além disso, a diversão também acontecia nos alpendres, em conversas animadas ao entardecer.

Outros desbravadores também deixaram suas marcas por lá: Aristófanes Fernandes, Mário Vilar, Amaro Mesquita, Osmundo Faria, Roberto Freire; Djalma Maranhão, Geraldo Santos, José Nilson de Sá, Odorico Ferreira de Souza, Joca Mota, Reginaldo Teófilo, entre tantos outros que frequentaram aquele paraíso e marcaram época.

Foi em Ponta Negra que, nos anos 1970, tomei meu primeiro banho de mar e dei meus primeiros passos na areia fofa, onde cair não fazia diferença, guiado pelas mãos carinhosas de meus pais, recém-casados, e sob os olhares atentos de meus avós paternos.

Anos depois, na década de 1980, morei com meus pais por um breve período na Praia de Ponta Negra. Apesar de estar distante do centro da cidade, onde tudo acontecia, a experiência tinha suas recompensas: acordar com o som do mar, contemplar o pôr do sol sobre as águas e tomar banhos refrescantes.

Pouco tempo, grandes histórias.

A Praia de Ponta Negra guarda um segredo fascinante. Por trás do Morro do Careca, encontra-se Alagamar, uma praia deserta e preservada, que parece transportar os visitantes a uma Ponta Negra de 100 anos atrás. Exuberante e intocada, Alagamar revela um fenômeno encantador e misterioso: na praia, durante a maré baixa, basta cavar uma pequena poça na areia para que brote água doce. Um verdadeiro presente da natureza, cheio de magia e encanto. Hoje, por ser um berçário de tartarugas marinhas, é acessível apenas pelo mar, onde é possível desfrutar de um banho tranquilo e se conectar à natureza em sua forma mais pura.

Com a construção da estrada que liga Natal a Ponta Negra — anteriormente um simples caminho de barro e areia —, o progresso finalmente chegou à região, graças à iniciativa do engenheiro Roberto Freire. Hoje, essa avenida leva seu nome, em justa homenagem.

A transformação foi rápida: as casas de veraneio se multiplicaram, e um conjunto habitacional surgiu, recebendo o nome da praia. O cenário, antes marcado por sua simplicidade, começou a dar lugar ao desenvolvimento, moldando a Ponta Negra que conhecemos hoje.

Foi na década de 1980 e 1990 que Ponta Negra consolidou-se como a praia mais turística de Natal, atraindo investimentos e transformando-se em um importante polo imobiliário. No início dos anos 2000, a Prefeitura de Natal construiu o calçadão, modernizando a orla e substituindo as antigas barracas por uma estrutura mais organizada.

Ponta Negra ganhou fama e o Morro do Careca passou a ser o protagonista.

Hoje, a praia de Ponta Negra, com mais de 3 km de extensão, é símbolo da cidade de Natal, reconhecida por suas belezas naturais. Suas águas variam entre calmas, ideais para banhos, e agitadas, perfeitas para o surfe. O Morro do Careca, com 100 metros de altura, tornou-se o cartão-postal mais famoso da capital potiguar.

Há poucos anos, a tristeza era imensa ao ver o avanço do mar destruir a praia e a comprometer o Morro do Careca.

Com o aumento da faixa de areia (engorda), por iniciativa do Poder Público, o Morro do Careca e a praia recuperaram sua imponência, revivendo o esplendor de outrora. Agora, uma ampla extensão de terra permite que visitantes desfrutem do local em toda sua grandiosidade, independentemente da maré, como se fazia antigamente.

Conter a desorganização urbana que ameaça a harmonia da paisagem, que há anos encantava os olhos e tocava o coração, é o próximo desafio público.

Ponta Negra, a praia que imortalizou Natal.

Fontes:

Praias Potiguares – Miguel Dantas

A ORDEM, 25/06/1940

Crônicas Taipuenses – 17/8/2021

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