Obrigação alimentar entre ex-cônjuges e suas peculiaridades.

Por Nélio Silveira Dias Júnior

Advogado

 

É indiscutível que, com o término do casamento, se um  cônjuge precisar de alimentos o outro deve suprir, comprovada a sua total incapacidade em provê-los, mas serão apenas os indispensáveis à sua subsistência (Código Civil, art. 1.694, § 2º).

Entretanto, para isso acontecer, é necessário que o ex-cônjuge prove a sua real necessidade e a  sua impossibilidade laboral, e não simplesmente os alegue.

A obrigação entre ex-cônjuges é recíproca e está vinculada à efetiva penúria.

Por outro lado, não é só isso que garante a obrigação alimentar entre cônjuges. É imprescindível que o ex-cônjuge  necessitado  prove a ausência de parentes em condições de arcar com o pagamento dos alimentos, de acordo com a inteligência do art. 1.694, do CC.

O dispositivo estabelece que: “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem”, ao assim disciplinar colocou em primeiro lugar os parentes e só depois mencionou o cônjuge ou companheiro, de modo que o legislador teve a intenção de que, para suprir a necessidade do ex-cônjuge, devem ser chamados, preferencialmente, os parentes.

Parece não haver dúvida sobre isso, pois o Código Civil logo em seguida, no seu art. 1.704, parágrafo único, disse que: “Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.”

Esse dispositivo legal deve ser lido e interpretado retirando dele  “declarado culpado”, diante da nova ordem constitucional (Emenda Constitucional nº. 66/2010), que alterou o sistema jurídico familiar, retirando o exame da culpa entre cônjuges, que alcança não só o divórcio, mas  qualquer outro fim.

Dessa maneira decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal: “saliente-se que a obrigação de pagar pensão alimentícia ao ex-cônjuge é condicionada à efetiva comprovação da total incapacidade do alimentando em prover o próprio sustento, bem como à ausência de parentes em condições de arcar com o pagamento dos alimentos, de acordo com a interpretação analógica do art. 1.704, parágrafo único, do CC”. [1]

Se for assim o ex-cônjuge só poderia pedir alimentos ao outro depois de formular, igual pedido, aos seus parentes mais próximos: os pais, ou após demonstrar que os seus pais são impossibilitados de prover as suas necessidades, com base na solidariedade familiar.

Em se tratando de solidariedade familiar devem ser chamados para, isso se exigir, os parentes consanguíneos em linha reta,  preferindo os  mais próximos aos mais remotos, para, só na sua ausência ou na sua total impossibilidade, ser chamado o ex-cônjuge.

Nessa obrigação, o ex-cônjuge não pode se sobrepor aos pais do outro, ainda mais se tratar a necessidade em razão de doença, adquirida antes de seu casamento.  Com a relação conjugal desfeita, o ex-cônjuge não pode ser obrigado a suportar esse ônus indefinidamente, pois seria uma pena perpétua, que o vínculo do casamento não pode impor.

Ainda que assim não seja entendido, é de se prevalecer a solidariedade mútua entre familiares e ex-cônjuge.

A solidariedade é princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambientes recíprocos de compreensão e cooperação, ajudando-se mutualmente sempre que se fizer necessário.[2]

Sendo assim, a necessidade do ex-cônjuge deve ser suprida, não só pelo outro, mas também pelos seus pais, em partes iguais.

A Constituição Federal de 1988, no seu art. 3º, inciso I, prevê o princípio da solidariedade, ao reconhecer a construção de uma sociedade livre, justa e solidária

Desta forma, o princípio reflete nas relações familiares, de maneira ampla, e não isoladamente, pois a solidariedade não poderia ser assim chamada se recaísse apenas no ex-cônjuge, uma vez que esse dever está relacionado no art. 1.697 contemplando todos e não um.

Dessa inspiração, surgiu a segunda parte do art. 1.698, do CC: “Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.”

Antes da conclusão, uma observação é importante.

Este texto está tratando da obrigação alimentar permanente (CC, art. 1.694); não engloba aqui, pois os outros tipos de alimentos devidos entre os ex-cônjuges: a) alimentos transitórios; b) alimentos compensatórios; c) alimentos ressarcitórios, que apesar de todos serem oriundos do casamento (união estável), cada um tem natureza jurídica própria e regramento diferente.

Portanto, concluímos dizendo que, comprovada a necessidade alimentar do ex-cônjuge, o outro só deve ser chamado a prover, na ausência dos parentes (pais) ou na sua comprovada impossibilidade financeira, ou, no mínimo, para isso, chamar todos: parentes e ex-cônjuges, em atenção ao princípio da solidariedade, que os tornam coobrigados.

[1] TJDF – Acórdão 1292565  Relator: Des. Carlos Rodrigues, 1ª Turma Cível, publicado no DJE: 27/10/2020.

[2] MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, pág. 93.

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