O vice: assunção temporária da chefia do  Executivo e o pleito eleitoral

Nélio Silveira Dias Júnior

Advogado

A eleição do chefe do Poder Executivo, segundo o modelo constitucional vigente, importa na do vice com ele registrado.  Eleitos, tomam posse, conjuntamente, prestando o compromisso de manter e cumprir a Constituição da República.

O vice tem, única e exclusivamente, a função de: substituir o titular, no caso de impedimento; e o suceder, no de vaga (e.g. art. 79, da CF/88).

Sendo assim, se o vice, estiver no exercício de seu cargo, e ocorrer o impedimento do chefe do Executivo, terá que assumir obrigatoriamente a chefia, pois não lhe é dado o direito de recusar, uma vez que a Constituição não lhe concede essa faculdade. É um dever funcional.

Acerca da função do vice e de suas atribuições parece não se ter dúvida.

Todavia, quando essa função é exercida dentro dos 6 meses anteriores à eleição a  divergência jurídica político-eleitoral surge e merece explicação.

O Tribunal Superior Eleitoral havia firmado a sua jurisprudência no sentido de que o vice que assume o mandato, por sucessão ou substituição do titular dentro de seis meses anteriores ao pleito, pode se candidatar ao cargo titular, mas, se for eleito, não poderá ser candidato à reeleição no período seguinte.[1]

Recentemente, o TSE voltou a discutir a questão,  no julgamento de Allan Seixas de Souza, reeleito prefeito de Cachoeira dos Índios/PB, mas manteve o posicionamento anterior,  por maioria: 5×2 (Respe 0600222-82.2020.6.15.0068), cujo acórdão foi objeto de recurso extraordinário, encontrando-se no STF (RE 1.355.228), com repercussão geral (Tema 1229).

É lamentável esse julgamento. Talvez fosse o momento para o TSE ter evoluído no posicionamento e alterado a sua jurisprudência.

A Constituição Federal disciplinou a questão, no art. 14, § 5º, assim: “o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente.”

Para aplicar corretamente esse dispositivo, a fim de dar coerência ao sistema constitucional, o intérprete tem que separar três situações jurídicas: a) a do titular; b) a do sucessor; c) e a do substituto.

A situação do titular não há controvérsia: o presidente, os governadores e os prefeitos só podem ser reeleitos para um único período subsequente. O sucessor caminha sem discussão, visto que o vice, com a vacância do cargo, sucede o titular definitivamente, assumindo novo cargo, tornando-se chefe do Executivo. Diferentemente, do substituto, que é temporário, assumindo as funções do titular apenas enquanto durar o impedimento. Situações diversas, com regimes jurídicos próprios, que devem ser interpretadas isoladamente.

Portanto, o curto espaço de tempo exercido pelo vice não é suficiente para caracterizar o exercício de um mandato de chefe do Executivo, pois ao assumir essa nova função temporária não deixou seu cargo, a ponto de ser considerado pela Corte Eleitoral  um terceiro mandato de titular, aplicando-se o dispositivo constitucional (art. 14, § 5º).

Lembra José Afonso da Silva, com propriedade,  que “o substituto é o vice, não o titular do cargo de chefe do Executivo. O vice, quando substitui o titular, continua vice, embora vice no exercício do cargo”[2].

Além disso, para Dirley da Cunha Júnior, o vice não é titular de nada, razão por que  não se lhe aplica a inelegibilidade do art. 14, § 5º, da Carta Magna, salvo se assumiu, por sucessão, a titularidade  no curso de mandato e vem a se eleger como titular para o segundo, hipótese em que tal situação já se qualifica como reeleição. [3]

Então, não tem cabimento falar, quando o vice substituir o titular, independente do momento, ter exercido o mandato de chefe do Executivo, de modo que, ao ser eleito titular da chefia, no mandato seguinte ao exercício do cargo de vice, ser considerado a sua reeleição.

Pensar diferente poderia esvaziar a função de vice, tornando uma figura decorativa, pois quando  chamado  para  substituir  o titular, se fosse dentro dos seis meses da eleição e tivesse

pretensão eleitoral, não assumiria a função temporária, para não se tornar inelegível.

Nesse sentido, sempre defendeu o Prof. Alexandre de Morais, hoje Ministro do STF, ao prelecionar que: “o Vice-presidente que, no exercício de sua missão constitucional, substituir  o Presidente da República, independentemente do momento de seu mandato, poderá candidatar-se à chefia do Poder Executivo normalmente, inclusive podendo, posteriormente se eleito, disputar sua própria reeleição à chefia do Executivo.[4]

Ou seja: veda-se o exercício efetivo e definitivo do cargo de Chefe do Poder Executivo por mais de dois mandatos sucessivos.[5]

Então, em caso de impedimento, o vice deve assumir a chefia do Executivo, sem que isso configure mandato, para qualquer fim, inclusive o de inelegibilidade, sob pena de ser punido, por cumprir um dever funcional.

Sob o ponto de vista do mandato, a jurisprudência do TSE está consolidada, no sentido de que “o vice que substitui o titular antes dos seis meses anteriores à eleição pode se candidatar ao cargo de titular e, se eleito, pode disputar a reeleição no pleito futuro”.[6]

A divergência reside apenas no fato ocorrer dentro dos seis meses anteriores à eleição.  

Não há razão jurídica para isso. Se esse tempo fosse preponderante para caracterizar o mandato, por causar influência à eleição, poderia o próprio chefe do Executivo, no exercício de seu segundo mandato consecutivo, renunciar ao cargo antes desse período e estaria elegível para o terceiro mandato, o que não é possível, como já decidiu o STF.[7]  

Mesmo nessa hipótese, a substituição, diante de seu caráter precário, não altera o rumo da Administração do titular substituído: com apresentação de novo plano de governo, alteração de comando administrativo (nomeação e exoneração de agentes políticos). Continua ainda com a sua feição. Não influencia em nada a assunção do vice, inclusive eleitoralmente. Na maioria das vezes, a substituição é tão curta, que nem a população fica sabendo.

A situação fica ainda mais aguda quando a substituição ao titular pelo vice ocorre, dentro dos seis meses anteriores à eleição, mas em virtude de afastamento do titular por força de decisão judicial, determinando a assunção do vice, e não por mera voluntariedade. Nesse, caso não é razoável que ele seja punido, com restrição de sua elegibilidade, por obediência a ordem judicial!

 É oportuno registrar que, em 2022, o Supremo Tribunal Federal autorizou a diplomação e a posse do prefeito Renis Cesar de Oliveira, no Município de Itajá, interior do Estado de Goiás, por não entender como mandato as funções exercidas pelo vice em substituição ao titular dentro dos 6 meses anteriores à eleição (RE 1.329.079/GO).

No Tribunal Superior Eleitoral, tinha sido  anulada a votação de 2020 porque o prefeito eleito iria para o terceiro mandato seguido.  Renis Cesar foi eleito vice-prefeito de Itajá para o mandato de 2013/2016, e, em seguida, foi eleito prefeito para o período subsequente de 2017/2020. Em 2016, quando era vice, assumiu o cargo de prefeito de 28 de abril a 10 de maio. Já nas eleições de 2020, se candidatou à reeleição, se sagrando novamente vitorioso.

O Ministro Ricardo Levandowski considerou o indeferimento do registro de candidatura pelo TSE  como “desproporcional e não razoável”. Para ele, a inelegibilidade funcional não pode decorrer do cumprimento de decisão judicial cuja consequência foi obrigá-lo a assumir a chefia do Executivo local por curto prazo de tempo (treze dias), no qual não teria realizado qualquer ato de gestão.

No julgamento monocrático, com trânsito em julgado em 10/6/2022, o Ministro Ricardo Levandowski entendeu que o “instituto da reeleição não pode ser negado a quem só precariamente tenha substituído o titular no curso do mandato, pois o vice não exerce o governo em sua plenitude”.

Esta é a mais acertada interpretação do § 5º do art. 14 da Constituição Federal.

Com ser assim, o vice que assume temporariamente a titularidade da chefia do Poder Executivo, no exercício da sua função constitucional, eleito para tanto, não pode ser obstado, ao  se candidatar ao cargo de titular, e se eleito, a concorrer à sua reeleição.


[1]TSE – REspe 222–32/SC, de 16/11/2016; REspe 0600147–24/GO, de 18/12/2020; REspe 0600162–96/RJ, de 15/12/2020; Respe nº 060022282, DJe 17/08/2021

[2] DA SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, pág. 227.

[3] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Salvador: JusPODIVM, 2010, pág. 771.

[4] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, pág. 564.

[5] Idem, ibidem.

[6] TSE – REspe nº 222-32, Rel. Min. Henrique Neves, PSESS de 16.11.2016.

[7] STF, RE 158.564, de 9/3/1993.

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