O sistema ferroviário do Rio Grande do Norte: um caminho sem volta

Autor(a): Nélio Silveira Dias Júnior

Data: 16/11/2024

Explorar Natal e sua encantadora Região Metropolitana sob uma nova perspectiva me levou a embarcar em um passeio de trem.

A escolha foi pela Linha Norte, que se estende por 38,5 km, conectando Natal a Extremoz, São Gonçalo do Amarante e Ceará-Mirim, com 13 estações em operação.

Em um sábado ensolarado, logo pela manhã cheguei à Estação de Natal na Ribeira (a primeira), inaugurada em 1881 e modificada em 1950. A construção antiga me impressionou imediatamente pelo seu valor histórico-cultural.

Antes de prosseguir, visitei ali perto a Estação Central de Natal, na Esplanada Silva Jardim nas Rocas, inaugurada em 1906 durante o governo do Presidente Afonso Pena. Conhecida como Estação Sampaio Correia em homenagem ao engenheiro responsável pela construção da linha ferroviária Natal/Nova Cruz (1881) e a supervisão da linha Igapó/Ceará-Mirim (1906). A estação serviu provisoriamente como terminal de passageiros e sede da “The Great Western of Brazil Railway”, companhia inglesa que comandava diversas estradas do ferro no país, inclusive a do RN.

Esse edifício é um marco de beleza imponente, com sua arquitetura eclética que mescla elementos neoclássicos, Art Déco e Art Nouveau. Atualmente, abriga a sede do DNOCS.

O embarque foi tranquilo. Impressionou-me a organização: funcionários da Companhia Brasileira de Trens Urbanos garantiam a entrada e saída coordenada dos passageiros em cada porta nas várias estações, e durante o percurso faziam a segurança ostensiva. A limpeza e o ar-condicionado proporcionavam um conforto inesperado, revelando a eficiência desse meio de transporte.

A história dos trens aqui ainda pulsa entre os trilhos e vagões.

Ao deixar a estação e seguir pelo trajeto, o trem contornou o Passo da Pátria, onde o Rio Potengi revela toda sua beleza. Esse bairro histórico, que já foi ponto de chegada de mercadorias vindo do interior por Macaíba, com a Alfândega ali instalada, e palco de feiras populares disputadíssimas, guarda memórias do comércio que abastecia a Capital. O rio, com suas águas tranquilas e margens repletas de vida, emoldura a paisagem de forma única, lembrando o elo entre passado e presente.

Ao cruzar o Rio Potengi, é impossível não se encantar com a paisagem e refletir sobre a icônica ponte de ferro, erguida em 1916, que marcou a integração total da linha férrea com a cidade, unindo a Zona Norte ao restante de Natal.

Cada estação por onde o trem passava, com a entrada e saída de pessoas, carregava sua própria narrativa. Em Extremoz, uma enfermeira que encerrava seu plantão em Natal desembarcava de volta para casa. Em Ceará-Mirim, um artista plástico com vidros em mãos seguia para embelezar uma janela.

As histórias de luta e rotina dos passageiros são um reflexo da alma do povo potiguar – resiliente, talentoso e trabalhador.

Ao chegar no destino, desembarquei na Estação de Ceará-Mirim, inaugurada em 13/6/1906. Mas, não demorou e passei a imaginar nos tempos áureos da ferrovia. A estação era um centro de efervescência. As plataformas lotadas de passageiros e carregadores movimentavam mercadorias e histórias.

O sistema ferroviário do Rio Grande do Norte, que um dia foi o motor do desenvolvimento regional, testemunhando transformações econômicas e sociais do povo potiguar, ainda se mantém vivo.

A linha continua essencial para a população, unindo cidades e oferecendo um meio de transporte rápido e acessível.

Na Estação de Natal é possível admirar vagões antigos, algumas fotografias históricas e objetos que evocam um tempo em que os trens eram o principal meio de transporte. Esse pequeno acervo precisa ser melhorado e, depois, mais valorizado, para ser explorado pelo turismo local.

Não há como não imaginar o potencial de expansão dessa malha ferroviária. Uma linha que ligasse Natal a destinos como a praia de Pipa ou de São Miguel do Gostoso seria uma revolução para o turismo e a mobilidade regional, beneficiando tanto os visitantes quanto os moradores locais.

Mais do que um resquício do passado e um ponto de encontro cultural, o sistema ferroviário permanece um meio de transporte eficaz. Expandir a linha para cidades como Lajes, Macau, Assu e Mossoró, por exemplo, seria não apenas um resgate histórico, mas um passo estratégico para o desenvolvimento do Estado.

Esse passeio de trem não foi apenas uma viagem por Natal e parte da sua região metropolitana, mas uma imersão nas memórias e na identidade do povo norte-rio-grandense. Cada estação, cada paisagem, e cada encontro ao longo do trajeto revelou um pouco mais da alma potiguar: generosa, perseverante e cheia de histórias para contar.

O Rio Grande do Norte, com sua beleza singular e seu povo acolhedor, merece um sistema ferroviário que valorize e potencialize essas qualidades.

Afinal, trilhos não apenas ligam destinos, mas unem vidas e constroem histórias que, como os vagões que deslizam pelos trilhos, seguem em frente, sem nunca perder a direção.

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