O Movimento Feminista no Rio Grande do Norte: prática e realidade
Data: 26/02/2022
Parte I
O Rio Grande do Norte, com relação à luta da mulher por igualdade, esteve sempre na vanguarda, antes mesmo de qualquer instauração de movimento feminista organizado, que só surgiu em 1922 no sudeste do país.
A primeira mulher brasileira a se destacar no cenário machista foi a potiguar CLARA CAMARÃO, esposa do índio Poti, conhecido por Felipe Camarão (um dos heróis da Batalha dos Guararapes), por ter sido pioneira em pegar em armas para defender sua terra da invasão holandesa no século XVII.
A sua bravura antecedeu à de outras duas grandes brasileiras: a revolucionária catarinense Anita Garibaldi (Revolta dos Farrapos) e a heroína do Recôncavo Baiano, Maria Quitéria (luta pela independência do Brasil).
O movimento feminista não se faz só com ideais, discursos, passeatas, comícios, ou, até mesmo, queimando sutiãs, mas também, na prática e com exemplos.
É o caso da potiguar NÍSIA FLORESTA (1810-1885). Foi uma das precursoras feministas. Pela causa, lutou obstinadamente, à sua maneira: com caneta e papel.
A poetisa Nísia Floresta, ao lançar, em 1832, seu primeiro livro: “Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens”, talvez tenha implantado o embrião do movimento feminista nacional. Com obra literária importante, conviveu, na época, com pensadores e por eles foi respeitada.
Mas, não parou por aí.
ISABEL GONDIM (1839-1933) foi outra mulher de Papari (atualmente Município de Nísia Floresta) que deve ser lembrada como uma desbravadora da educação feminina.
Foi uma professora brasileira, a primeira do Rio Grande do Norte. Em Natal, assumiu uma sala de aula, em 1866, por concurso público, voltada à educação feminina, e iniciou a sua linda trajetória na educação. Sem material escolar didático para o gênero – na época só com viés masculino – Isabel Gondim produziu um: “Reflexões às Minhas Alunas”, publicado em 1873, reconhecido nacionalmente e adotado no ensino brasileiro.
Essa pensadora do ensino feminino, também, escreveu, em 1900, “O Brasil – Poema Histórico do País” e, em 1908, “Sedição de 1817 na Capitania do Estado do Rio Grande do Norte”, com aceitação da crítica especializada. Próxima de sua morte, em 1933, publicou, ainda, mais dois livros: “Noções Históricas e “Resumo da História do Brasil”. Foi consagrada sócia efetiva do Instituto Histórico Geográfico do RN, tornando-se a primeira mulher a conseguir esse feito, e foi também patrona da cadeira 8 da Academia Norte-Riograndense de Letras.
AUTA DE SOUZA (1876/1901) foi outra pioneira que dignificou o gênero. A poesia foi seu destaque. Mostrou, naquela época, que nesse ofício não havia diferença. Com versos pungentes, impressionou a fina flor da intelectualidade brasileira do início do século XX.
Essa macaibense, em 1900, lançou o Horto, seu livro de poesia, prefaciado por Olavo Bilac.
DIDI CÂMARA foi outra escritora norte-rio-grandense que propagou a mulher no cenário das artes.
Essa natalense, antes, porém, de enveredar pela poesia, foi dramaturga e atriz. Integrou e fundou grupos amadores de teatro em Natal. Escreveu e encenou duas peças no Teatro Carlos Gomes (Atual Teatro Alberto Maranhão): “Os Filhos do Mar” e Divino Mestre”. Juntamente com seu marido (Fernando Cardoso), também ator e prestidigitador, fez espetáculos de mágica (Laélio Ferreira de Melo).
No século passado, PALMYRA WANDERLEY (1894 -1978) foi uma potiguar que se sobressaiu. Participou das lutas em defesa dos direitos da mulher, com afinco e destemor.
Essa mulher dirigiu uma revista feminina: “Via Láctea”. Nesse periódico defendia ideias de liberdade da mulher contra a sociedade machista e opressora da época.
Na revista, outras mulheres tinham vozes e espaço. Com esse mesmo propósito, escreveu crônicas em vários jornais locais: “A República”, “Diário de Natal” e “Tribuna do Norte”, assim como em jornais de fora: no Rio de Janeiro, “A imprensa”.
Na literatura, deixou a sua marca. Escreveu poemas e publicou livros. O seu primeiro foi “Esmeralda”. Outro livro que escreveu foi “Roseira Brava”, a sua consagração literária, ganhando, em 1939, menção honrosa da Academia Brasileira de Letras. Em 1936, entrou, pioneiramente, para Academia Norte-Riograndense de Letras.
No início do século XX, a concepção da mulher como cidadã, politicamente emancipada, era tema de reivindicação e de conquistas em países como Suécia, Dinamarca, Noruega, Estados Unidos e Inglaterra. No Brasil, coube ao Estado do Rio Grande do Norte, em caráter pioneiro, conquistar para a mulher o direito legal de votar e também de ser votada (Professora Ana Amélia Fernandes).
Parte II
O Movimento Feminista Brasileiro, liderado pela bióloga BERTHA LUTZ (1894 – 1976), foi fundado em 1922, no sudeste do país, defendendo o progresso feminino, com o incentivo à educação feminina e com objetivo do sufrágio, principal tendência do início do século XX.
Mas, foi o Rio Grande do Norte que se destacou e fez história. Neste caso, mais uma vez, o Estado ocupou a linha de frente.
A começar por CELINA GUIMARÃES VIANA (1890-1972), primeira mulher eleitora do Brasil e da América Latina. A professora potiguar se alistou em 1927 em Mossoró/RN, cinco anos antes de o voto feminino ser previsto no Código Eleitoral de 1932.
Na política, tem-se, também, ALZIRA SORIANO (1896-1963), primeira prefeita no Brasil. Isso ocorreu no Município de Lajes, Rio Grande do Norte, nas eleições de 1928.
Sua administração foi marcada por aspectos inovadores. Mas, não chegou ao fim de seu mandato, devido à revolução de 30 e a consequente deposição de todos os governantes.
Mulher bonita, decidida, de temperamento forte e com uma inteligência privilegiada, Alzira Soriano destacou-se ao recusar, do governo que se instalava, a oferta para se transformar em interventora municipal. Tornou-se, portanto, a primeira mulher a ser defenestrada do Poder, com a perda do mandato ganhado nas urnas (Jurandyr Navarro).
MARIA DO CÉU PEREIRA (1910-2001), nascida em Currais Novos/RN, foi outra brilhante figura feminina. Foi inovadora na participação da mulher na vida pública: primeira deputada estadual do Brasil.
Foi eleita diretamente pelo povo, aos 24 anos, à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, com expressiva votação, na Eleição de 1934, pelo Partido Popular. Seu mandato foi marcado por muita violência, diante dos acontecimentos revolucionários do Governo do Presidente Getúlio Vargas, que culminou no seu encurtamento pelo golpe de estado de 1937.
Exerceu seu mandato, sem temor e com coragem. Defendeu a democracia e os seus ideais. Era uma mulher à frente do seu tempo.
Maria do Céu foi articulista e diretora do Galvanópolis, jornal que fundou em Currais Novos/RN (1931). Falava sobre os aspectos políticos, sociais e culturais da cidade. Dona de uma oratória invejável e com espírito de liderança, fez discursos acalorados na praça pública de Currais Novos e defendia a participação feminina na política.
Mulher que, da província, soube tirar o máximo de proveito, inclusive fez parte do teatro local e administrou o comércio do pai, fazendo toda a contabilidade da empresa, já que tinha o curso técnico contábil e dominava essa ciência.
No contexto político-social do Estado, foi presença marcante e de elevada significação humana e intelectual.
Com atuação recente, não se pode olvidar WILMA DE FARIA (1945-2017), outra mulher de peso no Rio Grande do Norte.
Essa mossoroense foi a primeira deputada federal do Estado, a primeira prefeita de Natal, e a primeira governadora do Estado. A sua história é de luta e obstinação. A sua garra representa a mulher guerreira potiguar.
No século XX, O movimento feminista contou com a ajuda do norte-rio-grandense Juvenal Lamartine de Faria, que aderiu à causa e contribuiu para o seu avanço, o voto feminino, e, consequentemente, para o pioneirismo do Estado.
Juvenal Lamartine de Faria, deputado federal de 1906 a 1926, e senador em 1927-1928, assumiu a governança estadual no Rio Grande do Norte em 1928 e foi deposto pelo movimento revolucionário de 1930.
No cargo, se empenhou pela aprovação da legislação estadual que garantisse o voto feminino, fortalecendo o movimento de mulheres durante o seu mandato, trazendo, para isso, Bertha Lutz ao Estado para promover a causa feminina e a candidatura de Alzira Soriano à prefeitura de Lajes (Sérgio Trindade – História Está nos Detalhes).
Parte III
O Rio Grande do Norte registra a historia de rebeldia e luta de mulheres que se destacaram pela coragem, pelo talento literário, e até mesmo por gestos isolados, mas de grande significado histórico (Jurandyr Navarro – Os Notáveis).
No mundo empresarial e dos negócios, em que a atividade era desempenhada, à unanimidade, pelos homens, AMÉLIA DUARTE MACHADO (Viúva Machado) (1881-1981) mostrou que a mulher também podia exercê-la, com competência e liderança.
Com a morte, em 1934, de seu marido, Manoel Machado – empresário de renome e bem-sucedido no Estado, dono de grandes fazendas nos arredores de Natal e de casas comerciais – passou a comandar os seus negócios, principalmente o seu comércio: Despensa Natalense. Na administração das empresas, foi brilhante e o seu comando era incontestável e eficiente.
A viúva Machado surpreendeu. A partir de seu sucesso empresarial, comandando vários homens e com eles também disputando negócios, incomodou a sociedade local. Não demorou e estórias surgiram a seu respeito. Tudo não passou de lenda urbana.
Na educação, foi outra área que a mulher potiguar se sobressaiu, pioneiramente. NOILDE RAMALHO (1920-2010) foi uma delas, que a todos impressionou.
A educadora consolidou a obra de Henrique Castriciano, dando envergadura nacional à Escola Doméstica de Natal (1914), erguendo o Complexo Educacional Henrique Castriciano e a UNI-RN (2000).
Henrique Castriciano um educador potiguar. Criou a Liga de Ensino do Rio Grande do Norte em 1911 e fundou a Escola Doméstica de Natal em 1914. Um ferrenho defensor da educação.
O talento de Noilde Ramalho foi descoberto pelo Dr. Varela Santiago – médico de referência e respeitado no Estado – quando era presidente da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, ao nomeá-la em 1945, Diretora da Escola Doméstica, cargo que exerceu até 2010, por mais de meio século.
Antônio de Souza um incentivador da educação feminina. Quando foi governador do Rio Grande do Norte (1907 a 1908 e 1920 a 1924), aumentou o acesso das mulheres à educação, tendo com isso impulsionado o movimento feminista.
Aduziu o Prof. Lenin Campos que, naquela época, na sociedade tradicional, as mulheres não tinham voz ativa na vida pública, mulheres não deveriam ser vistas na rua, elas viviam trancadas dentro de suas casas, telas eram adicionadas as janelas para impedir que os passantes vissem as mulheres em seus lares. Agora, homens como Juvenal Lamartine e José Augusto de Medeiros insistiam que a participação política feminina era importante. Homens como Henrique Castriciano escreviam artigos nos jornais da cidade reclamando que os pais que impediam suas filhas de estudar impediam o progresso (Prof. Lenin Campos).
No plano da integração social da mulher, o Rio Grande do Norte contou com a ajuda de cinco pessoas de suma importância: Antônio José de Mello e Souza; Henrique Castriciano de Souza; Varela Santiago; Juvenal Lamartine de Faria; e José Augusto de Medeiros.
Antes de encerrar não poderíamos deixar de enaltecer outras mulheres norte-rio-grandenses também pioneiras.
LUCY GARCIA MAIA (1918/2001) foi a primeira aviadora do Nordeste (1942). Fez o curso de piloto no Aero Clube de Natal, frequentado exclusivamente por homens, tendo ali conseguido seu brevê aos 24 anos. Pilotando avião, fez viagens para Fortaleza, João Pessoa e Recife.
ADEMILDE FONSECA (1921/2012) foi a primeira intérprete de letras de chorinho, considerada a “Rainha do Choro”. Suas interpretações a consagraram e lhe renderam vários discos com vendagem extraordinária. Trabalhou por mais de dez anos na TV Tupi.
MYRIAM COELI DE ARAÚJO DANTAS DA SILVEIRA(1926/1982) foi a primeira jornalista diplomada do Rio Grande do Norte. Diplomou-se pela Escola Oficial de Jornalismo de Madrid. Apesar de ter nascido em Manaus/AM, com 2 meses veio morar em São José de Mipibu. Integrou as redações da A República, do Diário de Natal e da Tribuna do Norte como a primeira profissional mulher no jornalismo. Poetisa consagrada, com vários livros publicados, vivenciou a vida cultural de Madrid. Na Espanha, conheceu Salvador Dalí e Pablo Picasso e deles foi amiga.
MARIA GOMES DE OLIVEIRA (1928/2015) foi a primeira reitora de universidade pública do Brasil, por ter dirigido a UERN (1973 a 1977), tendo tido merecido destaque na imprensa nacional por tal feito.
A essas mulheres, a nossa total reverência. Registrar a sua luta, além de ser um reconhecimento, é um dever, para que suas conquistas não sejam esquecidas.
A mulher potiguar, a exemplo dessas desbravadoras aqui mencionadas (Parte I, Parte II e Parte Final), é assim, de fibra e de coragem, sai na frente sem ter medo da estrada, com catabis ou curvas, subindo ou descendo ladeira, sempre chega lá.
Parte I
Parte II
Parte III