O julgamento com turma ampliada; inovação do novo Código de Processo Civil.

Por Nélio Silveira Dias Júnior

Advogado

Com o fim dos embargos infringentes, o novo Código de Processo Civil criou um mecanismo processual para substituí-los, quando o julgamento de 2º Grau não for unânime, a fim de aperfeiçoar a prestação jurisdicional, ampliando o debate, para maior segurança nas decisões colegiadas.

Assim, quando o resultado da apelação não for unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores (CPC, art. 942).

Essa técnica de julgamento aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em: a) ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença; b) agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito (CPC, art. 942, § 3º).

Se do julgamento com turma ampliada resultar embargos de declaração, resta saber se os aclaratórios serão julgados, necessariamente, com a composição ampliada. A resposta, de pronto, será, obrigatoriamente, não.

Os declaratórios afetos a apelação, é certo, devem seguir a disciplina do quórum ampliado, não porque o julgado anterior se tenha feito por maioria, mas sim porque no seu próprio julgamento, o dos embargos, surgiu divergência tal que pode alterar o resultado da apelação.

Como explicitam doutrina e jurisprudência, o Órgão julgador só deve lançar mão do quórum ampliado secundum eventum litis, a depender do resultado do julgamento que está transcorrendo. Ou seja: se, na assentada de julgamento, surgir divergência, aí sim, mesmo que se trate de embargos de declaração e independentemente de como foi a contagem de votos do julgamento anterior, deve haver a ampliação da Turma.

Isto por singelíssima razão: neste caso, o embargo ganha valor e eficácia infringente, e todo embargo infringente pressupõe divergência anterior a ser aprofundada e dirimida, ou com novo julgamento em Colegiado maior, ou com o quórum ampliado na própria Câmara.

Isto é de inafastável evidência, a teor do art. 942 do CPC: “quando o resultado da apelação não for unânime”, o julgamento não se encerra,  prossegue com outros Julgadores, em número tal que haja a possibilidade de reversão do resultado provisório.

Assim é na apelação, cujo julgamento começa com Turma de três Desembargadores (CPC, art. 941, § 2º), embora haja a eventualidade de divergência. Se esta vier a ocorrer, aí sim se amplia o quórum; se não ocorrer, termina o julgamento com os três Julgadores que o iniciaram.

Diante de tal clareza, mesmo assim há vozes destoantes, encartadas no Enunciado 137 -CJF[1], que  pretendem que nos embargos de declaração seja diferente: haja quórum ampliado, mesmo não havendo divergência, mas unanimidade.

Tal pretensão despreza a necessária coerência do sistema, como se fosse possível enfiar a roda maior na menor, tornando um embargo de declaração, menor e de restritíssimos pré-requisitos e efeitos, em apelação, maior e de vastíssimos efeitos ordinários de reforma da decisão anterior.

Em suma, quanto ao ponto: não há quórum ampliado em julgamento de embargos de declaração se ou enquanto não surgir divergência na Turma habitual de três Desembargadores.

E não é só.

Não será toda e qualquer divergência em julgamento de embargos que há de levar à necessidade de ampliar o quórum.

É preciso que o voto divergente seja capaz de alterar o julgamento primeiro da apelação. Se o voto divergente, ao invés disso, simplesmente for para acolher os embargos para sanar obscuridade ou contradição, ou suprir omissão, sem modificar o que restou decidido anteriormente na apelação, não há quórum estendido, porque, neste caso, o embargo, mesmo provido, não terá efeito infringente.

Do quanto exposto, têm-se as seguintes conclusões no plano teórico: a) não há, no direito processual civil brasileiro, assentada de julgamento de embargos declaratórios que se inicie já com o quórum ampliado do art. 942 do CPC; b) se, durante o julgamento, surgir voto divergente, satisfaz-se a primeira condição necessária à ampliação do quórum: a própria divergência; c) só a divergência não basta, porém, pois o voto divergente deve ter a aptidão de alterar o anterior julgamento da apelação, dando aos embargos, pois, efeitos infringentes; d) se o voto divergente, contudo, conhece e acolhe os embargos, apenas reconhecendo contradição, obscuridade, omissão ou erro no acórdão embargado, mas declaradamente esses vícios não são capazes de alterar o julgamento anterior da apelação, faltando-lhes, portanto, efeitos infringentes, aí não se convoca o quórum ampliado.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é monolítica e absolutamente uniforme com essa diretriz: “O procedimento do art. 942 do CPC/2015 aplica-se nos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação quando o voto vencido nascido apenas nos embargos for suficiente a alterar o resultado primitivo da apelação, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios (se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo), em razão do efeito integrativo deste recurso.”[2] E há precedentes[3].

Por sua vez, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha ensinam da mesma maneira: “o art. 942 do CPC somente incide se o julgamento dos embargos de declaração for não unânime e implicar alteração do resultado do julgamento anterior.”[4]

Jurisprudência e doutrina, assim tão contundente quanto harmonicamente coerente, têm sido reiterada com clareza didática pelo Superior Tribunal de Justiça, a rechaçar o posicionamento de que embargos de declaração devam ser julgados com quórum ampliado, indistintamente, quando julgamento anterior assim o for.

Pretensões assim tão despropositadas, que atingem as fronteiras do completo despautério jurídico-processual, certamente tiveram alguma inspiração, mas, também certamente, hão de ter graves consequências.

 

[1] Se o recurso do qual se originou a decisão embargada comportou a aplicação da técnica do art. 942 do CPC, os declaratórios eventualmente opostos serão julgados com a composição ampliada.

[2] STJ, REsp 1.786.158, Ministra Nancy Andrighi, 3ª T., j. 25/8/20, DJE 1/9/20

[3] STJ, REsp 1.910.317, Ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª T., DJe 11/3/21; AgInt nos EDcl no REsp 1.856.141, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T.,  DJe 22/11/21; AgInt no REsp 1.863.967, Ministro Moura Ribeiro, 3ª T., DJe 19/8/21; Ag Int no REsp 1.534.327, Ministra Nancy Andrighi, 3ª T.,  DJe 28/10/21. [3]

[4]  (DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 15. ed. v. 3. Salvador: Jus Podivm, 2018, pág. 99).

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