O dever de todos na cooperação com o Judiciário para a efetiva solução do litígio

Por Nélio Silveira Dias Júnior

(Advogado)

O Código de Processo Civil de 2015 inovou ao adotar regras que visam garantir a efetividade do processo, assegurando às partes o direito de obter, em prazo razoável, a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (art. 4º).

Dentre os avanços trazidos pelo CPC/15, destaca-se a introdução expressa do princípio da cooperação, como mecanismo voltado à obtenção de um resultado processual célere. Nesse contexto, estabeleceu-se que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se alcance, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º).

A cooperação das partes é fundamental para o adequado desenvolvimento do processo, sem, contudo, comprometer a natural oposição de seus interesses. O sistema processual garante às partes os meios necessários à defesa de seus direitos – como o contraditório, a ampla defesa e os recursos cabíveis. Por outro lado, a cooperação impõe que o exercício desses direitos ocorra dentro de um padrão de lealdade processual, desestimulando condutas meramente protelatórias e contribuindo para a rápida decisão final.

Nesse mesmo espírito de modernização processual, o novo CPC instituiu a cooperação internacional, com o objetivo de agilizar  e desburocratizar a prática de atos processuais em âmbito fora do território nacional. Essa cooperação visa facilitar diligências como citação, intimação, notificação judicial, colheita de provas e obtenção de informações, promovendo um resultado mais célere e eficaz  (arts. 26 e 27).

Complementarmente, o legislador também disciplinou a cooperação nacional, prevista nos arts. 67 a 69 do CPC, que impõe o dever de colaboração recíproca entre os diversos órgãos do Poder Judiciário:  estadual ou federal, especializado ou comum, em todas as instâncias e graus de jurisdição. A troca de informações e até a realização de certos atos, através da coleta de provas, em busca da verdade, pode otimizar a prestação jurisdicional e garantir efetividade à justiça. Essa cooperação deve se dar por meio da atuação coordenada de magistrados e servidores.

No entanto, o maior avanço do atual diploma processual civil reside na ampliação do dever de cooperação não apenas às partes e ao magistrado, mas também a terceiros, especialmente quando se trata de órgãos e entidades da administração pública ou pessoas jurídicas que prestem serviços públicos ou que atendam ao público em geral.

Mas como essa cooperação pode se materializar?

Simplesmente, fornecendo informações relevantes e indispensáveis à adequada instrução processual.

Tal cooperação é um dever dos terceiros e é fundamental para assegurar a celeridade e a efetividade da prestação jurisdicional, contribuindo para que o processo alcance sua finalidade de forma mais ligeira, eficiente e justa.

Quando as partes litigantes, por meio de seus advogados, necessitam de informações ou dados de natureza pública — como os provenientes de órgãos públicos ou entidades,  por exemplo,  Detran, ou, ainda, uma concessionária de energia elétrica, ou, até mesmo, um centro de compras (shopping center) e uma escola particular   —  com a finalidade de apurar fatos relevantes à adequada solução de um litígio em curso ou prestes a ser proposto, espera-se que tais entes  colaborem prontamente com o fornecimento das informações solicitadas.

Nessa perspectiva, mostra-se inadequada qualquer exigência de formalismo excessivo ou a necessidade de judicialização do pedido, sobretudo diante do princípio da eficiência administrativa (CF, art. 37, caput) e da lógica de colaboração com a função jurisdicional. A atuação desses órgãos e entidades deve estar alinhada ao dever constitucional de cooperação com o Poder Judiciário, contribuindo para uma prestação jurisdicional mais ágil e acessível.

A prestação de tutela jurisdicional, alerta Teresa Arruda Alvim Wambier, é interesse de todos. Certamente, interessa às partes mais diretamente, entretanto diz respeito a todos os jurisdicionados na medida em que proporciona a pacificação social e gera um estado de confiança nas instituições do Estado Democrático do Direito. [1]

Resguardados os sigilos protegidos pela Constituição Federal, como os sigilos  bancário, fiscal, telefônico, cuja quebra depende de autorização judicial  (art. 5º, incisos X e XII), todas as demais informações de natureza pública devem ser fornecidas diretamente pelos órgãos ou entidades competentes, sem a necessidade de intervenção judicial.

Afinal, o dever de colaboração com a instrução processual encontra respaldo direto na Constituição Federal, que assegura a todos o direito de receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, coletivo ou geral (art. 5º, inciso XXXIII), bem como o direito à obtenção de certidões em repartições públicas para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal (art. 5º, inciso XXXIV).

Desburocratizar o acesso às informações constitui  meta essencial a ser alcançada.

Aliás, mesmo particulares têm o dever de colaborar com o Poder Judiciário sempre que, de alguma forma, tenham presenciado ou registrado a ocorrência de um fato juridicamente relevante. É o caso, por exemplo, de um imóvel equipado com câmeras de segurança que tenham captado uma colisão ocorrida na via pública. Nessas hipóteses, o fornecimento das imagens não constitui mera faculdade, mas verdadeiro dever jurídico de cooperação.

Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade (Código de Processo Civil, art. 378).

Na realidade, essa disposição legal constitui um princípio estruturante do processo contemporâneo, que conferiu base normativa expressa à colaboração de todos com o Poder Judiciário.

Trata-se, nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier,  de um dever cívico, de modo que vincula não só as partes como terceiros. Insere-se, mais especificamente, na dinâmica da instrução,  ou seja, na atividade de formação da convicção do juiz quanto aos fatos subjacentes à demanda. [2]

Para evitar a banalização dos pedidos e conferir-lhe a devida responsabilidade, estes devem ser formulados por intermédio de advogado legalmente habilitado, com a devida comprovação de prática forense, e com a finalidade específica de instruir o processo.

Por sinal, a responsabilidade pela instrução do processo, nesse cenário, é atribuição do advogado, profissional que a Constituição reconhece como indispensável à administração da justiça (art. 133, CF). Cabe-lhe, inclusive, a correta condução desse múnus público, sob pena de eventual responsabilização ética perante a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

A exigência injustificada de provocação do Judiciário para obtenção de dados públicos ou de interesse processual, sobrecarrega o sistema judicial e compromete a celeridade da prestação jurisdicional, desviando o foco da atuação judicial daquilo que lhe é mais essencial: o julgamento do mérito das questões.

A desjudicialização de atos processuais, especialmente da produção de provas, é uma proposta que visa à celeridade, sem abrir mão da segurança jurídica. Tal modelo aproxima-se do sistema processual civil norte-americano, no qual os advogados exercem papel mais ativo na condução da instrução.

Nada disso contraria o disposto na Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD), que tem por finalidade proteger os direitos fundamentais de liberdade e privacidade. A própria norma legal, com equilíbrio e sensatez, excepciona a restrição ao tratamento de dados quando este se destina ao exercício regular de direitos, inclusive em processos judiciais, administrativos ou arbitrais (art. 7º, VI).

Ou seja, a proteção de dados não pode ser invocada como escudo para impedir o cumprimento de deveres legais de colaboração com a atividade jurisdicional.

É certo que o direito à privacidade deve ser preservado, mas não em detrimento da busca da verdade e da realização da justiça. O sigilo deve ser respeitado e manejado com responsabilidade, jamais absolutizado.

Afinal, quando erigido como obstáculo intransponível à produção da prova, o sigilo deixa de proteger direitos e passa a servir de instrumento para a ocultação da verdade. A história ensina que, em contextos de opressão, foi justamente o uso abusivo do segredo que alimentou práticas autoritárias e antidemocráticas. Não por acaso, a Constituição Federal de 1988 consagrou a transparência como um de seus pilares fundamentais.

Portanto, o fornecimento de informações por entes públicos ou entidades que exerçam funções de interesse coletivo, ainda que sem provocação judicial prévia, não apenas se harmoniza com o princípio da cooperação processual, como também consubstancia verdadeiro dever constitucional e cívico.


[1] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2016, p. 731.

[2] Idem, ibidem.

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