O crime é uma questão social

Data: 08/03/2025
Recentemente, em uma sexta-feira pela manhã, desembarquei no Aeroporto Aluízio Alves, em São Gonçalo do Amarante/RN, vindo de Brasília. Peguei um táxi para o escritório, determinado a concluir a jornada de trabalho daquela semana.
Ao percorrer a antiga “Estrada da Redinha”, atualmente Av. João Medeiros Filho, fui tomado por lembranças de uma época em que fazia aquele trajeto de buggy com meu pai a caminho de Jacumã, pela beira-mar, geralmente durante o veraneio.
Na década de 80, a região era praticamente deserta, com exceção da Penitenciária Agrícola Dr. João Chaves, inaugurada em 1968 durante o governo de Monsenhor Walfredo Gurgel, e do nascente Conjunto Potengi, cujas poucas residências eram habitadas por militares – e seus familiares – responsáveis pela segurança do presídio.
Nos anos 70, a penitenciária agrícola acolheu presos políticos do Estado durante a ditadura militar instaurada em 1964. Já na década de 80, tornou-se um presídio de segurança máxima, abrigando detentos de alta periculosidade. O jornalista Ubiratan Camilo a apelidou de “Caldeirão do Diabo”. Em 2006, a unidade foi desativada e demolida, dando lugar ao Complexo Cultural Zona Norte e ao prédio da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte. Entre seus internos mais conhecidos, estava Paulo Queixada.
Durante a corrida, compartilhei essas memórias com o taxista, de 60 e poucos anos, que as confirmou e acrescentou:
— Conheci de perto Paulo Queixada. Paulo Nicácio da Silva morava no Bairro da Cidade da Esperança, em Natal, onde eu também cresci. Quando criança, estudamos na mesma escola. Era um menino inteligente, interessado nas aulas, apreciava revista em quadrinhos, e se destacava entre os colegas.
Notando meu interesse na historia, prosseguiu:
— Paulo Queixada era franzino, calmo e discreto. Sua família era modesta e muito religiosa. No entanto, na adolescência, ele se envolveu com drogas, tornando-se dependente. Abandonou os estudos e passou a andar com pessoas de má influência. A partir daí, para se destacar no grupo criminoso e ser temido, cometeu crimes bárbaros. — “Regras da rua”, dizia.
Anos depois, Paulo Queixada participou, em 1983, de um crime que chocou Natal: o assassinato de um casal (um médico e uma enfermeira) no estacionamento da UFRN. Os corpos foram incendiados. Preso na Penitenciária João Chaves, aprofundou-se no mundo do crime, tornando-se um dos detentos mais temidos. Acabou morto em 1995.
O taxista, com expressão séria, pediu licença e concluiu:
— Alguns garotos do nosso bairro seguiram o mesmo caminho. Começaram estudando, depois tiveram contato com drogas e acabaram no crime. Hoje, estão mortos ou presos. Não conheci nenhum que tenha entrado para o crime sem antes se envolver com drogas.
O relato do taxista reforça a teoria defendida por um antigo pensador, Enrico Ferri, para quem o crime era um fenômeno natural e social, sujeito às influências do meio. Em sentido diverso, Francesco Carrara sustentava que o delito decorre do livre-arbítrio, da vontade livre e consciente do criminoso. Já Cesare Lombroso,
em uma perspectiva ainda mais distinta, defendia que o crime tem origem biológica: o criminoso nasce delinquente – assim como outros nascem sábios ou doentes -, sendo predisposto a cometer delitos e apresentando características físicas e morfológicas específicas.
O caso de Paulo Queixada, narrado pelo taxista, ilustra bem a tese, com a qual me filio, de que ninguém nasce criminoso, é o meio social que molda o delinquente. Até os 12 anos, ele era um aluno exemplar, sem histórico de conflitos. Se a Escola tivesse identificado os primeiros sinais de risco e o Estado tivesse impedido seu contato com as drogas, talvez sua trajetória fosse diferente.
Dessa reflexão surge uma constatação inescapável: o crime é, sobretudo, uma questão social. Para combatê-lo, realmente, devemos investir em educação e fortalecer a luta contra o tráfico de drogas. A dependência química tem sido um dos principais combustíveis da criminalidade.
Todavia, a dependência química não deve ser vista apenas sob essa ótica – até porque nem todos seguem esse caminho – mas também enfrentada como uma questão de saúde pública.
Ao final da corrida, paguei o taxista e me despedi, reflexivo. Saí com a certeza de que ainda se faz muito pouco pelos jovens. A solução não está em construir mais presídios, mas em expandir a educação pelo país e garantir a permanência dos alunos nas escolas.
Fontes:
Tribuna do Norte, 26/3/2006
Júlio Fabbrini Mirabete – Manuel de Direito Penal
