O crime de lavagem de dinheiro tem tipo bem específico.

Nélio Silveira Dias Júnior

 

O crime de lavagem de dinheiro tem tipo bem específico: ocultar ou dissimular a origem de bens (Lei nº 9.613/98, art. 1º).

Na visão de Luiz Regis Prado, ocultar expressa o ato de esconder, encobrir, não revelar, impossibilitar o conhecimento de sua situação jurídica e espacial. Dissimular equivale a encobrir com astúcia, disfarçar. [1]

De  acordo  com  o  Grupo  de  Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI), o modelo ideal de lavagem de capitais envolve três etapas independentes, a saber: a) colocação  (placement):  consiste  na  introdução  do  dinheiro ilícito no sistema financeiro, dificultando a identificação da procedência dos valores de modo a evitar qualquer ligação entre o agente e o resultado obtido pela prática do crime antecedente; b) dissimulação (layering): nesta fase são realizados diversos negócios ou  movimentações financeiras, a fim de impedir o rastreamento e encobrir a origem ilícita dos valores, de modo a dificultar a reconstrução da trilha do papel (paper trail) pelas autoridades estatais; c) integração (integration): com aparência lícita, os bens são formalmente incorporados ao sistema econômico, geralmente por meio de investimentos no mercado mobiliário ou imobiliário, transações de importação/exportação com preços superfaturados (ou subfaturados).[2]

Para Renato Brasileiro de Lima, são exemplos ou práticas das etapas sobre lavagem do dinheiro[3]: a) Colocação: o fracionamento de grandes quantias em pequenos valores, que escapam do controle administrativo  impostos às instituições financeiras, procedimento esse conhecido como smurfing, em alusão aos pequenos personagens  da ficção na cor azul; utilização de estabelecimentos comerciais que usualmente trabalham com dinheiro em espécie, remessas ao exterior através de mulas, transferências eletrônicas para paraísos fiscais, troca por moeda estrangeira; b) dissimulação: transferências eletrônicas, envio de dinheiro já convertido em moeda estrangeira para o exterior via cabo; c) Integração: ou aquisição de bens em geral: obras de arte, ouro, joias, embarcações.

As tipologias mais recorrentes da lavagem são:  a) pessoas interpostas ou identidades falsas – ou seja, ‘laranjas‘, ‘testas-de-ferro‘, ‘presta nombre‘, ‘straw man‘ ou pessoa fictícia, usando de documentos falsos; b) simulação  de  rendimentos lícitos – v.g., recebimento de indenizações  por danos morais em ações judicias previamente combinadas entre autor e réu; c) empresas de fachada – simulando operação empresarial rentável; d) ‘off-shores‘ – empresas sediadas em paraísos fiscais e de titulares anônimos;  e) estruturação para iludir os controles – estratégias para não ser detectado como suspeito de lavagem pelos normativos do COAF e demais órgãos; f) transferências internacionais pelo câmbio paralelo – dólar-cabo, etc.

Não se deve falar em ocultação na lavagem se não ficar demonstrado que o agente oculta dinheiro, com o objetivo de reintroduzi-lo na economia legal, após alguma dissimulação que vai lhe conferir aparência de licitude.

Não há como punir, por si só, a mera utilização do dinheiro que provenha de infração penal.

Nesse tipo de crime de lavagem de dinheiro não se admite a forma culposa.

O tipo subjetivo é representado pelo dolo, que, para Luiz Regis Prado, significa: a consciência do agente de que o bem, direito ou valor são provenientes, direta ou indiretamente, de ilícito penal (procedência delitiva do bem), e  pela  vontade de ocultar ou dissimular sua natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade.[4]

Anotam, com propriedade, Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini, que pelas regras legais, se o agente desconhece a procedência infracional dos bens, faltar-lhe-á o dolo da prática de lavagem, e a conduta será atípica mesmo se o erro for evitável, pois não há previsão da lavagem culposa. [5]

Portanto, se o agente não percebe a origem infracional do produto por descuido ou imprudência, não pratica lavagem de dinheiro, respondendo penalmente o terceiro que determinou o erro, se existir (CP, art. 20, § 2º.)[6]

Mas, não é só esse dolo que exige o tipo penal.

Além do dolo de ocultar ou dissimular, o crime de lavagem de dinheiro necessita de um elemento subjetivo especial, para compor o tipo, qual seja, a intenção de reinserir o produto da infração penal na economia, sob uma aparência lícita. [7]

Assim, ainda que tal escopo não seja alcançado, essa vontade integra a tipicidade e deve ser demonstrada.

Se não fosse necessário demonstrar a vontade  de o agente  reinserir o capital na economia formal, ocorreria o crime de favorecimento real, previsto no art. 349 do Código Penal. Aí o elemento típico é o ato de tornar seguro o proveito do crime.

Ausente o chamado elemento subjetivo do tipo, o fato é atípico.

[1] PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 7. ed.  São Paulo: RT, 2016, págs. 526/527.

[2] LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial comentada. Niterói/RJ: Impetus, 2013, págs. 107/108.

[3] Idem, ibidem, pág. 108.

[4] Idem, ibidem, pág. 532.

[5] BADARÓ, Gustavo Henrique e BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro. 3. ed. São Paulo: RT, 2016, pág. 140.

[6] Idem, ibidem, pág. 140.

[7] Idem, ibidem, pág. 154

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