O alimentante não possui interesse processual em exigir contas da detentora da guarda do alimentando.
Conforme estabelecido nos arts. 1.583, § 5º, e 1.589, do CC de 2002, ao genitor que não detém a
guarda do filho é garantido o direito de fiscalizar o cumprimento, pelo outro genitor, dos aspectos
pessoais e econômicos da guarda, como a educação, a saúde física e psicológica, o lazer e o
desenvolvimento de modo geral do filho, o que refoge ao verdadeiro objeto da ação de prestação de
contas.
A possibilidade de se buscar informações a respeito do bem-estar do filho e da boa aplicação dos
recursos devidos a título de alimentos em nada se comunica com o dever de entregar uma planilha
aritmética de gastos ao alimentante, que não é credor de nada.
O procedimento especial da ação de prestação de contas está previsto nos artigos 914 a 919 do
Código de Processo Civil de 1973 e nos arts. 550 a 553 do Código de Processo Civil de 2015, que
preveem, nesse caso, apenas a ação de exigir contas. Tal rito faculta àquele que detiver o direito de
exigir contas de terceiro ou, ainda, a obrigação de prestá-las, a utilização do rito específico para
averiguação de eventual crédito ou até mesmo de débito. Em outras palavras, a referida ação pode
ser proposta por quem deveria receber um balanço da administração de bens alheios, mas não a
recebeu, bem como por aquele que as deveria prestar a outrem, porém se negou a fazê-lo.
A ação de alimentos apresenta peculiariedades que se dissociam da lógica da ação de prestação
de contas. A verba alimentar, uma vez transferida ao alimentante, ingressa definitivamente no
patrimônio do alimentando. O detentor da guarda tem, indubitavelmente, o dever de utilizar o
montante da melhor forma possível em favor do beneficiário. Contudo, ainda que se discorde da
aplicação dos recursos, não há falar em devolução da quantia utilizada pelo credor, ante o princípio
da irrepetibilidade que norteia as regras do direito de família, em especial, com relação aos
alimentos.
Por outro lado, o suposto direito de exigir o adequado emprego dos valores repassados
pressuporia a análise da utilização matemática da pensão alimentícia, o que não é plausível.
Ademais, seria imprescindível analisar todas as circunstâncias fáticas acerca da qualidade de vida do
alimentando, consoante a condição social e econômica da família de forma global, o que não se
coaduna com os fundamentos lógicos e jurídicos da ação de prestação de contas.
Há presunção de que as verbas recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da
comunidade familiar, abrangendo o custeio de alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre
outros. Excepcionalmente, admite-se o ajuizamento de ação revisional ou ação de modificação da
guarda ou suspensão do poder familiar, quando presente a suspeita de abuso de direito no exercício
desse poder.
Não se está a negar a possibilidade do abuso do direito (art. 187 do Código Civil de 2002) no
Direito de Família, especialmente no que tange ao desvio ou má gestão da verba alimentar destinada
à prole. Todavia, existindo a intenção de prejudicar os filhos por meio de temerária administração
dos alimentos é necessário que se acione o judiciário para a avaliação concreta do melhor interesse
da criança ou adolescente, num contexto global. Permitir ações de prestação de contas significaria
incentivar ações infindáveis e muitas vezes infundadas acerca de possível malversação dos
alimentos, alternativa não plausível e pouco eficaz no Direito de Família.
Dessa forma, eventual desconfiança sobre tais informações, em especial do destino dos alimentos
que paga, não se resolve por meio de planilha ou balancetes pormenorizadamente postos, de forma
matemática e objetiva, mas com ampla análise de quem subjetivamente detém melhores condições
para manter e criar uma criança em um ambiente saudável, seguro e feliz, garantindo-lhe a
dignidade tão essencial no ambiente familiar.
REsp 1.767.456-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
Terceira Turma, por unanimidade, julgado em
25/11/2021.