NOVOS RUMOS NA EXECUÇÃO PENAL: ALTERNATIVAS À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

DIANA CÂMARA RODRIGUES

RESUMO

O presente estudo tem por escopo delinear os principais aspectos das sanções, suas finalidades e resultados práticos obtidos, sob enfoque social, econômico e, principalmente, dos princípios e garantias fundamentais que norteiam a interpretação dos preceitos legais, inclusive, da execução penal. Tendo como lema a utilização de uma política criminal direcionada no sentido de proteger a sociedade e, concomitantemente, restringir a pena privativa de liberdade aos casos de reconhecida necessidade, chega-se a idéia de liberdade como regra e cárcere como exceção. Ressalta-se, no texto, o paradoxo existente entre a legislação e a práxis. Para tanto, faz-se, inicialmente, uma abordagem histórica dos diversos tipos de sanções, enfatizando a pena privativa de liberdade e analisando-a criticamente, através de dados estatísticos, doutrinários e empíricos, chegando-se à conclusão de sua total degradação. A partir dessa apreciação crítica, o presente ensaio procura demonstrar a importância de se haver novos rumos à execução penal através da utilização de medidas alternativas ao cárcere, realçando as “penas alternativas” propriamente ditas, sua origem, a posição no ordenamento jurídico pátrio, sua evolução e seus benefícios aos apenados, ao Estado e à Sociedade. Ainda, tendo em vista a impossibilidade do desaparecimento da pena privativa de liberdade, são apresentadas alternativas para o aprimoramento do cárcere, através da exposição do método APAC, já desenvolvido, com êxito, em Estados Brasileiros, demonstrando sua viabilidade econômica, social, os indicativos de baixo número de reincidência e alto índice de reintegração. Por fim, tentasse traçar algumas metas para o afinamento da execução penal através da implementação de diretrizes básicas.

Palavras-chave: Penas. Penas Alternativas. APAC.

 

ABSTRACT

This study aims to conceptualize the main aspects of sanctions, its purposes and practical results obtained, focusing on social, economic and, especially, the principles and fundamental guarantees that guide the interpretation of legal requirements, including criminal implementation. With the motto, to use a criminal policy aimed to protect society and restrict the deprivation of liberty only for cases of recognized need, you get the idea of freedom as a rule and prison as an exception. Highlight in this text the difference between the law and practice. Thus, it is, initially, a historical approach of the various types of sanctions, emphasizing the deprivation of freedom, and examining it critically, through statistical data, doctrinal and empirical, coming to the conclusion of its total degradation. From this critical appraisal, this text seeks to demonstrate the importance of new directions to criminal enforcement through the alternative measures to prison, emphasizing the “alternative sanctions”, their origin, the position in the legal vernacular, its developments and their benefits to the prisoners, the State and Society. Still, in view of the impossibility of the disappearance of deprivation of freedom, are presented alternatives for the improvement of prison by the exposure method APAC, alredy developed successfully in the Brazilian, demonstrating its economic and social viability; their low number of recurrence and high rate of reintegration. Finally, try to draw some goals to improve the criminal enforcement, through the implementation of basic guidelines.

Key-Words: Sanctions. Alternatives sanctions. APAC.

 

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO8

2 BREVE ANÁLISE HISTÓRICA DAS PENAS…10

2.1 Direito Penal na Sociedade Primitiva…10

2.2 A Pena no Período Medieval…11

2.3 A Pena e a Época Moderna…12

2.4 As Penalidades e a Época Contemporânea…12

2.5 A Ciência Penal no Século XX…13

3 A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE…14

3.1 Considerações Iniciais…14

3.2 Crise do Sistema Penitenciário…16

3.3 Direito de Punir e respeito aos Princípios Constitucionais e às Garantias Fundamentais…20

4 AS ALTERNATIVAS PENAIS À PRISÃO…23

4.1 Introdução…23

4.2 As medidas alternativas no Sistema Jurídico Nacional…25

4.3 Vantagens da Utilização das Alternativas PENAIS…28

4.3.1 Alternativas Penais e Cumprimento da Pena…28

4.3.2 Alternativas Penais e Reincidência…29

4.3.3 Alternativas Penais e Custo Financeiro da Pena Privativa de Liberdade…30

4.3.4 Alternativas Penais e Reinserção Social…32

4.3.5 Alternativas Penais e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana…35

5 NOVOS MÉTODOS DE APLICAÇÃO E EXECUÇÃO DA PENA PRIVATA DE LIBERDADE: MÉTODO APAC…36

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS…39

REFERÊNCIAS…43

 

1 INTRODUÇÃO

A presente abordagem versa sobre a perspectiva da liberdade como regra, principalmente para as infrações penais de menor potencial ofensivo, doutro modo, versa, também, sobre a possibilidade de existência de um sistema carcerário mais humanitário.

É sabido que as punições são frutos de arranjos culturais, sociais e históricos que ao longo do tempo, adquirem diversas formas, nem sempre proporcionais, convenientes e necessárias para o alcance dos objetivos almejados, quais sejam: prevenção e retribuição.

Trata-se, inicialmente, da história das penas, sua universalidade de formas, suas modificações e evoluções, passando do olho por olho de Talião, até sua forma mais contemporânea.

A partir do século XIX, a pena privativa de liberdade passou a ser a principal resposta penológica, agregando, em proporções geométricas, adeptos da cultura segregatória, como meio apropriado para serem obtidas a prevenção e a reforma do deliquente.

O estudo da pena, neste trabalho, tem como foco suas finalidades e suas consequências. Será demonstrada a visível incompatibilidade entre os objetivos declarados da pena e sua dinâmica executória, tendo em vista as constantes violações dos direitos individuais do infrator, o que se percebe acentuadamente quando da execução da pena privativa de liberdade, que, ao final de dois séculos, chega ao seu fracasso em detrimento da manutenção de seus moldes arcaicos, subdesenvolvido e de seus efeitos danosos e irreversíveis.

Nessa linha de raciocínio chega-se a conclusão de que existe um paradoxo entre o ideal a ser buscado quanto a forma legítima e adequada de punir, a superação da impunidade e a tentativa de ressocialização do apenado.

Por ser a pena privativa de liberdade a mais utilizada atualmente e tendo em vista o atual quadro do sistema prisional Brasileiro é que surgiu o interesse inquietante e a necessidade urgente de mostrar a necessidade de se buscar aprimorar novas formas de execução penal, de utilizar as existentes ou, se for o caso de modernizá-las, tendo sempre como enfoque o respeito, principalmente, ao Principio da Dignidade Humana.

Nesse contexto, entram em cena as chamadas medidas alternativas, ou, penas privativas de direito que foram introduzidas no ordenamento jurídico pátrio, a partir da reforma do código penal ocorrida em 1984, sem abandonar a idéia de pena como retribuição mas, buscando sua adequada contribuição para a formação do conceito moderno de sanção, sendo adequadas para a prevenção e retribuição dos delitos de menor potencial ofensivo.

As alternativas penais representam, já não há dúvida, um dos meios mais eficazes de prevenir a reincidência criminal, pois enseja que o infrator, cumprindo sua pena em liberdade, seja monitorado pelo Estado e pela comunidade, ampliando assim as possibilidades de sua reintegração social. Ademais a utilização de tais medidas vem se mostrando capazes de diminuir índices de reincidência, de descumprimento de pena e de minoração dos gastos com a execução penal.

Apesar de todas as vantagens das penas restritivas de direito, a pena privativa de liberdade não pode ficar de fora dessa modernização e adequação, por ser pedra angular de qualquer sistema para punir crimes considerados de maior gravidade. Observou-se que o uso do cárcere está em expansão e, que, de toda forma, não se poderá extirpá-lo dos ordenamentos jurídicos. Se tendo em mente a idéia de que tal pena tem como objetivo não só o afastamento do criminoso da sociedade, mas, sobretudo, tem finalidade ressocializadora, reeducadora e preventiva, há de existir um aprimoramento desse sistema.

Atualmente vem sendo posto em prática alguns projetos como é o caso da APAC. Sistema inovador que inspira-se no princípio da dignidade da pessoa humana e na convicção de que ninguém é irrecuperável. Números atuais nos mostra a versatilidade desse método, assim como a economia ocasionada com sua implementação e sua eficácia.

Finalizando, propõe-se a reordenação do sistema punitivo brasileiro sugerindo as alternativas penais à prisão como regra e a privação da liberdade como exceção.

Ademais, se propõe o ajuste dos moldes atuais do sistema penitenciário, levando-se em conta os novos e bem sucedidos modelos surgidos, visando sempre o ser humano- condenado.
2 BREVE ANÁLISE HISTÓRICA DAS PENAS
Hodiernamente pena é a reação que uma comunidade politicamente organizada opõe a um fato que viola uma das normas fundamentais da sua estrutura e, assim, é definido na lei como crime. Destarte, pena é a espécie de sanção penal consistente na privação ou restrição de determinados bens jurídicos do condenado, aplicada pelo Estado em decorrência do cometimento de uma infração penal, com as finalidades de castigar seu responsável, readaptá-lo ao convívio em comunidade e evitar a prática de novos crimes ou contravenções penais. (MASSON, 2009)

O conceito de punição é cultural e atravessa o tempo. Contudo, até hoje, por vezes, paira o paradoxo entre o ideal a ser buscado quanto à forma legítima de punir e a superação da impunidade.

O fenômeno punitivo decorrente da não aceitação de comportamentos individuais que agridem o senso coletivo manifestou-se em todos os períodos da vida humana, a partir da mínima forma de convivência em grupo. Fala-se em Direito Penal desde os tempos imemoriais, a partir do momento em que houve o rompimento da paz social e a interrupção da desejosa harmonia coletiva surgindo o que hoje chamamos de delito, ensejando medidas, com caráter de castigo, de expiação, de vingança, etc., que buscam proteger toda a ordem concebida.

Diante de todo o questionamento acerca da utilidade das penas, não se pode ignorar que o homem, por sua natureza, quer continuar punindo, pois, como assegura BOBBIO (1992, p. 198), “a sanção apenas interior (sanção moral) não é suficiente para compor um mecanismo destinado a tornar a norma socialmente eficaz e conduzir com segurança a ação de todos os indivíduos da comunidade em direção à concórdia e à paz”. Resta-nos, assim, pensar e estruturar, da melhor maneira possível um sistema punitivo eficaz. É o que se vem tentando fazer ao longo do tempo.
2.1 Direito na Sociedade primitiva
Como dito alhures, o Direito Penal esteve presente nas civilizações mais primitivas, a prova de sua existência nessa época se dá através de resquícios históricos que puderam conservar-se através dos anos.

Deve-se fazer notar que a história da norma penal primitiva nos alude ao período mais sangrento da história, sinônimo de emprego de penas cruéis, vinculadas a fundamentos religiosos, crendices e práticas odiosas. O fundamento para uma prática punitiva calcada em esteios religiosos, é, exatamente, o desconhecimento do homem primitivo acerca dos fenômenos da natureza, gerador de uma cultura mística, entre superstições, rituais e incertezas, cercada de mistérios e dissensos.

A pena era ligada a violação do tabu, que eram leis dos deuses, transmitidas de geração à geração como um dogma inquestionável que não deveriam ser infringidas para não retirar o poder protetor da divindade. (BRANDÃO, 2002).Portanto, a atribuição da pena através de vingança, regida pelas orientações totêmicas e os preceitos contidos nos tabus, marcaram a idéia de punição na era primitiva.
2.2 A pena no Período Medieval
A Idade Média teve início com a derrocada do Império Romano e trouxe significativas mudanças. A noção de pena como satisfação divina foi reforçada através da imposição de suplícios que permitissem a salvação da alma do criminoso. O Estado e a Igreja se integraram, fazendo com que houvesse a expansão do cristianismo.

A figura de Santo Agostinho traz a idéia de pena como veículo para o arrependimento, que antecede o juízo final, sendo incluso, também, um caráter curativo para o pecador. Ademais, suas idéias foram pioneiras no que hoje conhecemos como Teoria da Prevenção Geral.

A partir das idéias de Santo Tomaz de Aquino propagou-se o pensamento da representação da autoridade divina na Terra através de uma autoridade civil, responsável pela atitude de imposição do castigo, o que originou posteriormente o modelo punitivo do absolutismo (Teoria da Delegação Divina). Credita-se, ainda, a Santo Tomaz de Aquino a noção do caráter intimidativo da pena, ou seja, a lei era vista com temor para que pudesse ser imposta entre os homens, ainda, sua doutrina era dotada de uma visão retributiva da pena, pregando inclusive a pena de morte. (GOMES, L., 1999).

 

2.3 A Pena e a Época Moderna
Ao entrar no período conhecido como Renascentista, surgiram inúmeros filósofos e pensadores que passaram a esboçar suas idéias sobre o direito penal.

Dentre eles merece destaque especial Maquiavel, que via na punição uma forma de preservação da segurança social, de manutenção da autoridade do soberano, lastreando as idéias de um Estado absolutista.

Por sua vez, Thomas More pregava o que podemos chamar de primórdios do “substitutivo penal”, imaginando, para tanto, uma coletividade sem a intervenção de tribunais criminais, idéias estas reunidas em sua mais conhecida obra Utopia, chamando a atenção para a incapacidade da pena para afastar o indivíduo do crime, caso não venha associado a medidas outras que busquem a redução e a integração social do criminoso, bem como os meios para sua subsistência. More, expressamente, advogou a idéia de penas alternativas como prestação de serviços à comunidade para crimes não violentos, assim como a premiação com a liberdade através do bom comportamento, fundamentos balizadores das penas alternativas atuais.

Entrando no período absolutista a pena era instrumento para impor o poder do soberano sobre seus súditos, o soberano não devia satisfações à ninguém, tanto no que se refere a seus atos quanto a forma de governar.

Faz-se mister registrar que o Brasil sofreu todas as influências dessa fase da História, posto que sua colonização ocorreu nesse período.

O cenário grotesco que dominou o período medieval começou a sofrer alterações a partir do séc. XVIII com o advento do período humanitário.
2.4 As penalidades e a Época Contemporânea
César Beccaria através de sua obra Dos delitos e das Penas, introduziu um novo horizonte para as penas. A concepção humanista que dominou essa época fez nascer idéias que objetivavam limitar as punições ao seu real caráter de necessidade, em respeito ao princípio da legalidade (acolhido pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789), proporcionalidade, pessoalidade, assim como ao menor nível de sofrimento possível, tendo em vista o princípio da dignidade da pessoa humana. Segundo a concepção de Beccaria (apud BRANDÃO, 2002, p. 35):

[…] o primado da lei, isto é, o Princípio da Legalidade, é o meio mais eficaz para, em primeiro lugar, possibilitar que as pessoas da mais alta posição social sejam punidas da mesma maneira que as pessoas da mais baixa classe; em segundo lugar, para que houvesse a proporcionalidade entre o crime e a pena; e, em terceiro lugar, para que houvesse a irretroatividade da norma penal e a proibição de analogia.
As idéias iluministas precederam um movimento chamado de Escolas Penais. As idéias de Beccaria serviram de fundamento para a Escola Clássica, que teve como principal nome Francesco Carrara, contrária à prática da tortura e favorável à uma punição humanizada, baseada na coação moral para conter os infratores e intimidá-los, tudo isso através da atuação do Estado. A Escola Positivista, por sua vez, defendia a tese de que o criminoso era um ser insensível e afetivo, portador de anomalias anatômicas e fisiológicas, idéia essa defendida principalmente por César Lombroso, que deram origem à criminologia e outras ciências correlatas. Dentro da Escola Positivista surge a figura de Enrico Ferri que deu um caráter sociológico à pena, que deveria ser substituída pela defesa social, educação ou tratamento do infrator. (BRANDÃO, 2002)

Importante ressaltar que é com o advento do Princípio da Legalidade que o Direito Penal se volta para o homem, rompendo com o terror penal. Se é através da Legalidade que se limita a intervenção penal, é porque ela tem a função de garantir o indivíduo do próprio Direito Penal, delimitando o agir do e Estado.

Após os movimentos das Escolas Clássicas e Positivistas, outros movimentos surgiram, contudo, sem maiores inovações. As tendências ecléticas, advindas da fusão de várias teorias encontram-se presentes até hoje na Ciência Penal, pois os pressupostos lançados pelas primitivas Escolas, principalmente a Clássica e a Positivista, ainda são as bases para a solução das grandes questões do Direito Penal.
2.5 A ciência penal no século XX
O século XX inicia-se no campo das investigações sobre a problemática penal, com um redobrado esforço de se fixar objeto e métodos próprios à Ciência do Direito, afastando-se da orientação experimental característica das ciências naturais adotadas pela Escola Positivista quanto a dos excessos formalista dos clássicos.

Superadas as questões acima mencionadas, faz-se necessário mencionar a considerável evolução que experimentou a criminologia no séc. XX. Considerando o final do séc. XIX época em que foram consolidadas as idéias da Escola Positivista, até os dias de hoje, quando temos inúmeras correntes de pensamentos objetivando explicar o delito enquanto fenômeno real, individual e social, é forçoso reconhecer a evolução do pensamento criminológico.
3 A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

3.1 Considerações Iniciais
Com a prática do fato típico, antijurídico e culpável, surge, salvo exceções, a obrigação do Estado de responder a tais condutas. A pena e a medida de segurança constituem nas duas maiores conseqüências jurídicas do delito. Entre as demais estão a responsabilidade civil e a obrigação de pagar as custas do processo.

A pena é a sanção consistente na privação de determinados bens jurídicos; no sistema do Código Penal Brasileiro atual, de acordo com o art. 32 do CP, classificam-se as penas em: privativas de liberdade, restritivas de direito e multa.

A pena privativa de liberdade é aquela que restringe, com maior ou menor intensidade, a liberdade do condenado, consistente em permanecer em algum estabelecimento prisional, por um determinado tempo.

O surgimento da prisão, por volta do século XVI, é atribuído à criação de casas de correção que objetivavam a custódia de um grande número de bêbados, prostitutas, desocupados, entre outros excluídos da sociedade que se avolumavam nas ruas do continente Europeu. A partir do século XVI a pena privativa de liberdade passou a ser a mais utilizada porque as outras medidas, então utilizadas, como a pena capital, por exemplo, não estarem mais representando o sentido de justiça da época, sendo incapaz de garantir o controle do crime e a proteção dos seguimentos dominantes da população.

Nessa esteira, é exímio o magistério de Geder Luiz Rocha Gomes:

Dessa forma, a pena de prisão surgiu como uma grande e nova idéia capaz de renovar a crença na punição como instrumento de redenção do criminoso, com a vantagem de não incidir de forma cruel sobre o seu próprio corpo ou sua vida.

Outro aspecto importante a ser considerado é o econômico. Não se pode ignorar que a prisão surgiu e ganhou força em uma época na qual a crise econômica consumia o mundo ocidental, em uma atmosfera de desemprego e escassez de bens, constituindo a mão-de-obra dos encarcerados em força-trabalho barata e a prisão, forte instrumento de controle social contra movimentos reivindicatórios de direitos e políticas públicas. (GOMES, G., 2008, p. 54)
No século XVIII surgiu o sistema penitenciário, que em sua primeira versão, denominou-se de “Sistema Pensilvânico”, dando origem a outros sistemas como o Sistema da Filadélfia, o Auburniano e o Progressivo. Este último origina-se da constatação do fracasso dos sistemas anteriores, nos quais era grande o número de mortes ou casos de loucura. O Sistema Progressivo representa o ápice da utilização da pena de prisão, pois sucede os demais sistemas e passa a ser o mais adotado a partir de seus registros iniciais.

Esse aparelho, inovador à época, baseava-se na divisão do tempo de cumprimento da pena em blocos ou etapas que propiciassem benefícios em decorrência do período de cumprimento da pena tornando o preso apto ao retorno do convívio social.

Quando a prisão se converteu na principal resposta penológica, a partir do século XIX, acreditou-se que poderia ser um meio adequado para conseguir a reforma do delinquente, passou a constituir-se como espinha dorsal dos sistemas penais de feição clássica. Durante muitos anos acreditou-se que a prisão poderia ser um instrumento idôneo para atingir as finalidades da pena (ressocialização, arrependimento e inserção social).

No Brasil, a edição do Código Criminal do Império, em 1830, entre seus artigos 38 e 43, previu-se a pena de prisão com trabalho e prisão simples, que fazia parte do cenário punitivo apenas como coadjuvante, tendo em vista que a pena de morte e a galés perpétua ou temporária vigoravam. Com o código Republicano passou-se a utilizar do sistema prisional em larga escala para, praticamente, todos os crimes e, até, para algumas contravenções penais. A partir do código penal, de 1940, a privação da liberdade passou a vigorar de forma soberana. São duas as penas privativas de liberdade: Reclusão e Detenção. A primeira, a mais grave, compreende seu cumprimento em três regimes : fechado, semi-aberto e aberto; a segunda comporta apenas dois regimes: semi-aberto e aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. Todas previstas e impostas na conformidade da gravidade do crime.

A história da prisão não é de sua progressiva abolição, mas a de sua permanente reforma. A prisão é concebida, modernamente, como um mal necessário, sem esquecer que abriga em sua essência, contradições insolúveis.
3.2 Crise do sistema penitenciário e sua disfunção ao longo do tempo
Durante muitos anos predominou o entendimento de que a prisão poderia ser instrumento idôneo para realizar todas as finalidades da pena, constitui-se como espinha dorsal dos sistemas penais de feição clássica, sua influência é tão marcante que passou a funcionar como centro de gravidade dos programas destinados a prevenir e reprimir os atentados aos direitos da personalidade e aos demais interesses da comunidade e do Estado. Esse otimismo inicial se extirpou. Hodiernamente, predomina uma atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com o sistema penitenciário tradicional.

Segundo Dotti (1998, p. 54):

Em verdade e frente à experiência recolhida em mais de duzentos anos, é possível afirmar que a prisão é o monocórdio que se propõe a executar a grande sinfonia do bem e do mal. Nascendo geralmente do grito de revolta das vítimas e testemunhas na flagrância da ofensa, ela é instrumento de castigo que se abate sobre o corpo do acusado e o incenso que procura envolver a sua alma caída desde o primeiro até o último dos purgatórios.
As críticas tornaram-se tão persistentes que se pode assegurar, sem demasia, que a prisão está em crise, abrangendo o objetivo ressocializador e preventivo da pena, visto que grande parte dos questionamentos feitos à prisão refere-se à impossibilidade – absoluta ou relativa- de obter algum efeito positivo sobre o condenado.

A razão da ineficácia dessa forma de pena explica-se através da análise do antagonismo existente entre o mundo da prisão e o mundo extramuros, posto que as regras que regem um e outro são completamente distintas e, ademais, questionam-se as deficientes condições materiais e humanas nas prisões de todo o mundo.

Assim sendo, pode-se elencar as mazelas geradas pela privação de liberdade, segundo Cezar Bitencourt (apud GOMES, G. 2008, p. 57):

(a) a prisão como fator criminógeno; (b) os elevados índices de reincidência; (c) a influência prejudicial sobre o recluso dentro dos efeitos sociológicos ocasionados pela prisão; (d) os efeitos psicológicos produzidos no cárcere; (e) os efeitos negativos sobre o autoconceito do recluso; (f) os problemas sexuais na prisão como repressão do intuito sexual, homossexualismo, prevenções, etc; (g) a utilização das drogas; e (h) o alto custo financeiro para a sociedade.
Bitencourt (1999, p. 143) dá, ainda, sua contribuição em Novas Penas Alternativas, trazendo, em suma, duas principais premissas que indicam a ineficácia da pena privativa de liberdade:

a) Considera-se que o ambiente carcerário é um meio artificial, antinatural, que não permite realizar nenhum trabalho reabilitador com o recluso. Tivemos a oportunidade de afirmar em um dos nossos livros – Falência da pena de prisão – que “não se pode ignorar a dificuldade de fazer sociais aos que, de forma simplista, chamamos de anti-sociais, se se os dissocia da comunidade livre e, ao mesmo tempo, se os dissocia da comunidade livre e, ao mesmo tempo, se os associa a outros anti-sociais”. Nesse sentido manifesta-se Antonio García-Pablos e Molina, afirmando que “a pena não ressocializa, mas estigmatiza, não limpa, mas macula, como tantas vezes se tem lembrado aos expiacionstas; que é mais difícil ressocializar uma pessoa que sofreu pena que outra que não teve essa amarga experiência (…)”

b) Sob outro ponto de vista, menos radical, porém igualmente importante, insiste-se que na maior parte das prisões, de todo o mundo, as condições materiais e humanas tornam inalcançável o objetivo reabilitador.Não se trata de uma objeção que se origina na natureza ou na essência da prisão, mas que se fundamenta no exame das condições reais em que se desenvolve a execução da pena privativa de liberdade.
É inegável que em tais ambientes de estufas, a ociosidade é a regra; a intimidade, inevitável e profunda. A deterioração da prisão resultante da influência corruptora da subcultura criminal, o mau hábito da ociosidade, a alienação mental, a perda paulatina da aptidão para o trabalho, por exemplo, são exemplos de conseqüências desse tipo de confinamento promíscuo.

Ainda, nessa trilha, merece destaque o fato de que a superlotação das celas, sua precariedade e sua insalubridade tornam as prisões ambientes propícios à proliferação de epidemias e ao contágio de doenças, sendo as mais comuns: as doenças do aparelho respiratório, como tuberculose e pneumonia. Ressalte-se a explosão da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) que, no Brasil, conforme pesquisas realizadas nas prisões estimam-se que aproximadamente 20% da população prisional sejam portadores do HIV, em decorrência do homossexualismo, da violência sexual e do uso de drogas injetáveis. Constata-se assim o descumprimento dos dispositivos da Lei de Execução Penal que prevê no inciso VII do art. 40 o direito à saúde por parte do preso, como uma obrigação do Estado.

Ademais importante frisar a superlotação, atualmente no Brasil, segundo dados do DEPEN do ano de 2009, tem-se uma população carcerária de 450 (quatrocentos e cinqüenta e quatro mil presos), com um déficit de 163.000 (cento e sessenta e três mil vagas). Ademais, observa-se a falta de política de reinserção social; falta de política para os egressos; ausência de ferramentas de inteligência penitenciária; condições precárias de trabalho dos agentes penitenciários (falta de formação permanente).

É de suma importância citar a falta de tratamento adequado para a população carcerária feminina – em movimento crescente- hoje com aproximadamente 27.000 mulheres presas, sendo que a população feminina: cresce 12% ao ano, enquanto a masculina: cresce 4% ao ano. Assim, deve-se ter uma atenção especial para esse grupo social.

Trazendo a problemática para o Rio Grande do Norte a situação não é diferente. Em nosso Estado há hoje uma população carcerária de 4.560 (quatro mil quinhentos e sessenta) presos (dados de janeiro de 2008). Sendo que destes 3.006 concentrados em estabelecimentos penais (13 estabelecimentos) e 1.554 presos encarcerados em delegacias de polícia. Dado mais alarmante se tem quando dividimos os presos por faixa etária, existem hoje 790 (setecentos e noventa) presos com idades entre 18 a 24 anos. Segundo os mesmos dados o custo mensal do preso Norte Riograndense é de aproximadamente R$ 800,00 (oitocentos reais). Ainda, na SEJUC – Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania, há apenas 1 (um) servidor para cuidar da inteligência penitenciária, sendo que há 13 estabelecimentos em todo o Estado. Em caso de rebeliões/motins, não há grupos especializados para enfrentamento, além do sistema penitenciário como um todo ser desprovido de armas/tecnologias menos letais. (CARNEIRO, 2009)

Indo mais a fundo, em se falando na principal penitenciária do Estado: ALCAÇUZ, temos que esta tem capacidade para 620 presos em regime fechado (exclusiva para homens), com lotação atual de 596 encarcerados. A Direção da penitenciária é realizada por um Delegado de Polícia, com segurança externa feita por policiais militares e segurança interna realizada por, apenas, 36 agentes, o que ocasionou 7 fugas através de escavações de túneis, somente no ano de 2008. Celas escuras, instalações elétricas e hidráulicas comprometidas. (CARNEIRO, 2009)

Atualmente domina a convicção de que o encarceramento, a não ser para os denominados presos residuais, é uma injustiça evidente, especialmente porque entre eles, não se incluem os agentes da criminalidade não convencional (criminosos de colarinho branco).

O rol de penas do século passado já não satisfaz. Como dito alhures a pena privativa de liberdade que atingiu seu apogeu na segunda metade do sec. XIX enfrenta sua decadência, devido a carência de eficácia intimidativa diante do delinquente.

Observa-se que essa crise é mundial e habitualmente fundamenta-se em fatos de crescente importância social, tais como: o tipo de tratamento penal freqüentemente inadequado e quase sempre pernicioso; a inutilidade dos métodos até agora empregados no tratamento de delinqüentes habituais e multirreincidentes; os elevados custos de construção e manutenção dos estabelecimentos penais; as conseqüências maléficas para os infratores primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena significação, sujeitos, na intimidade do cárcere, às servícias, corrupção e perda paulatina da aptidão para o trabalho.

A problemática das graves conseqüências da pena de privação de liberdade tem levado penalistas de inúmeros países e a própria ONU à uma procura de alternativas penais, para os infratores que não ponham em risco a paz e a segurança da sociedade. Sempre com o duplo propósito de aprimorar a pena de prisão, quando necessária, e de substituí-la quando aconselhável, por formas diversas de sanção criminal, dotadas de eficiente poder corretivo.

A seleção dos eventos delituosos que devem merecer a pena privativa de liberdade é um dos primeiros passos para a revisão do sistema e a busca de alternativas. A análise minuciosa das condições pessoais do autor e da vítima, bem como alguns aspectos vinculados ao fato, servirão de bases para a mediação da culpabilidade, orientando a escolha da quantidade e especialmente da qualidade da pena.

Propõe-se assim aperfeiçoar a pena privativa de liberdade, quando necessária, e substituí-la, quando possível e recomendável. Todas as reformas de nossos dias deixam patente o descrédito na grande esperança depositada na pena de prisão, como forma quase que exclusiva de controle social formalizado. Pouco mais de dois séculos foi suficiente para se constatar sua absoluta falência em termos de medidas retributivas e preventivas.

Depois dessa sequência argumentativa, assegura-se a constatação do desserviço que a pena privativa de liberdade presta às infrações penais de menor e médio potencial ofensivo, pois, tratando-se de situações em que o grau de impacto causado pela atitude desviante é baixo, não se justifica a imposição de uma modalidade de sanção revelada como a forma mais drástica de intervenção punitiva atualmente (GOMES, G., 2008). Não obstante, é verificável a necessidade do cárcere, apesar de todos os malefícios, em situações gravíssimas que envolvam infrações penais de intensa potencialidade lesiva aos bens jurídicos de maior importância para o corpo social. Portanto, aconselha-se a limitação das penas privativas de liberdade às condenações de longa duração e, àqueles condenados efetivamente perigosos e de difícil recuperação.

Torna-se urgente a necessidade de revisão da qualidade e quantidade das sanções, deve-se, portanto, buscar alternativas para a pena privativa de liberdade, ou seja, necessita-se de revisão em referência à execução e seus incidentes que se acomodam nos códigos. Esse objetivo tem mobilizado o pensamento, em nível mundial, para pelo menos, estabelecer uma política de melhorias das condições dos segregados, almejando uma execução penal humanitária e garantista em relação ao direito daqueles. Ademais, busca-se, também, métodos para se obter um aprimoramento da pena privativa de liberdade.
3.3 Direito de punir e respeito aos Princípios Constitucionais e às Garantias Fundamentais
O Direito Penal é a ciência destinada a proteger os valores fundamentais do homem. A sua tutela envolve também a comunidade e o Estado como expressões coletivas da pessoa humana, em torno de quem deve gravitar o mundo das relações jurídicas. Sempre se toma como medida primeira das coisas o Homem, razão pela qual se afirma que na categoria dos direitos humanos o Direito Penal é o mais relevante. Por isso, o trabalho de elaboração positiva de sua ciência deve convergir para os objetivos de prevenção e repressão dos comportamentos antagônicos à condição humana sempre que eles se apresentem.

O direito à vida, à integridade física, à liberdade, à saúde, à honra, à imagem, ao nome, à liberdade de expressão, à intimidade da vida privada, à correspondência, por exemplo, constituem projeções de valores que devem ser amparados por textos internacionais e internos, devendo-se assentar em bases materiais capazes de serem executadas sob pena de se transformarem em meras proclamações otimistas.

Embora este trabalho não se prenda ao estudo individualizado quanto aos Princípios e Garantias Constitucionais Fundamentais, a abordagem dos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Proporcionalidade se fazem imprescindíveis. Rizzatto Nunes (apud GOMES, G., 2008) alega que a dignidade humana é um valor preenchido a priori, isto é, todo ser humano tem dignidade só pelo fato já de ser pessoa.

Segundo René Ariel Dotti (1998) os esforços manifestados nos diversos setores do pensamento jurídico-penal e criminológico têm chegado à conclusão de que o Direito Penal deve se caracterizar, fundamentalmente, como ciência destinada a amparar os valores essenciais do homem e da comunidade.

Na concepção do jurista Edílson Nobre Júnior (2000, p. 185-186), em seu artigo O direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana

[…] na atualidade, pauta a tendência dos ordenamentos jurídicos o reconhecimento do ser humano como o centro e o fim do direito.

[…]

Veda-se a coisificação da pessoa. A abordagem do tema passa pela consideração de tríplice cenário, concernente às prerrogativas de direito e processo penal, à limitação da autonomia da vontade e à veneração dos direitos da personalidade.

[…] o Estado, ao manejar o jus puniendi em benefício da restauração da paz social, atue de modo a não se distanciar das balizas impostas pela condição humana do acusado da prática de crime. Por mais abjeta e reprochável que tenha sido a ação delituosa, não há como se justificar seja o autor privado do tratamento digno.

Em relação ao princípio da proporcionalidade temos que a resposta penológica deve ser justa e suficiente para cumprir o papel de reprovação do ilícito, bem como para prevenir novas infrações penais. Concretiza-se na atividade legislativa, funcionando como barreira ao legislador e aos magistrados, orientando-os na dosimetria da pena. De fato, tanto na cominação como na aplicação da pena deve existir correspondência entre ilícito cometido e o grau da sanção penal imposta, levando-se, ainda em conta o aspecto subjetivo do condenado (CF, art. 5º, XLVI) e principalmente o objetivo ressocializador.

Todavia, a realidade do sistema carcerário é outra, tem-se um número exorbitante de pessoas amontoadas nos presídios, cadeias públicas, não sendo preciso muito esforço para se verificar que há, de fato, um verdadeiro descompasso entre a realidade concreta e a utopia legal.

Os chamados elementos de tratamento (instrução, trabalho, religião, atividades culturais, recreativas e esportivas, além de facilitação de contato com o mundo exterior e as relações familiares – art. 15 da lei italiana n. 354/1975) são espécies de miragem colocadas em letra, por legislações contemporâneas, mas que, a rigor, não caracterizam garantias reais dos presidiários, já que o sistema não institui sanções para o seu descumprimento. Não há em nossos estabelecimentos penais nem projetos, nem as realizações efetivas para a materialização dos objetivos assinalados.

Corroborando com tal afirmação, suficiente é que se experimente uma rápida análise dos dados do DEPEN acima citados e, concomitantemente, aviste-se o que está disposto no artigo 5º, XLIX da Constituição Federal: “é assegurado aos presos o direito à integridade física e moral”. Verdadeira antítese se nota, ainda, ao analisarmos a LEP que traz como objetivos a assistência material, médica, jurídica, educacional, social, religiosa, estabelecendo critérios a serem desenvolvidos para sua realização, discorrendo inclusive sobre os direitos dos condenados.

Ressaltemos que para ser considerada legítima, a sanção penal deve manter-se dentro dos parâmetros impostos pelo conteúdo valorativo intrínseco aos princípios constitucionais, de maneira que em nenhuma hipótese viole-se o valor-princípio da dignidade da pessoa humana, ainda que revestida formalmente de legalidade.

Denota-se, portanto, que muito embora haja no ordenamento jurídico brasileiro, dispositivos legais que visam garantir a integridade física do condenado e o respeito à sua dignidade, infelizmente parecem estarem esquecidos. Tendo a pena privativa de liberdade o objetivo não apenas de afastar o criminoso da sociedade, mas, sobretudo, de excluí-lo com o fim de ressocializá-lo, note-se que a pena de prisão atinge objetivos inversos dos pretendidos.

Deste modo, o direito penal moderno, protetor do cidadão contra a intervenção arbitrária, via exercício excessivo do poder de punir do próprio Estado, tem no judiciário a função indeclinável da defesa do valor-princípio da dignidade humana.

É certo que a pena privativa de liberdade está arraigada na consciência social e é necessária para determinadas ações delitivas, contudo, deve-se procura torná-la menos nociva possível, reduzindo-a ao máximo, aos reconhecidamente perigosos. Portanto, devem se adotadas e ampliadas as modalidades alternativas à prisão, sem a marca da cadeia, sem o estigma que dificulta ou mesmo impede a reinserção do preso à comunidade.

Outras alternativas devem e estão sendo encontradas e implementadas, no dia a dia da execução penal, de uma política criminal atual, inteligente, humanitária e criativa, enveredando-se num caminho de proteção e garantia dos direitos humanos.
4 AS ALTERNATIVAS PENAIS À PRISÃO

4.1 Introdução
Os esforços manifestados nos diversos setores do pensamento jurídico-penal e criminológico têm importantes pontos comuns. Um deles consiste na conclusão de que o direito penal de nosso tempo deve se caracterizar, fundamentalmente, como ciência destinada a amparar valores essenciais do homem e da comunidade.

Diante das experiências frustrantes reveladas pelos choques entre os meios e os métodos intransigentes e, o crescimento da violência e da criminalidade, os aspectos da prevenção e repressão à deliquência vêm sendo objeto de estudo e desenvolvimento. A denúncia da crise não pode ser levada à exaustão sem que se desenhem hipóteses com objetivo de solucioná-la.

Estão surgindo, assim, outras formas punitivas em vários países, buscando alcançar os resultados não produzidos pela prisão. Dentre elas as alternativas penais, também chamadas substitutivos penais, medidas alternativas ou restritivas de direito, são meios de que se vale o legislador visando impedir a que o autor de uma infração penal de médio ou pequeno potencial venha a ser aplicada medida ou pena privativa de liberdade.

Uma série de congressos Internacionais Penitenciários, que ocorreram entre 1872 e 1895, cogitou uma política de penas distintas da pena de prisão. Tais antecedentes históricos são identificados em registros como: o Cantão de Vaud, em 1875, ou nos Lander alemães (Saxônia, Prússia e Baden); também, no Egito, no início do século passado, com a substituição das penas privativas de liberdade de pequena quantidade pelo trabalho comunitário. Nessa esteira, visando a implementação e conseqüente ampliação de um sistema alternativo à pena privativa de liberdade, ocorreu a Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto São José da Costa Rica, que foi sucedida por outras diversas Convenções de Direitos Humanos aprovadas pela ONU. (GOMES, G., 2008)

Em dezembro de 1948, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotava e proclamava a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com o propósito de reconhecer a dignidade inerente a todos os membros da família humana, que é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

A ONU, que evidentemente tem como seu eixo principal de preocupações a pessoa humana, teve que dedicar especial atenção, também, aos encarcerados, isso porque a prisão, desde os seus primórdios, sempre ensejou abusos e arbitrariedades. Uma das primeiras movimentações dessa entidade, neste sentido, trata-se das Regras mínimas para Tratamento de Reclusos, adotadas em seu 1º congresso em Genebra, 1955.

Já no 6º Congresso das Nações Unidas, em 14 de dezembro de 1990, expediu-se resolução enfatizando a necessidade de diminuição do número de reclusos e, sobretudo, a oportunidade de soluções alternativas à prisão, bem como o escopo de reinserção social dos delinqüentes, baseadas em princípios gerais. Aprovou-se, ademais, na mesma ocasião, a recomendação de denominá-las de Regras de Tóquio, comumente conhecidas como Regras mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não-privativas de Liberdade. Tais regras ou normas chamam a atenção para o fato de que devem ser aplicadas levando-se em conta as condições sociais, culturais, políticas e econômicas de cada país, devendo cada Estado signatário buscar o máximo de efetividade para tais objetivos.

A partir disso, a expressão “alternativas penais” passou a ter destaque, para consagrar as sanções e medidas que não envolvam a perda da liberdade, definindo, assim, como “medida não privativa de liberdade” toda e qualquer decisão emanada de autoridade competente em matéria penal, em procedimento administrado pela justiça penal.

O primeiro e essencial objetivo que se pretende alcançar com as penas e medidas alternativas vem expressado no item 1.5 das Regras de Tóquio, nos seguintes termos: “Os Estados-membros devem introduzir medidas não-privativas de liberdade em seus sistemas jurídicos para propiciar outras opções, reduzindo deste modo a aplicação das penas de prisão”.

Essa disposição normativa reorienta a política criminal mundial, no que diz respeito à questão das alternativas penais ao cárcere, e o faz através da propositura de objetivos, sendo o primeiro deles voltados para o estímulo da aplicação e execução de sanções substitutivas ou alternativas à prisão; o segundo refere-se à observação das garantias mínimas asseguradas aos submetidos às penas e medidas não privativas de liberdade, quanto aos procedimentos investigatórios e condenatórios quanto à culpabilidade e a legalidade; como terceiro e quarto encontram-se as ações voltadas para uma maior participação da sociedade no tratamento do condenado; por derradeiro, tem-se como quinto objetivo, o incentivo à compreensão e efetivação do nível de responsabilidade que o condenado deve ter para com a sociedade.

As alternativas para o sistema de penas constituem meios, métodos e formas de reação ao delito que atuam em todos os momentos do dinamismo penal. Através da cominação, quando o ordenamento positivo consagra novas modalidades de sanção; da aplicação, quando ao juiz se possibilitam meios para a melhor escolha e mediação da pena; e da execução, quando os regimes dispõem de condições formais e materiais que atendam aos objetivos firmados pelas medidas de prevenção e repressão à criminalidade.

Mas não se trata de um simples processo de substituição. Alternar não é somente a escolha e sim uma composição de etapas imprescindíveis.

A prisão, como se verifica, deve ser concebida como extrema ratio da ultima ratio.

Assim sendo, totalmente viável se falar em alternativas para a pena de prisão bem como alternativas na pena de prisão. Na primeira hipótese, substituí-se a perda da liberdade por outra espécie de sanção; na segunda, escolhem-se novos meios e métodos para a aplicação e a execução da pena de prisão. (Dotti, 1998, p. 475)

Posta a compreensão do problema nesses termos, conclui-se que as alternativas penais à pena de prisão abrem novas e fecundas perspectivas. Sem perder o caráter retributivo ou abandonar as exigências da prevenção.
4.2 As Medidas alternativas no Sistema Jurídico Nacional
Na doutrina pátria insurge a idéia de que o sistema conhecido como de “Penas Alternativas”, surgiu no Brasil, de fato e com mais força, com o advento da reforma penal de 1984, que alterou a parte geral do CPP e introduziram as ditas penas alternativas, definidas como “restritivas de direito”.

Encontram-se, no direito penal brasileiro, após a Lei 9.714/98, as seguintes penas substitutivas:

I – prestação pecuniária; II – perda de bens e valores; III – prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas; IV – limitação do fim de semana; V – proibição do exercício de cargo; VI – proibição do exercício da profissão; VII – suspensão da habilitação para dirigir veículo; VIII – prestação de outra natureza; IX – proibição de frequentar determinados lugares; e X – multa substitutiva.
Assim sendo, antes do advento da lei 9.714/98, contávamos com seis modalidades de penas alternativas substitutivas, com a nova lei, mais quatro foram previstas: prestação pecuniária em favor da vítima, perda de bens e valores, proibição de frequentar determinados lugares e prestação de outra natureza. Portanto contamos, atualmente com 10 (dez) modalidades de penas substitutivas.

Ainda, válido ressaltar que há alternativas penais para crimes resguardados pelo Juizado Especial (lei 9.099/95), que visam não à condenação do autor do fato e são aplicadas independentemente da formação da culpa, são elas: composição civil (art. 74), transação penal (art. 76) e a suspensão condicional do processo (art. 89), todas denominadas de medidas alternativas.

No Código de Trânsito Brasileiro (lei 9.503/97), encontram-se penas restritivas de direito, que ganharam status de principal que podem ser cumuladas com as privativas de liberdade.

O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, traz alternativas penais no art. 78 que podem ser aplicadas simultaneamente à privativa de liberdade.

As penas substitutivas caracterizam-se por substituir a pena privativa de liberdade, quando imposta, desde que estejam presentes, no caso concreto, todas as circunstâncias legalmente exigidas.

A possibilidade de substituir a pena privativa de liberdade está estabelecido no Código Penal Brasileiro para ser executado no momento da determinação da pena na sentença (art. 59, IV, CP), já que por sua própria natureza, requer prévia determinação de quantidade de pena a impor. E como na dosagem da pena o juiz deve escolher a sanção mais adequada, levando em consideração a personalidade do agente e demais elementos do artigo citado, e, particularmente, a finalidade preventiva, é natural que nesse momento processual se examine a possibilidade de substituir a pena privativa de liberdade.

A substituição da pena privativa de liberdade está condicionada ao atendimento de diversos requisitos indicados pelo art. 44, II a III do CP, tais requisitos são de duas ordens: objetivos e subjetivos, ambos devem ser rigorosamente analisados.

Os requisitos objetivos dizem respeito à natureza do crime e à quantidade da pena aplicada. Quanto à natureza do crime temos que, em se tratando de crime doloso, deve ter sido cometido sem violência ou grave ameaça á pessoa. Ressaltemos que não é cabível a substituição quando o crime é praticado com emprego de violência presumida. Na linha do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, manifestado quando do julgamento do Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 95.128, julgado em 29 de abril de 2008 e relatado pela eminente Desembargadora Convocada Jane Silva, a condenação por crime praticado com violência presumida não pode ter a pena substituída por restritiva de direito, em virtude de vedação legal do art. 44, inciso I, do CP. (GRECO, 2008)

Na hipótese de crimes culposos, entende-se ser possível a substituição em todos eles, ainda que resulte na produção de violência contra a pessoa, tal como no homicídio culposo, tanto do CP (art. 121, § 3º) como do CTB (art. 302). Em relação à quantidade da pena, preocupou-se o legislador com a pena efetivamente aplicada a situação concreta, independentemente daquela cominada em abstrato pelo preceito secundário do tipo penal. Nos crimes dolosos, desde que não tenham sido cometidos com emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, o limite é de 4 (quatro) anos; nos crimes culposos, é possível a substituição por pena restritiva de direitos, qualquer que seja a quantidade de pena privativa de liberdade imposta. Ressaltemos que estabelece o art. 17 da Lei nº 11.340, de 2006 (Lei Maria da Penha) que é vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

Os requisitos subjetivos referem-se á pessoa do condenado e são as seguintes: não ser reincidente em crime doloso e a verificação da culpabilidade, dos antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que a substituição seja suficiente.
4.3 Vantagens da utilização das alternativas penais

4.3.1 Alternativas penais e cumprimento da pena
A análise quanto à efetividade da sanção imposta, perpassa, necessariamente, pela verificação do seu cumprimento, assim sendo, para dizer-se efetiva, a sanção penal tem que se ultimar em sua fase de execução.

Essa tarefa repete a fórmula, já aqui ressaltada, de exame em conjunto com a pena privativa de liberdade, porque o objeto deste enfrentamento é demonstrar que as alternativas penais se afiguram mais adequadas do que a privação da liberdade como reprimenda para as infrações de médio e menor potencial ofensivo.

Como já mencionado, a pena privativa de liberdade tem sofrido descrédito, também quanto a sua efetividade, tendo em vista que muitos dos institutos previstos na LEP e na própria Constituição Federal proporcionam a relativização quanto ao total cumprimento e eficácia.

Por outro lado temos que a aplicação de alternativas penais costuma guardar paridade com o tempo da pena realmente imposta (art. 55, CP), principalmente sendo a prestação de serviço à comunidade a pena alternativa mais utilizada.

Contudo, os argumentos acima elencados são de ínfima importância para a comprovação da baixa efetividade das penas de prisão, se compararmos com os índices que nos são constantemente apresentados a cerca do seu cumprimento, tanto em virtude de fugas (O RANKING…, 2007), quanto pela não execução dos mandados de prisão ou, ainda, pelo alto grau de reincidência.

Além desse desordenado quadro, cogita-se, ainda, como dito acima, a existência de grande número de mandados de prisão expedidos sem o devido cumprimento. Tal fato é objeto de constantes abordagens nos mais variáveis segmentos institucionais do Brasil, em declaração expedida por ocasião da reunião do Conselho Federal da OAB o Presidente da Associação dos Juízes Federais (AJUFE), Walter Nunes da Silva revelou que à época, 14 de fevereiro de 2007, havia cerca de 550.000 mandados de prisão não cumpridos. (BRASIL, 2007)

De outro lado, os dados obtidos em relação aos casos de conversão das penas alternativas em privativas de liberdade, pelo descumprimento, produzem um cenário bem mais animador, não sendo demais relembrar que se destinam aos casos de imposição de pena privativa de liberdade, até quatro anos, desde que substituída nos termos do art. 44 do CP.

Percebe-se que o emprego das alternativas penais encontra melhor assentamento do que a prisão, para as infrações de médio e menos potencial ofensivo, no quesito efetividade, como se depreende dos números retromencionados, reforçando a concepção aqui adotada, no sentido de que essa modalidade sancionatória cumpre melhor os objetivos das sanções, prevista pelo ordenamento jurídico pátrio.
4.3.2 Alternativas penais e reincidência
Considera-se reincidência a prática de crime após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

A restrição do direito à liberdade se apresenta como aspecto mais evidente na pena de prisão. Todavia, outras inúmeras conseqüências advêm da punição carcerária, como retromencionados.

Uma dessas conseqüências, digna de registro, é a formação criminosa que se aperfeiçoa, por meio da inter-relação entre presos que, inclusive, ocasionou a popularização da expressão “prisão como universalidade do crime”.

A reincidência é observada em maior grau nos apenados com pena restritiva de liberdade, justamente pelo fato da vida carcerária, nos moldes atuais, imprimir caráter criminógeno. Apesar de tal certeza, não se pode chegar a conclusão de que os fatores criminógenos oriundos da prisão são os únicos pelos altos índices de reincidência, devendo-se contar, também, com outros fatores sociais e pessoais do infrator.

A par da discussão acerca do nível de influência dos constatados fatores criminógenos da prisão nos índices de reincidência, é fato que esta influência revela-se traduzida em números. Além disso, observa-se que a doutrina indica percentual elevadíssimo quanto ao tema: Luiz Flávio Gomes (apud GOMES, G., 2008) afirma que no Brasil a reincidência oriunda do sistema carcerário é da ordem de 85%.

Em 2006, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) pontuou um índice de reincidência dos egressos do sistema penitenciário, superior a 70%. Do retorno à criminalidade dos egressos do sistema carcerário. A corregedoria Geral do Estado do Mato Grosso, por exemplo, deu conta de um percentual de 86,5% em 2007. Por sua vez o Governo Federal , por meio do Ministério da Justiça, via Departamento Penitenciário Nacional, em dados oficiais, aponta uma reincidência dos ex-cumpridores de penas privativas de liberdade variável entre 70% e 85%.

Patente, portanto que a pena privativa de liberdade não tem cumprido a função preventiva especial.

Paralelo a este cenário, o que se tem verificado com relação aos indivíduos que são submetidos à penas ditas alternativas, que possui uma filosofia de operacionalização diferenciada da empregada no cárcere, é uma externação inversa quanto ao fenômeno da reincidência. Antes mesmo do alargamento do rol de alternativas penais, com o advento da lei 9.714/98, já havia um quadro bastante satisfatório, registrando-se uma reincidência de aproximadamente 12%.

Dados divulgados pelo DEPEN expressam uma variação de reincidência entre 2% e 12%.

Em se comparando os dados percebe-se de pronto a diferença de conseqüências, observa-se que o sistema punitivo calcado na prisão como recurso absoluto para o enfrentamento do crime reflete inevitabilidade de altos índices de reincidência, tendo em vista que o cárcere tem funcionado como instrumento para piorar e replicar infratores, enquanto a utilização das alternativas penais demonstra uma redução significativa dos índices de retorno ao crime.

Conclui-se que as alternativas penais se mostram mais capazes de conformar o aspecto preventivo especial que inibe o infrator para a prática de novos crimes, reordenando seu comportamento na direção da assimilação dos valores sociais, tendo em vista que, embora não se possa rotular a baixa reincidência como sinônimo de prevenção especial, não se pode negar que esta se constitui em um dos seus principais pilares e características.
4.3.3 Alternativas Penais e Custo Financeiro da Pena Privativa de Liberdade
Outro aspecto que deve ser ressaltado refere-se ao impacto financeiro aos cofres públicos para a manutenção, por mais que precárias, do sistema carcerário.

Este é um aspecto que interessa a sociedade como um todo, uma vez que a verba empregada, muitas vezes má empregada, nos presídios, cadeias e similares poderiam custear a manutenção de outros serviços básicos tão mais necessitados como saúde e educação.

Dados do Ministério da Justiça divulgados em 2006, por intermédio do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), com publicação FUNPEN em números e pelas Atividades – Implementação do Sistema Único de Segurança Pública, informam que, somente no biênio 2003/2005, foi disponibilizado um total de R$ 1.186.853.549,30 (um bilhão, cento e oitenta e seis milhões, oitocentos e cinqüenta e três mil e quinhentos e quarenta e nove reais e trinta centavos), pelo Governo Federal, para os Estados-membros, no apoio às atividades e programas de combate ao crime e aprimoramento do sistema penitenciário.

Comumente atribui-se o custo mensal de um variando entre R$ 600,00 (seiscentos) e R$ 1.000,00 (mil reais). Além disso, para criação de, apenas, 1 (uma) nova vaga no sistema carcerário o Estado é obrigado a desembolsar o equivalente a R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Nesse diapasão, o que se verifica, corriqueiramente, é a atribuição de um custo mensal, por indivíduo, cumprindo pena e, mais uma vez, não se pode olvidar da comparação entre o custo do homem no cárcere e do submetido ao sistema alternativo de penas. (BRASIL, 2002)

Em contrapartida, o panorama do desembolso de recursos para a estruturação e o funcionamento do sistema alternativo de penas registra cifras bem menores. Ao repassar recursos para os estados para o acompanhamento da execução das penas e medidas alternativas, o Ministério da Justiça tem mantido o custo do beneficiário (assim designamos aquele que cumpre a pena ou medida alternativa) em torno de R$ 100,00 (cem reais). Ainda, segundo a CEPAS da Bahia o custo por seus apenados giram em torno de R$ 41,00 (quarenta e um reais), o CEPAS do distrito Federal gasta em torno de R$ 36,00 (trinta e seis reais) por apenado e, por fim, o programa de desenvolvimento pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, atribui um custo mensal de R$ 15,70 (quinze reais e setenta centavos), tendo como referência o segundo semestre de 2007. (GOMES, G., 2008, p. 202).

Com base no sistema de Centrais de Acompanhamento e Monitoramento da Execução das Alternativas Penais (CEPAS), a execução de tais medidas ocorre numa inter-relação Estado-Sociedade, na qual as unidades das CEPAS funcionam como uma espécie de “estabelecimento penal” (artigo 82 da LEP).

Para se ter uma idéia, a criação e implementação das estruturas CEPAS, compostas de advogados, estagiários, psicólogos, assistentes sociais, voltado ao atendimento, encaminhamento, monitoramento, acompanhamento e fiscalização do cumprimento das sanções alternativas à prisão, têm demandado um custo médio estimado entre R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).

Ressaltemos, ainda, o que ocorre de fato é benefícios para a sociedade em se aplicando determinadas penas alternativas. Verifica-se, por exemplo, que a pena de prestação de serviço à comunidade, pena restritiva de direito mais utilizada, cerca de 70% das vezes, consistente na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado em entidades assistenciais, hospitais, escolas orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, trazem benefícios para a sociedade, na medida em que aperfeiçoa o trabalho sem custos de mão-de-obra.

Diante dessa análise comparativa, conclui-se que o sistema de execução de alternativas penais é significativamente mais barato que o carcerário, gerando uma economia extremamente expressiva para os cofres públicos e, consequentemente, para a sociedade.
4.3.4 Alternativas Penais e Reinserção Social
O Artigo 22 da Lei de execução Penal assim preceitua: “As assistências sociais têm por finalidade amparar o Preso e o internado e prepará-los para o retorno a liberdade”.
O objetivo do tratamento é fazer do preso ou internado uma pessoa com intenção e a capacidade de viver respeitando a lei penal. Na realidade o que se vê são amontoados de pessoas que passam a maioria do seu tempo ociosamente, ou, tramando contra quem o prendeu ou contra quem o delatou.

A prisão, como dito alhures tem servido apenas par reforçar valores negativos, e, falha completamente no seu propósito de transformar os apenados. Ademais, a experiência tem demonstrado que nenhuma espécie ou tratamento penitenciário tem produzido os efeitos esperados quanto à readaptação do condenado.

Dentro dos presídios, os detentos passam a vivenciar as sub-culturas, de quem esta com o “poder”, e quem tem dinheiro, e o indivíduo é novamente marginalizado, só que dessa vez dentro dos presídios ou cadeias.

Modernamente, a reinserção social se pauta em medidas que não atuem unilateralmente sobre o deliquente, mas sim uma verdadeira política de interação entre indivíduo e sociedade. Esse efeito ressocializador ou socializador, para surtir efeito tem que vir acompanhado de um estudo do modelo social à que pertenceu o apenado.

Para o sucesso das ações, com o fim de colocar o infrator em sintonia com os valores sociais, imprescindível é a construção de programas ressocializadores que atendam a essa inserção, mormente nas células sociais, fundamentais, como família, escola, trabalho, propiciando meios concretos para a superação da dessocialização.

Ocorre que, quando se observa a dinâmica da pena privativa de liberdade, difícil concluir que esta se tem prestado a cumprir a finalidade ressocializadora da pena. Comprova-se tal fato pelos dados já mencionados como alto grau de reincidência.

Cezzar Bitencourt (2001, p. 156) pontua que

[…] todos os valores e atitudes do sistema social carcerário estão impregnados de forte antagonismo, em relação aos valores da sociedade exterior”, uma vez que se baseiam no uso da força e da exploração sobre os demais reclusos, contrariando as regras de respeito e harmonia que devem nortear o convívio social. […] esse e outro motivo que nos autoriza a considerar a prisão ambiente inadequado para conseguir a ressocialização do recluso.
Outro fator importante que dificulta a operacionalização do escopo ressocializador, sendo a pena privativa de liberdade a imputada, é a falta de capacitação profissional ou intelectual dentro dos centros prisionais. O Estado não possui uma política posta para a educação e o trabalho prisional, tendo em vista que os dados do DEPEN acusam um percentual de apenas 17,3% de presos exercendo atividades em programas de laborterapia nos estabelecimentos penais.

A sociedade não costuma participar da reinserção, tomando uma atitude apática com relação a prisão, sendo tímida a sua interação. A atuação de centros comunitários é quase zero, limitando-se a interação com alguns familiares e com algumas instituições religiosas.

Soma-se ao rol das dificuldades elencadas o estigma que carrega o ex-presidiário, que encontra na sociedade fortíssima resistência à sua reinclusão, fruto de grande preconceito difundido e absorvido ao longo dos anos, constituindo-se uma barreira quase intransponível à prática de atividades lícitas daquele oriundo do cárcere.

Nessa trilha, cumpre analisar que as alternativas penais têm alcançado melhores resultados, também, na perspectiva da reinserção. Isso se deve a diversos fatores como a maior proximidade do infrator à sociedade, por ter tais sanções como filosofia o cumprimento da sanção em meio aberto, permitindo a interação e a participação da comunidade na administração penal e no tratamento do condenado, além de incentivar a noção de responsabilidade do condenado em relação à sociedade.

Como já dito alhures as penas alternativas materializam-se nas restrições de direitos, predominantemente por meio das penas de prestação de serviço à comunidade ou prestação pecuniária, transformada em prestação de outra natureza, que colocam o infrator a serviço da comunidade.

Ressalte-se que trabalho desenvolvido pelas equipes que compõe a Central de Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas (CEAPAS) cria um espaço dotado de limites traçados por critérios técnicos, reservados para que o infrator possa externar suas opiniões quanto à sanção a que está sendo submetido, contribuindo, inclusive, para o aprimoramento do respectivo sistema.

Ainda, a equipe multidisciplinar da CEAPAS interage com o infrator, assistindo-o e orientando-o profissionalmente na busca da reordenação de suas ações, quando necessário. Compete a tal órgão, também, a formação de uma rede composta por instituições públicas ou privadas, que serve de suporte para a efetivação do cumprimento das penas.

Essas instituições são, posteriormente, capacitadas por meio de equipes do CEAPAS, que através de reuniões, esclarecem e instruem entidades parceiras quanto ao funcionamento do programa, fornecendo o conhecimento adequado para o convívio com o infrator durante o cumprimento de sua sanção. Daí advém a importância da confluência entre a sociedade e infrator. Ressaltemos que muitas vezes, após o cumprimento da sanção, este continua ligado voluntariamente à instituição, o que demonstra o reforço dos valores sociais.
4.3.5 Alternativas Penais e o Princípio da Dignidade Humana
Como já citado, a dignidade da Pessoa Humana exprime valor-síntese do Estado Democrático de Direito. Logo, nisso reside sua marcante evolução doutrinária.

As Regras de Tóquio são claras ao afirmar:

A garantia e o respeito aos direitos humanos e à dignidade humana requer que se estabeleçam normas para a imposição e execução de quaisquer restrições e condições. Esta é uma das principais finalidades das Regras de Tóquio, que regem a legislação concernente as alternativas penais.” (regras de Tóquio, Introdução).
Sobre as transgressões ao Princípio da Dignidade do delinquente submetido à pena privativa de liberdade, já não cabe mais explicações, após os esclarecimentos apontados no item 3.3 deste trabalho.

Ao revés, percebe-se claramente o respeito a tal princípio frente às penas alternativas, sendo este posto, realmente, em prática. Pode-se afirmar, sinteticamente, que a comprovação da efetivação de tal princípio se dá pela simples observação do cumprimento dos objetivos básicos da execução das penas como, a maior probabilidade de ressocialização do apenado, o baixo índice de reincidência, a possibilidade de um maior convívio com os familiares e com a sociedade, a possibilidade do apenado continuar com suas atividades laborais, ou de ao revés, conseguir um ofício, etc.

A medida alternativa, por se tratar de medida mais humanitária e por ser medida específica, que analisa a situação particular de cada indivíduo, não só sobre o enfoque da infração cometida, mas, principalmente, através de uma análise de seus interesses, das suas aptidões e da sua personalidade, estabelece-se a atividade a ser exercida (pena) com respeito à dignidade à sua pessoa, buscando sempre aflorar a sua sensibilidade, através de um processo de conscientização das contingências humanas e das necessidades mais prementes.

Tais medidas são dignas e revelam-se úteis socialmente por procurar criar e fomentar a solidariedade social e humana, despertando não só os direitos, mas, sobretudo, os deveres de cidadania, causando um efeito terapêutico e socialmente construtivo tanto para o indivíduo, recuperando, quanto para a comunidade.

Visa-se assim, promover a harmonia no convívio social juntamente com a conscientização do apenado sobre sua atividade ilícita (crime), tendo este a visão de pena como uma forma de ressocialização e não de expiação e retribuição da culpa.
5 Novos métodos para aplicação e execução da pena de prisão: Método da APAC.
Como fartamente argumentado, o sistema prisional brasileiro encontra-se decadente, não cumprindo nenhum dos objetivos almejados pelo Ordenamento Jurídico Pátrio, quais sejam, por exemplo: ressocialização; função preventiva; respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade; promoção de atividades educativas e de cunho laboral; acesso à assistência médica, odontológica, à uma alimentação digna; oferecimento de assistência Jurídica (Defensores Públicos); existência de política para os egressos; dentre outros, necessitando de uma repaginação urgente, tendo em vista a sua necessidade para a reparação de crimes mais gravosos, sendo reservada para situações excepcionais.

Assim sendo, em virtude da precisão desse tipo de pena, deve-se procurar implementar métodos e soluções para melhorar a execução da pena de prisão. Fala-se, portanto, em alternativas na pena de prisão.

Com o intuito de procurar efetivar os objetivos da pena, acima citados, algumas experiências envolvendo a pena privativa de liberdade foram e estão sendo desenvolvidas com sucesso e mérito, demonstrando resultados satisfatórios, como, por exemplo, o projeto desenvolvido em alguns Estados brasileiros, chamado de Novos Rumos na Execução Penal, que adota o método chamado Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), surgido, em 1972, na cidade de São José dos Campos (SP), pelo advogado Mário Ottoboni. Em Minas Gerais, a APAC se implantou no início dos anos de 1980, em Itaúna, e em 1991 passou a administrar o regime aberto e fiscalizar as penas substitutivas. A partir de 1997, os regimes fechados e semi-abertos adotaram o método APAC. Outras prisões no Brasil e no estrangeiro também adotaram o método APAC, tornando-se modelo e atraindo visitantes de todos os lugares.

O método APAC se inspira no, aqui tão defendido, Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e na convicção de que ninguém é irrecuperável, pois “todo homem é maior que a sua culpa” (APAC, 2007).

O método da APAC é baseado em elementos fundamentais, quais sejam: participação da Comunidade: A APAC somente poderá existir com a participação da comunidade. Compete a esta a grande tarefa de, organizada, introduzir o método nas prisões. Sem que haja uma equipe preparada através dos cursos que devem ser ministrados com antecedência, não se pode pensar em resultados positivos. Buscar espaços nas igrejas, jornais, emissoras de rádio/TV, etc., para difundir o projeto que se pretende instituir na cidade para romper as barreiras do preconceito, é condição indispensável para arrebanhar as forças vivas da sociedade.

Outro elemento basilar desse método é: recuperando ajudando o recuperando. Desenvolver o sentimento de ajuda mútua e colaboração entre os recuperandos. Despertá-los para dos valores, sobretudo sobre a necessidade de que um precisa ajudar o outro. O sentido ajuda é muito salutar e devolve ao recuperando mais tranqüilidade, desenvolvendo um clima de cooperação mútua.

O Trabalho: Somente o trabalho não é suficiente para recuperar o homem, deve fazer parte do contexto, parte da proposta, mas não deve ser o elemento fundamental. No Método APAC, o regime fechado é o tempo para a recuperação, o regime semi-aberto para a profissionalização e o aberto para a inserção social. Neste sentido, o trabalho aplicado em cada um dos regimes deverá ser de acordo com a finalidade proposta.

A religião: O Método APAC proclama a necessidade imperiosa do recuperando ter a experiência religiosa, não que esta seja suficiente para preparar o preso para o seu retorno à sociedade, mas, constata-se que a religião é fundamental para a recuperação do preso, desde que pautada pela ética, dentro de um conjunto de propostas.

Necessidade de Assistência Jurídica: 95% da população prisional não tem condições de contratar um Advogado, especialmente na fase da execução penal, quando o recuperando toma conhecimento dos inúmeros benefícios facultados pela lei. O Método APAC recomenda uma atuação especial neste aspecto.

Assistência à saúde: Prestação de assistência médica, odontológica e outras de um modo humano e eficiente. Suponha o recuperando abandonado dentro de uma cela com dor de dente, com úlcera, HIV, etc. O não atendimento dessas necessidades cria um clima insuportável e extremamente agressivo e violento, foco gerador de fugas, rebeliões e mortes.

Valorização humana: Consiste em colocar em primeiro lugar o ser humano, reformulando a auto-imagem do homem que errou. Chamá-lo pelo nome, conhecer suas histórias, interessar-se por sua vida, sua sorte, seu futuro. Atendê-lo em suas necessidades médica/odontológica, material, jurídica, etc., é fundamental. A educação e o estudo devem fazer parte deste contexto, considerando que a população prisional nacional é constituída de 75% de analfabetos ou semi- analfabetos. A participação da família: No Método APAC a família do recuperando é muito importante. É preciso trabalhar para que a pena atinja tão somente a pessoa do condenado, fazendo o possível para que não atinja a sua família. Trabalhar para que não se rompam os elos afetivos do recuperando e sua família.

O Voluntário: O trabalho da APAC é fundamentado na gratuidade, no serviço ao próximo. Para esta tarefa, o voluntário precisa estar bem preparado. Sua vida espiritual deve ser exemplar, seja pela confiança que o recuperando nele deposita, seja pelas atribuições que lhe são confiadas, cabendo-lhe desempenhá-las com fidelidade e convicção. Em sua preparação o voluntário participa de um curso de formação de voluntário, durante o qual irá conhecer a metodologia e desenvolver suas aptidões para desempenhar este trabalho com eficácia e dentro de um forte espírito comunitário.

Criação de CRS – Centro de Reintegração Social, visando oferecer ao recuperando a oportunidade de cumprir a pena próximo ao seu núcleo afetivo, através da municipalização da execução penal em presídios de pequeno porte com capacidade média para cem internos- próximo, portanto de familiares, amigos e parentes. O recuperando não se distanciando de sua cidade encontrará, logicamente, apoio para conquistar uma liberdade definitiva com menos riscos de reincidência. (INFORMATIVO…, 2002).

Outros dados importantes é que nas APAC os Juízes saem dos Fóruns e passam a ter um papel proativo junto às instituições. Ademais, ressaltemos a economia na construção de uma APAC, sendo que para abrigar 120 presos gastasse, em média, R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), já para a construção de um sistema penitenciário comum, se gasta em torno de R$ 27.000.000,00 (vinte e sete milhões de reais) e abriga-se, somente 800 presos. (CARNEIRO, 2009)

Pelo apresentado, percebe-se que o método da APAC é eficaz e trata-se de uma alternativa à melhoria do sistema carcerário, devendo assim, ser estudado e desenvolvido em todas as capitais brasileiras.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao se fazer uma retrospectiva histórica da pena, percebe-se que ao longo dos séculos ela foi se amoldando de acordo com a sociedade da época, a religião, o governo, o país, etc.

A pena privativa de liberdade, instituída como pedra matriz da execução penal e como evolução das penas cruéis, se expandiu a partir do século XIX.

Erroneamente, pensa-se que basta retirar o deliquente das ruas para se resolver o problema. Contudo, a realidade nos mostra que a extirpação do indivíduo do seio da sociedade não basta. Problemas como a reincidência, o aumento dos índices de criminalidade, maléficos efeitos sociológicos, psicológicos e comportamentais causados aos infratores, além do alto custo ético, financeiro e moral para a sociedade e para o Estado, estão aí para nos mostrar que esta não é a solução e que o sistema atual é totalmente falho, não atingindo nenhum dos objetivos demandados pela pena: retribuição e prevenção.

Assim sendo, a prisão, longe de se revelar capaz de coibir o crime, expõe o antagonismo entre seus propósitos e seus resultados.

A partir da pesquisa realizada pode-se observar que em meados da segunda metade do século XX, com o sistema penitenciário já em profunda crise, ocorreu uma intensa revolução e transformação no ordenamento jurídico.

Após as pesquisas realizadas no presente trabalho, foi possível formular algumas conclusões necessárias à compreensão do tema e que poderão servir, no futuro para um estudo mais aprofundado das diversas alternativas penais ao cárcere e sobre a necessidade de uma visão jurídico-sociológica do tema.

Inicialmente observou-se que com a disfunção do sistema carcerário começou a abrir espaço para novas formas de execução penal, mais humanitárias, com mais coerência entre seus meios de punição e suas finalidades. Surgiu, assim, um sistema alicerçado em sanções alternativas, principalmente para infrações penais de menor e médio potencial ofensivo.

No Brasil, as “penas alternativas”, propriamente ditas, entraram no ordenamento jurídico a partir da reforma da Parte Geral do Código Penal em 1984 (Lei 7.209). Após tal evolução, outras normas infraconstitucionais como o Código de Trânsito, o Código de Defesa do Consumidor, a lei 9.099 (Lei dos Juizados Especiais) e a criação do próprio Juizado Especial Federal, corroboraram para a superação, ou ao menos a restrição máxima, da utilização do encarceramento como resposta penológica aos diversos crimes praticados.

Através dos dados obtidos, observa-se um alto índice de aprovação de tais medidas, posto que vem trazendo inúmeros benefícios para a sociedade, para o Estado e para os apenados. Para a sociedade, pois os sentimentos de punição se acalmam à medida em que vêem o réu cumprindo fielmente sua pena e muitas vezes, ajudando a própria sociedade através do trabalho comunitário em determinadas instituições como hospitais, escolas, etc.; para o Estado os benefícios são inúmeros, por exemplo, o erário passa a ter mais verbas para a aplicação em outras áreas, os índices de reincidências são baixíssimos, principalmente se comparados com os índices obtidos através da análise da pena privativa de liberdade; finalmente, é beneficiado posto que não é extirpado da sociedade, cumpre sua pena em liberdade, não o excluindo do convívio social e dos seus familiares, o apenado reinsere-se na sociedade de forma gradativa e, principalmente,não o expõe aos males do cárcere.

Nesta senda conclui-se que é fundamental que o Poder Central desperte para a importância de investir na criação de infra-estrutura para tornar possível uma aplicação mais eficaz de tais penas; se não for por inteligência, até pela economia que essas alternativas representam para os cofres públicos, já estará justificado o esforço governamental, posto que as alternativas penais representam um dos meios mais eficazes de prevenir a reincidência criminal. Ademais, o fato de o infrator cumprir sua pena em liberdade, seja monitorado pelo Estado (CENAPA) ou, e, pela comunidade, amplia as possibilidades de sua reinserção social.

Ainda merece destaque a proposta de criação de varas especializadas que cuidando, exclusivamente, dos casos de crimes de médio e menor potencial ofensivo, ofereceriam um maior prestígio e possibilidade de utilização de tais penas.

A problemática neste trabalho não foi pautada somente sobre o aspecto da importância da utilização e aprimoramento das medidas alternativas, mas sim, também sob o enfoque racional de que a pena restritiva de liberdade não pode ser extirpada do ordenamento jurídico posto que, visa punir crimes de maior potencial ofensivo.

Nessa esteira, demonstrou-se que há possibilidades de se aperfeiçoar o sistema carcerário através de medidas como o Método da APAC. Tal método inspira-se no princípio da dignidade da pessoa humana e na convicção de que ninguém é irrecuperável. Alguns dos seus elementos formadores são: a participação da comunidade, sobretudo pelo voluntariado; a solidariedade entre os recuperandos; o trabalho como possibilidade terapêutica e profissionalizante; a religião como fator de conscientização do recuperando como ser humano, como ser espiritual e como ser social; a assistência social, educacional, psicológica, médica e odontológica como apoio à sua integridade física e psicológica; a família do recuperando, como um vínculo afetivo fundamental e como parceira para sua reintegração à sociedade; e o mérito, como uma avaliação constante que comprova a sua recuperação já no período prisional.

Ademais do exposto, é imprescindível que se ponha em prática as diretrizes para o sistema penitenciário nacional que são: autonomia administrativa-financeira do sistema penitenciário, financiamento e gestão da política criminal e penitenciária; fortalecimento dos mecanismos de controle formal: corregedorias, ouvidorias e inspetorias; fortalecimento das defensorias públicas criminais e penitenciárias; qualificação dos trabalhadores e gestores da administração penitenciária; definição do papel das polícias militares nos estabelecimentos prisionais; atendimento e infraestrutura especializada para a população carcerária feminina.

No Rio Grande do Norte não é diferente, o nosso Estado está engajado no objetivo de melhorar o quadro do sistema penitenciário local, ao passo que formulou um plano diretor do sistema penitenciário, com as seguintes diretrizes básicas: criação de patronatos em número suficiente para atendimento ao egresso; criação e implantação de conselhos da comunidade em todas as comarcas; criação de ouvidoria; criação de corregedoria do sistema penitenciário; implantação de conselhos disciplinares nos estabelecimentos penais; elaboração de estatuto/regimento para estabelecimentos penais; criação/avaliação de assistência jurídica; ampliação das defensorias públicas; fomento à aplicação de penas e medidas alternativas; criação e instituição de carreiras próprias de agentes penitenciários; criação de escola de administração penitenciária; implantação de terminais de computador em todos os estabelecimentos penais – INFOPEN; ampliação do número de vagas; adesão a programas para mulheres encarceradas.

O desafio, portanto, além de executar eficazmente as penas alternativas aplicadas, é reduzir, ainda mais, o estigma tanto do cárcere quanto da própria persecução penal, extirpando-se, ao máximo, o efeito meramente simbólico desse duríssimo e ineficaz meio de controle social.

 

REFERÊNCIAS

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