Natal no início do século XX: um boulevard parisiense

Autor(a): Nélio Silveira Dias Júnior

Data: 25/09/2021

Natal, no início do século XX, era uma cidade pequena, com pouco menos de 20.000 habitantes. Se resumia, praticamente, ao bairro da Ribeira. A Duque de Caxias era a avenida que se destacava, principalmente, com a construção de belíssimos prédios, saindo da arquitetura colonial para o estilo eclético, neoclássico e até o art déco.

Natal precisava dar um salto à modernidade.

E isso aconteceu. O seu precursor e idealizador foi Alberto Maranhão, governador do Rio Grande do Norte, por duas vezes, de 1900 a 1904 e de 1908 a 1914.

Tudo começou com a abertura da Av. Tavares de Lyra, e, logo em seguida, com o seu embelezamento: arborização, calçada, banco com encosto e poste de iluminação. Em 1913, para festejar a beleza do local, foi inaugurado um Obelisco, de granito e com 5 metros de altura, contendo um medalhão com a efígie do Ministro Tavares de Lyra, voltado para o Rio Potengi, feita em Paris, na Fundição Val D’Osne.

O cais do Porto com o seu pôr do sol, de beleza exuberante, ganhou outros ares, tornando-se um atrativo da cidade.

Mas, Natal precisava ir além da sua beleza geográfica.

E foi.

Com a sua cultura e o seu gosto pela arte, Alberto Maranhão alçou Natal a outro patamar urbano-cultural.

Construiu a Praça Augusto Severo, projeto do arquiteto mineiro Herculano Ramos, dando harmonização urbanística ao final da Av. Duque de Caxias e criando um espaço agradável para os natalenses. Naquela época, a praça era maior do que é hoje, contando com alamedas de oitizeiros e palmeiras imperiais e três pontes sobre um canal, vindo do Rio Potengi.

Ali, tinha também um chafariz, formado por uma base retangular com elementos aquáticos e antropomórficos, encimada por uma escultura: estátua de uma pequena índia segurando uma cobra, de cuja boca jorrava água. A escultura representa uma personagem infantil com apetrechos indígenas, subjugando a sinuosa serpente, segundo a descrição do site e-monumen.net. Hoje, se encontra nos fundos do Palácio da Cultura (antigo Palácio Potengi).

Essa Obra de arte foi feita por dois prestigiados escultores franceses: Hubert Lavigne, da la École Nationale Supérieure des Beaux-arts de París, e Mathurin Moreau, da École des Beaux-Arts de Paris.

Naquelas redondezas, ainda foi erguido, em 1904, o Teatro Carlos Gomes, com elementos do estilo colonial. Todavia, anos depois, em 1910, passou por grande reforma, projeto do arquiteto mineiro Herculano Ramos. A sua fachada frontal foi significativamente alterada, com a construção de lindos balcões, recebendo ornamentação de Paris: portões, grades, copas e estátuas, feitas na Fundição Val D’Osne, adquirindo feições típicas do art nouveu.

No seu interior o detalhe é a Índia, escultura de Jules Salmson (1807-1866), célebre escultor inglês radicado em Paris.

O nome do Teatro foi uma merecida homenagem a Antônio Carlos Gomes (1836 — 1896), importante compositor de ópera brasileira, com carreira de destaque na Europa. Autor da ópera O Guarani. Apenas em 1957 é que passou a se chamar Teatro Alberto Maranhão, o que é lamentável, por mais merecedor que seja o ex-governador do Estado. Não é louvável “desomenagear” para homenagear!

Também, na localidade, foi construído, em 1908, o Grupo Escolar Augusto Severo, o primeiro no Estado. Seu estilo era o neoclássico. Possui corpo central com pórtico de entrada enquadrado por pilastra, exibindo frontal triangular, com ornamentação belíssima: imagem de uma mulher ao centro, simbolizando a ciência, e dois vasos ao lado, obras de arte vindas da França, tendo ainda dois condores guardiães – de Nicanor Plaza Águila (1844-1918), escultor chileno, que fez carreira em Florença, Itália. Tudo feito na Fundição Val D’Osne, de indiscutível valor artístico.

Mas, nesse local, sua maior expressão artística eram duas estatuas, uma menina e um menino, representando as alegorias da escrita e da leitura, do escultor francês Mathurin Moreau, recepcionando a entrada dos alunos. Hoje, essa obra de arte se encontra na Escola Estadual Winston Churchill.

O Grupo Escolar Augusto Severo não se encontra mais ali. Nas suas instalações abrigaram, de 1952/1954, o Atheneu Norte-Riograndense e, de 1956/1973, a Faculdade de Direito de Natal, e, antes de serem esquecidas, foi a Secretaria de Segurança Pública. Agora, tudo está em ruína.

Naquela época, para colocar Natal no trilho da modernidade, foi construída também a Avenida Junqueira Aires, ligando a Ribeira à Cidade Alta, projeto de Antonio Polidrelli, executado de 1901/1904.

Depois disso, onde hoje é a Praça das Mães, foi construída uma fonte decorada, com repuxo d’água num feixe de junco em pequeno lago (e-monumen.net.). Tudo feito em ferro fundido pela Fundição Val D’Osne. Uma magnífica obra de arte. Ao local, foi dado o nome de Fonte da Praça Pedro Velho. Atualmente, nada mais existe.

Finalmente, foi feito o conjunto de balaustrada, colunetas com lampadários e relógio. Obra de Mortimer Brown, prestigiado escultor inglês. Tudo feito, em ferro fundido pela Fundição Val D’Osne, França.

Natal, do início do século XX, tinha ares modernos da belle époque, influenciados pela Europa, sob o olhar proeminente do Rio Potengi, sua maior riqueza e inspiração: um boulevard parisiense.

Quem destruiu isso tudo? Por qual razão? Por que não preservamos o nosso patrimônio e a nossa história? Há, ainda, tempo para recuperação?

Não seria o momento de, pelo menos, reunir essas obras de arte no Palácio da Cultura, em seu espaço ao ar livre, e ali fazer um museu a céu aberto?

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