Incorporação Imobiliária e o direito do alienante do terreno incorporado.
Nélio Silveira Dias Júnior
Em uma economia movimentada pela competitividade, o mercado imobiliário revela-se como um dos mais ágeis e com grande capacidade de reinventar o instituto básico de seu negócio: a compra e venda de imóveis[1].
Uma dessas reinvenções foi a possibilidade de, em uma área, se construir edifícios, em regime condominial, permitindo a venda das unidades antes da construção, visando, para isso, a obtenção de recursos.
Isso é o que se denominou de incorporação imobiliária. No Brasil, é regida pela Lei nº 4.591/64.
Para MELHIM NAMEM CHALHUB, a partir do texto legal (art. 28, parágrafo único) a incorporação imobiliária pode ser conceituada como atividade de coordenação e consecução de empreendimento imobiliário, compreendendo a alienação de unidades imobiliárias em construção e sua entrega aos adquirentes, depois de concluídas, com a adequada regularização no Registro de Imóveis competente. [2]
O traço característico dessa atividade é a venda antecipada de apartamentos de um edifício a construir. [3]
Na prática, como ressalta LUIZ ANTÔNIO SCAVONE JÚNIOR, incorporar um edifício significa registrar, junto ao oficial de Registro de Imóveis, na matrícula do terreno onde o prédio será construído, uma série de documentos e certidões, permitindo vender as unidades a serem construídas na planta ou em obras, a público indeterminado, mediante oferta pública.[4]
Portanto, a incorporação imobiliária é imprescindível nos casos de edifícios a construir, vendidos para entrega futura, a fim de conceder alguma segurança aos terceiros adquirentes.
Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas (Lei nº. 4.591/64, art. 29).
Atualmente, o negócio que se costuma ser realizado, em se tratando de incorporação imobiliária, é a “permuta no local”. O incorporador compra o terreno, de forma irretratável e irrevogável, e paga o preço ao proprietário em unidades a serem construídas.
Nessa circunstância, o proprietário do terreno incorporado assumirá o status jurídico de mero condômino, em igualdade de condições com qualquer outro adquirente de unidades da incorporação. A figura do proprietário do terreno se equipara à do consumidor, nos termos do art. 2º do CDC, tendo o incorporador como fornecedor.[5]
O dono do imóvel só difere dos demais adquirentes porque paga sua unidade autônoma com o próprio terreno no qual foi erguido o empreendimento, mas tal circunstância não tem o condão de desvirtuar a relação de consumo.
Portanto, em caso de inadimplência parcial do incorporador quanto ao prazo de entrega das unidades, o proprietário do terreno incorporado terá direito, igualmente ao terceiro adquirente, à indenização pelos prejuízos ocasionados, que, geralmente, é o equivalente ao aluguel da unidade, devido desde a mora até a sua entrega.
Por outro lado, ocorrendo a inadimplência total da obrigação do incorporador, o alienante do terreno incorporado, além de ter direito igual ao terceiro adquirente, de reaver o que pagou mais perdas e danos do incorporador, tem, também, o direito de rescindir o contrato de compra e venda.
Todavia, se assim agir, consolidar-se-á, no alienante, em cujo favor se opera a resolução, o direito sobre a construção porventura existente, e ficarão automaticamente rescindidos os contratos de aquisição das unidades realizados pelo incorporador com os adquirentes. Nesse caso, o terceiro adquirente haverá do alienante o valor da parcela de construção que haja adicionado à unidade.
Sem realizar essa indenização, o alienante não poderá negociar o seu imóvel (Lei nº. 4.591, art. 40).
O dever de indenização previsto no art. 40 da Lei nº 4.591/64 deve limitar-se à vantagem financeira auferida pelo proprietário do terreno, a qual não se confunde com o valor integral pago pelos demais adquirentes à incorporadora.
Na prática, considerando que todas as unidades do empreendimento sejam de igual valor, deve se apurar o custo total da edificação, dividindo-o pelo número total de adquirentes, excluído o proprietário do terreno. O resultado encontrado corresponderá ao valor da parcela de construção adicionado à unidade por cada adquirente.
Essa regra, fundamenta-se no princípio da vedação do enriquecimento sem causa, e reproduz a norma geral de indenização das acessões plantações de boa-fé em terreno alheio[6].
De fato, o alienante que recupera seu terreno com acessões por efeito de inadimplemento do incorporador não tem outra vantagem econômica senão a correspondente ao valor das acessões nele erigidas. [7]
De outra sorte, os valores não destinados à construção pelo incorporador, porém, não indenizados pelo alienante do terreno incorporado, devem ser cobrados pelos terceiros adquirentes ao incorporador.
A natureza da relação entre o proprietário do terreno e os demais adquirentes, contudo, não é de consumo, mas civil, tanto na conclusão regular do empreendimento – quando serão todos condôminos – quanto na rescisão do contrato de alienação do terreno – hipótese em que surgirá para o seu proprietário uma obrigação de reparação civil, visando a evitar o seu enriquecimento sem causa.
[1] Denomina-se compra e venda o contrato bilateral pelo qual uma das partes (vendedor) se obriga a transferir o domínio de uma coisa à outra (comprador), mediante a contraprestação de certo preço em dinheiro (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – V. III. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 191)
[2] CHALHUB, Melhim Namem. Incorporação imobiliária. 4. ed. São Paulo: Forense, 2017, pág. 10
[3] Idem, ibidem.
[4] SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio. Direito Imobiliário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, pág. 131
[5] STJ – REsp 686198/RJ, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ 01/02/2008.
[6]Melhim Namem Chalhub, op, cit, pág. 372.
[7] Idem, ibidem, pág. 374.
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