Guarda compartilhada e a violência doméstica e familiar

Nélio Silveira Dias Júnior (Advogado)

Um dos temas mais sensíveis no Direito de Família é a proteção da pessoa dos filhos menores de idade quando os pais não coabitam com eles, seja por nunca terem mantido uma relação conjugal, seja em razão do término desta.

O ordenamento jurídico brasileiro regulamenta essa questão por meio do instituto da guarda, que poderá ser unilateral ou compartilhada (Código Civil, art. 1.583).

A guarda unilateral é aquela atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (CC, art. 1.583, § 1 ).

Nesse regime, o genitor que não detém a guarda unilateral  tem o direito de supervisionar os interesses dos filhos, podendo solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, sobre os assuntos que direta ou indiretamente impactem a saúde física e psicológica, bem como  a educação da criança ou do adolescente (CC, art. 1.583, § 5).

Já a guarda compartilhada caracteriza-se pela responsabilidade conjunta e pelo  exercício equitativo dos  direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar (CC, art. 1.583, §1º).

Nesse modelo, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre considerando as condições fáticas e os  interesses da criança e do adolescente (CC, art. 1.583, §2º).

Além disso, na guarda compartilhada, a cidade de referência, considerada base de moradia dos filhos, será aquela que melhor atender os seus interesses (CC, art. 1.583, §3º).

Na ausência de acordo entre os genitores sobre a guarda do filho e estando ambos aptos ao exercício do poder familiar, a guarda compartilhada será aplicada como regra (CC, art. 1.584, §2º, primeira parte), em conformidade com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Todavia, em 2023, houve alteração legislativa significativa: a guarda compartilhada não será concedida ao genitor quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar (CC, art. 1.584, §2º, última parte).

Por sua vez, considera-se violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (Lei nº 11.340/2006, art. 5º).  

Com a nova redação da norma, fica claro  que, caso haja indícios de risco de violência doméstica ou familiar, a guarda compartilhada não deve ser concedida ao agressor. Essa inovação tem como principal objetivo assegurar a proteção e a segurança dos filhos, evitando que convivam em um ambiente prejudicial ao seu desenvolvimento.

 Para tanto,  o juiz deve considerar qualquer indício, e não necessariamente prova,  que demonstre que um dos genitores representa risco à segurança e integridade do outro genitor. Afinal, um genitor capaz de cometer violência doméstica ou familiar ao outro também pode representar uma ameaça ao filho menor, justificando a adoção de medidas protetivas para resguardar todos os envolvidos (mãe e filhos).

Para aplicar essa norma protetiva, não é necessário que haja indícios de violência do genitor diretamente contra os filhos – pode até haver convivência harmoniosa entre eles – bastando apenas indícios de violência contra à genitora. Essa foi a intenção do legislador, pois não há como compartilhar a guarda entre agressor e vítima, uma vez que a convivência conflituosa inviabiliza qualquer decisão conjunta sobre o melhor interesse da criança ou do adolescente.

Trata-se de  norma cogente, de aplicação obrigatória pelo juiz, e não de mera faculdade.

Além de reconhecer a complexidade dos vínculos familiares, essa medida permite que, em situações específicas de agressão, o juiz afaste a guarda compartilhada, garantindo a proteção integral do menor.

A inovação legislativa também destaca a necessidade de o Poder Judiciário atuar de forma cuidadosa e criteriosa ao analisar as provas apresentadas, considerando elementos que evidenciem a probabilidade de violência doméstica ou familiar, sem exigir a certeza absoluta do  fato.

Essa mudança também reflete o esforço do Estado para combater a violência doméstica e familiar, reafirmando o compromisso com a efetividade das políticas públicas de proteção à mulher e à criança, em especial quando se trata de um direito fundamental: a convivência familiar saudável e a integridade física e psicológica dos menores.

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