Felinto Lúcio: um músico excepcional, um orgulho potiguar.

Autor(a): Nélio Silveira Dias Júnior

Data: 24/02/2024

Felinto é uma figura que nos enche de orgulho, lembrando-nos de que, se a luz está disponível para todos, o brilho é fruto de dedicação e esforço de cada um.

Desde criança, Felinto Lúcio Dantas aprendeu com os pais os segredos da agricultura, e desenvolveu um profundo amor pela terra, acreditando que, cuidando dela, também estaria tratando de si mesmo. A terra lhe deu tudo: alimentação e ensinamentos e, nela, trabalhou até seus últimos dias.

Nasceu em família numerosa, em Carnaúba dos Dantas/RN, em 1898, fazendo ali a sua morada, e do sertão, a inspiração.

Além da terra, a sua paixão era a música.

Sua vocação musical despertou ao assistir, com a banda filarmônica de Acari/RN, aos ensaios das músicas de seu primo Tonheca Dantas (1871-1940), compositor, dentre grande produção musical, da valsa Royal Cinema, entusiasticamente aplaudida no Brasil e no Exterior.

Felinto começou, como relatou em entrevista, “como todo mundo, tocando um instrumento, depois dirigindo banda e, consequentemente, regendo-a, até chegar a composição”, mas, segundo ele, “nunca fiz nada que prestasse dentro dessa coisa toda”.

Simplicidade à parte, Felinto foi grande em toda a música que fez, reconhecido no Seridó, no Rio Grande do Norte, no Brasil e no mundo. Um gênio mesmo.

Com dinheiro suado da pequena agropecuária, Felinto pagou aulas com Pedro Arboés, professor de música da região. Aprimorado o seu talento, não tardou para trilhar o caminho da composição.

A primeira composição fez aos 17 anos, o dobrado “Estreia”; a última, aos 88 anos, a valsa “Delzira Maria Dantas”, homenagem a sua segunda esposa. Nesses 71 anos dedicados à música, construiu uma obra surpreendente, composta por 83 dobrados, 42 valsas, 36 obras sacras, 12 marchas, 9 hinos, 4 mazurcas, 4 choros.

A música sacra de Felinto Lúcio era diferenciada. Compôs hinos, missas e novenas, destacando-se inúmeras partes dessas obras da liturgia católica, tais como: “Pai-Nosso”, “Ave-Maria”, “Gloria”, “Credo”, “Agnus Dei”, “O Salutaris Hostia”, “Kyrie”. São composições que iluminam corações e fortalecem a aproximação com o divino: melodias envolventes, em músicas que transmitem fé e suscitam adoração.

Suas músicas deixaram o sertão do Seridó para ganhar notoriedade nos grandes centros do Brasil, como Rio de Janeiro, e mesmo da Europa.

Sua música “Quinta Novena” foi executada na missa celebrada pelo Papa São João Paulo II, em 1997, na Catedral do Rio de Janeiro.

Recentemente, no dia de Corpus Christi de 2021, foi cantado no Vaticano um Tantun Ergo, de Felinto Lúcio, tradicional hino eucarístico sobre a letra de São Tomás de Aquino, de 1264. Um outro seu “O Salutaris Hostia” também foi ouvido há pouco tempo no altar da Cátedra da Basílica de São Pedro, por ocasião da novena do Apóstolo.

Esse Tantum Ergo Felinto Lúcio compôs “em 1957 em latim, para duas vozes. Comumente as suas obras sacras eram escritas para que duas de suas filhas cantassem durante a missa. Sua introdução foi inspirada no canto do pássaro Anu-branco”

(periodicos.unespar.edu.br – O plantador de sons).

No sertão do Seridó, a beleza verdejante da natureza se une à transcendência da música sacra de Felinto Lúcio Dantas, criando um cenário de encanto e devoção.

Outro tipo de música ao qual Felinto se dedicou foram as valsas. Compôs várias delas, como, por exemplo, “Culpa e Perdão”, “Adélia”, “Lúcia Dantas”, “Ana Dantas”, “Teresa Maia”.

Em 1978, por iniciativa do MOBRAL, lançou em um LP duplo algumas de suas obras, contando com a participação de grandes músicos do cenário nacional, sob a coordenação do maestro Radamés Gnattali, grande artífice da aproximação da música erudita e popular no Brasil. Em Natal, o lançamento desse álbum ocorreu no Palácio do Governo, em cerimônia solene, patrocinada pelo então Governador Tarcísio Maia, seu admirador. Com esse evento, o compositor se tornou mais conhecido em todo Estado e no País.

Como lembra o poeta e ex-professor universitário Francisco de Sales Felipe, a quem Felinto Lúcio dedicou, em 1978, a marchinha Sales, suas músicas exalam espiritualidade e emoção, tocando profundamente a alma de quem as ouve. “É um Deus da música!”

Para atender ao público da região, Felinto compôs também muitos dobrados para as bandas locais, peças que se ouvem frequentemente ainda hoje, geralmente em solenidades, às vezes desconhecendo os ouvintes e mesmo os músicos quem é o admirável compositor. Dentre tantos, citam-se “Mobral 59”, “Caetano Dantas 58”, “Paulo Lúcio Dantas 55”, “Flávio Lúcio Dantas 57”.

A sua inspiração era a terra. Não compunha no luxo de vivendas ou gabinetes, mas, em sua maioria, trabalhando nas suas lavouras, a sol a pique, fazendo, muitas vezes, do cabo de sua enxada o seu lápis, rabiscando as notas musicais na areia do Rio Carnaúba. Só depois passava para o papel, pois a natureza era sua escola, como costumava dizer.

Felinto Lúcio buscava preservar as tradições musicais do sertão, mantendo vivas as raízes e os valores culturais da região. Compunha para aquela realidade cultural, para o coro da igreja, as bandas locais. O hino da cidade de Carnaúba dos Dantas é de sua autoria, e é a prova disso.

A Banda Filarmônica de Acari/RN, da qual passou a ser regente em 1920, atualmente tem seu nome. No largo em frente da sede da banda, está estátua sua, obra do artista Guaraci Gabriel, e iniciativa da Prefeitura Municipal, na qual Felinto exerceu o cargo de secretário de 1944/1968, com relevantes serviços prestados.

O Governo do Estado do Rio Grande do Norte ofereceu a Felinto Lúcio, em 1986, medalha da ordem do mérito no maior grau, tendo-lhe também prestado homenagens a UFRN e o IFRN.

Felinto Lúcio faleceu em 1986, deixando saudade aos amantes da melhor música. Teve 30 filhos, sendo 14 com a primeira esposa, Antônia Jacinta de Medeiros, e 16 com a segunda, Delzira Medeiros Dantas. Todos homenageados em sua obra.

Felinto Lúcio Dantas, “um plantador de sons”.

Seu talento e paixão pela música são evidentes em cada nota, levando os ouvintes a uma experiência transcendental. E, ao compartilhar sua música sacra, espalhou luz e inspiração por todo o Rio Grande do Norte, conectando as pessoas com o sagrado, e confirmando sua espiritualidade.

Fontes:

Fundação José Augusto (Adecon)

Revista do Galo, n. 5, p. 31–42, 1 maio 2022

Canal do YouTube- Presto Música de Victor Dantas

Tribunal do Norte, 4/6/2021

Francisco de Sales Felipe (Em conversas de alpendre)

TVU – Memória Viva – Felinto Lúcio – 1982

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