Divórcio litigioso, seu procedimento e sua decretação imediata.

 Nélio Silveira Dias Júnior

Advogado

 

Anteriormente, quando somente um dos cônjuges desejava a separação, tinha que: ou imputar ao outro qualquer ato que importasse grave violação dos deveres do casamento e tornasse insuportável a vida em comum, ou comprovasse a ruptura da vida em comum há mais de um ano (Código Civil, art. 1.572).

Antes do decurso desse interstício, ou na ausência de motivo que pudesse ser imputado ao outro, resistia o Estado em chancelar a vontade de um dos cônjuges. [1]

Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 66/2010, tudo isso acabou, restando sepultado o instituto da separação e oficializando o fim da culpa. Isto é, não se precisa mais saber de quem foi a culpa ou esperar um ano da separação de fato para por fim ao matrimônio, basta apenas a qualquer um dos cônjuges, em conjunto ou individualmente, requerer o divórcio.

Enfim, a dissolução do casamento deve ser ato de vontade. Para CRISTIANO CHAVES DE FARIAS, é  a absorção, pelo direito brasileiro, do chamado divórcio-vontade[2].

O § 6º do art. 226 da Constituição Federal diz: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Diante da atual redação do dispositivo constitucional, MARIA BERENICE DIAS se posicionou que, no divórcio, desapareceu toda e qualquer restrição para sua concessão, que cabe ser concebido sem prévia separação judicial e sem a necessidade do implemento de prazos.[3]

Por outro lado, em se tratando de divórcio litigioso,  o procedimento a ser seguido com vistas a dissolver o casamento válido, ainda é o disposto na legislação infraconstitucional que rege a matéria: Código de Processo Civil (arts. 693/699).

A ação de divórcio não dispõe de causa de pedir. Não é necessário o autor declinar o fundamento do pedido. Trata-se de simples exercício de um direito potestativo. A identificação dos motivos ou a impugnação da culpa não integram a demanda. Nada cabe ser alegado, discutido e muito menos reconhecido na sentença que decreta o divórcio[4].

Isso significa dizer que, não havendo decretação de culpa no divórcio, não há que se falar em lide (pretensão resistida). Logo, não haverá ganhador ou perdedor e, por consectário, condenação em honorários sucumbenciais.

Dessa forma, nada justifica que a decretação do divórcio não seja feita de imediato,  ainda que haja, na ação, outros pedidos formulados cumulativamente, como o de partilha de bens, prestação alimentícia dos filhos e a sua regulamentação de guarda, a exigir instrução, uma vez que o pedido de divórcio não está submetido à controvérsia, sob  pena de haver ofensa ao texto da Constituição da República (art. 226, § 6º), que teve a intenção de facilitar a dissolução do casamento civil.

Havendo, portanto, algum outro pedido cumulado ao de divórcio, o magistrado deverá determinar a produção de provas em relação àquele pedido especificamente, proferindo, de imediato, uma decisão interlocutória de decretação de divórcio. Assim, de logo, decreta o divórcio do casal e o procedimento terá regular continuidade para que as partes possam exercer o constitucional direito à produção de provas, no que tange às demais questões controvertidas[5].

Daí a salutar prática, segundo MARIA BERENICE DIAS, que vem sendo adotada: a decretação do divórcio a título de tutela antecipada, ainda que não tenha o autor pedido sua concessão liminar. Ao despachar a inicial, o juiz decreta o divórcio e determina a expedição do mandado de averbação após a citação do Demandado e o decurso do prazo de recurso. Tal não ofende o princípio do contraditório até por ser admitida sentença parcial antecipada (CPC 356). [6]

Ou seja: é uma espécie de tutela de evidência, que o juiz pode decidir liminarmente, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo (CPC, art. 311, “caput” e parágrafo único).

Não entendido assim, deve ser concedida a tutela provisória de urgência antecipada, não pelo atendimento dos seus requisitos:  elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (CPC, art. 300), mas sim pelo fato de  o pedido de divórcio mostrar-se incontroverso.

Não sendo esse o julgamento: decretação imediata do divórcio,  que se dê a ele o procedimento de jurisdição voluntária, por ausência de pretensão resistida, para, ao final, , ser o divórcio  decretado, pondo fim ao casamento, sem condenação de ônus da sucumbência.

 

[1] DIAS, Maria Berenice. Divórcio já: comentários à emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. São Paulo: RT, 2010, pág. 47.

[2] FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 60

[3] DIAS, Maria Berenice. Divórcio já: comentários à emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. São Paulo: RT, 2010,  pág. 36.

[4] Idem, ibidem, pág. 90.

[5] Cristiano Chaves de Farias, op. cit. pág. 384.

[6] DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: RT, 2016, pág. 227.

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