Das condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais.

Nélio Silveira Dias Júnior

Advogado

 

Não se pode cercear ou mitigar a vontade de ninguém de concorrer a cargo eletivo, nem dos agentes públicos, por ser direito fundamental de todo cidadão assegurado na Constituição Federal (art. 14).

No entanto, para os agentes públicos em campanhas eleitorais certas condutas são vedadas, para não comprometer a igualdade dos candidatos e preservar a normalidade e legitimidade das eleições contra o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (CF, art. 14, § 9º).

As condutas dos agentes públicos, tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os concorrentes dos pleitos, estão relacionadas no art. 73 da Lei nº 9.504/97, em seus incisos I a VIII. Para fins didáticos, elas serão divididas em grupos, levando em consideração o seu tempo de impedimento.

As primeiras condutas vedadas são aquelas que não têm limites temporais para suas ocorrências, como as previstas nos incisos I e II do art. 73: a) ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à Administração Pública em geral; b) usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas.

Como a intenção das condutas vedadas  é proteger a igualdade de oportunidades entre candidatos em campanha, tem que ter o marco temporal, mesmo que em sua disposição não tenha limitação, sob pena de comprometer a disputa ou de até perder a eficácia com o tempo, tendo em vista que, além do ano da eleição, não teria influência para desequilibrá-la.

Portanto, entendemos que, na situação acima, o limite seria o do ano da eleição – em que pese a jurisprudência já haver caminhado para delimitar em 3 meses antes do pleito – em atenção às circunstâncias e ao § 10 do art. 73, por simetria  às proibições ali estabelecidas.

Agora foi instituído a pré-candidatura, que permite, sem pedido explícito de voto, a sua divulgação e  a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos (LE, art. 36-A)  antes do começo da campanha eleitoral (16/8); logo, essas condutas podem beneficiar também pré-candidatos e romper com a isonomia, o que justificam ser impedidas no ano do pleito.

Ainda sem prazo definido é proibido o agente público, segundo o art. art. 73, III: ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado.

Na primeira parte, a baliza temporal deve ser também limitada ao ano da eleição. Quanto à segunda parte, o dispositivo legal já limitou o tempo, a medida em que condicionou os serviços do servidor para uso em comitês de campanha eleitoral, que tem prazo certo para isso: a partir de 16 de agosto do ano da eleição (LE, art. 11).

Além disso, foi proibido o agente público, de acordo com o art. 73, IV: fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público. Nesse caso, a proibição se dá a partir do registro de candidatura, que ocorrerá até 15 de agosto do ano das eleições (LE, art. 11).

Outras condutadas foram vedadas aos agentes públicos, nos 3 meses que antecedem o pleito, como prevê o art. 73, V:  nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito.

E   também,  em  igual  período,   conforme   a   previsão   do   art.  73,  VI:  a)  realizar

transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios; b) autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta; c)  fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, ressalvadas algumas hipóteses legais.

Por fim, tem-se que os agentes públicos não podem no primeiro semestre do ano de eleição, segundo o art. 73, VII e VIII, respectivamente: a) realizar despesas com publicidade que excedam a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito; e b) fazer na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição.

O  agente público, para efeito da vedação das condutas, é aquele que exerce,  ainda que sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional (LE, art. 73, § 1º).

Afora isso, nos três meses que antecederem as eleições, é vedada a contratação de shows artísticos pagos com recursos públicos na realização de inaugurações, assim como é proibido qualquer candidato comparecer  a inaugurações  de obras públicas (LE, arts. 75 e 77).

Haveria desigualdade se a Administração fosse desviada da realização de seus misteres para auxiliar a campanha de um dos concorrentes, em afronta aos princípios da moralidade e impessoalidade. O que se combate  é o desequilíbrio patrocinado com recursos do erário. [1]

Daí ser ainda proibida, no ano em que se realizar eleição, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior (art. 73, § 10).

Para caracterizar essas condutas como vedadas não se precisa provar  que são “tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais” por serem, por si sós, capazes disso, por presunção legal. Basta, apenas, que se demonstre a mera realização do ato ilícito.

Uma vez configurada a conduta vedada, cabe ao juiz eleitoral, imediatamente, determinar a sua suspensão e, em seguida, aplicar ao responsável a multa no valor de R$ 5.320,50 a 106.410,00, e, se o ato beneficiar o candidato, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma (art. 73, §§ 4º e 5º). A penalidade será proporcional à sua gravidade, de acordo com a sua potencialidade de desequilibrar a eleição.

O fato de uma conduta se enquadrar como vedada a agente estatal não significa que sempre e necessariamente leve à cassação de registro ou diploma do candidato beneficiado. Assim, uma conduta vedada pode ser sancionada com multa, com a só determinação de cassação ou mesmo com a invalidação do ato inquinado.[2]

A irregularidade será apurada em sede de representação eleitoral, observando-se o rito do art. 22 da Lei Complementar no 64/90, e poderá ser ajuizada até a data da diplomação dos eleitos (art. 73,  § 12). Sem prejuízo de aplicação de outras sanções de caráter disciplinar ou cível, inclusive improbidade administrativa (LE, arts. 73, § 7, e 78).

Além dessas condutas vedadas, o agente público que usar indevidamente o cargo ou função pública com a finalidade de obter votos para candidato, incide em abuso de poder administrativo/político, apurado o ilícito em investigação judicial eleitoral (LC 64/90, art. 22), cuja configuração depende de gravidade suficientemente capaz de afetar a legitimidade e a normalidade do pleito. (AI nº 060066386, Rel. Min. Edson Fachin,  DJe  01/07/2020).

A propósito, uma observação é pertinente.

Em virtude da pandemia da Covid-19, as eleições municipais de 2020 realizar-se-ão no dia 15/11/2020, em primeiro turno, de modo que as condutas vedadas, nesse pleito, terão como referência essa data. Assim, para aquelas condutas que têm como norte o início da campanha eleitoral, o limite temporal é agora  26/9 e não mais 16/8/2020, e as outras com baliza temporal de 3 meses antes da eleição, passa a ser agora 15/8/ em vez de 4/7/2020.

[1] GOMES, José Jairo, Direito Eleitoral, 14. ed. São Paulo: Atlas, 2018, pág. 845

[2] José Jairo Gomes, op. cit. págs. 846/847.

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