Crimes comuns processados na Justiça Federal conexos com crimes eleitorais devem ser julgados pela Justiça Eleitoral.

Nélio Silveira Dias Júnior

Advogado

Em ação penal processada na Justiça Federal, se dos fatos atribuídos ao autor ficarem caracterizados, além de crimes comuns (por exemplo, lavagem de dinheiro e corrupção passiva), crimes eleitorais, ainda que aquele  tenha sido ali denunciado só pelos crimes comuns, deve o processo ser remetido para Justiça Eleitoral.

Dispõe a Constituição da República que aos juízes federais compete processar e julgar: os crimes políticos e as infrações penais praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral (art. 108, IV).

Nenhum esforço interpretativo reclama o texto constitucional: a Justiça Federal não pode julgar crimes eleitorais, mesmo que em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, posto que, de sua competência, a Constituição exclui expressamente tudo quanto for da competência da Justiça Eleitoral.

Dispõe, então, o Código  Eleitoral que compete aos juízes processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais (art. 35, II).

O Código Eleitoral é a Lei Complementar prevista no art. 121 da Constituição,[1] e editada especialmente para dispor sobre a competência da Justiça Eleitoral.[2]

Essa evidência jurídica acaba de ser explicitamente reiterada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar Agravo Regimental no Inquérito nº 4435, em 14/3/2019.

O Excelso Tribunal deu cabal aplicação às regras constitucionais e de Lei Complementar à Constituição, já referidas, e determinou à jurisdição especial que   examinasse   a   conexão,    visto  que,  conforme o  Código de  Processo Penal (art. 78, IV): na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.

É intuitivo que, se a jurisdição especial (Justiça Eleitoral) prevalece sobre a jurisdição comum (Justiça Federal), essa prevalência se afirma desde a raiz, com a atribuição exclusiva da jurisdição especial de afirmar sua própria competência.

Aberra da harmonia do sistema de prevalência entre as jurisdições, submeter à jurisdição prevalecente à decisão da que não prevalece, precisamente quanto ao que deve preponderar, e, portanto, gerar a competência prevalecente.

Vale dizer que, havendo imputação de condutas, as quais, em tese, podem ter repercussão da esfera criminal eleitoral, a Justiça Eleitoral é que deve decidir sobre sua competência, e, mais, quais os limites de sua competência no caso concreto, em razão da conexão ou continência, e não a Justiça Federal, ainda que nesta tramite o processo.

Na Justiça Eleitoral, a unidade de processo e julgamento, por seu turno, se impõe, pois esta só é afastada na concorrência entre a Justiça Militar ou Juízo da Infância e Adolescente e a jurisdição comum. A Justiça Eleitoral não está incluída nessas exceções taxativas do art. 79 do Cód. Processo Penal.

Ressalta-se, por oportuno, que não é impedimento para reconhecer a conexão o fato de já estar em curso a ação junto ao Juízo Federal.

Dispõe o Código de Processo Penal que se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte (art. 109)

A Lei institui aí o dever de o Juiz declarar sua própria incompetência, notadamente a incompetência absoluta, de ordem pública, como é aquela de que aqui se trata (conexão), visto  que em razão da matéria.

Não prevê a Lei em tal dispositivo necessária ocorrência de fato superveniente, pois, diferentemente do processo civil, no processo penal essa regra impõe o reconhecimento de ofício pelo Juiz mesmo em caso de incompetência relativa, e a qualquer tempo.[3] O único limite para isso é a prolação da sentença, segundo entendimento jurisprudencial.

Igualmente, não é empecilho para o juiz federal declinar de sua competência  haver denúncia formal por crime eleitoral, até porque rege a ação penal pública a regra da obrigatoriedade, inscrita no art. 24 do Código de Processo Penal, segundo o qual a ação penal “será promovia por denúncia do Ministério Público”. A observância dessa regra está na esfera das atribuições do Promotor naturalmente competente, no caso o Promotor Eleitoral, com sindicância judicial (CPP, art. 28).

A propósito, eis perfeita síntese doutrinária: aos órgãos persecutórios criminais não se reserva qualquer critério político ou de utilidade social para decidir se atuarão ou não.[4]

É axiomático que o réu se defende do que está descrito, e não do que está capitulado. E se a descrição da denúncia das condutas imputadas refere-se a crime eleitoral, ainda que não esteja assim capitulado pelo Ministério Público, devem os dois crimes (comuns e eleitorais) ser  julgados pela Justiça Eleitoral.

A verificação da conexão entre crimes leva à conexão entre processos, e não o inverso: prévia é a verificação da conexão entre os crimes, precisamente para se evitar o erro de se instaurarem dois ou mais processos concomitantemente.

Tanto é que o Código de Processo Penal impõe que a competência seja determinada pela conexão entre os crimes (arts.69, V; 76 e 77), sendo bastante tão só a conexão, não se havendo de instaurar o vício de processos simultâneos, ilegalmente tramitando, para só então corrigi-lo.

 

[1] “CONEXÃO ENTRE DELITO ELEITORAL E INFRAÇÕES PENAIS COMUNS – COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA ELEITORAL PARA APRECIAÇÃO E JULGAMENTO DO FEITO – REGRA EXPRESSA INSCRITA NO ARTIGO 35, INCISO II, DO CÓDIGO ELEITORAL – NORMA IMPREGNADA DE FORÇA, VALOR E EFICÁCIA DE LEI COMPLEMENTAR.” (STF, Pet 5801 AgR-segundo, Ministro Celso de Mello, 2ª T., un., j. 22/2/19, DJe 1/3/19.

[2] “Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.”

[3] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli [e] FISCHER, Douglas, Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2010, pág. 340.

[4] LIMA, Renato Brasileiro de, Manuel de Processo Penal, vol. único, 6. ed., Salvador: JusPodivum, 2018, pág 245.

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