Cortez Pereira, um visionário no poder

Autor(a): Nélio Silveira Dias Júnior

Data: 30/11/2024

José Cortez Pereira de Araújo nasceu, em 1924, na encantadora Currais Novos, de uma tradicional família da região do Seridó, lugar de gente simples e alegre. Filho de Vivaldo Pereira de Araújo, agricultor, comerciante e líder político local, e de Olindina Cortez Pereira de Araújo.

A sua infância foi marcada pela perda precoce de sua mãe, que faleceu 40 dias após seu nascimento. Mas, essa angústia, que antes parecia um fardo, acabou moldando o caráter forte de Cortez Pereira.

Cortez, um menino introspectivo, encontrou consolo na leitura e nos estudos, que abraçou com entusiasmo. Aos 10 anos, ingressou no Convento das Carmelitas, em Goiana/PE, onde estudou Filosofia e Teologia. Contudo, percebendo não ter vocação religiosa, retornou à vida laica, com mais disciplina e conhecimento que o acompanhariam pelo resto da vida.

Após estudar em Natal e Mossoró, fixou-se em Recife, onde concluiu os estudos no Ginásio Pernambucano e se formou em Filosofia, Ciências e Letras (1949) e em Direito (1952) na histórica Faculdade de Direito de Recife. Essas formações refletiam sua busca incessante por conhecimento, preparando-o para os desafios que enfrentaria.

O que poderia ter sido uma vida marcada pela tristeza e pelo isolamento transformou-se em uma dedicação ardente ao saber.

No campo jurídico, Cortez Pereira destacou-se na qualidade de advogado criminalista, especialmente no Tribunal do Júri, onde a sua oratória se tornou notável. E sua paixão pela educação o levou à docência, lecionando Introdução à Ciência Jurídica na UFRN, compartilhando seu saber com gerações de estudantes.

A chama da política, tão presente em sua família, logo ascendeu em seu coração.

Seguindo os passos de sua família – seu pai Vivaldo Pereira, figura proeminente na política de Currais Novos (prefeito e deputado estadual), sua irmã Maria do Céu Pereira Fernandes (primeira deputada estadual do Brasil), e seu cunhado Aristófanes Fernandes (prefeito, deputado estadual e deputado federal) – Cortez Pereira envolveu-se na política, tornando-se um líder estudantil admirável e, em pouco tempo, filiado à UDN, elegeu-se deputado estadual por três legislaturas consecutivas (1951 -1963), representando as vozes do povo potiguar.

Nos palcos políticos, Cortez regalou ao público a eloquência de suas palavras e a força de suas convicções. Em um discurso emblemático no Rio Grande do Sul, por exemplo, ele fez as vozes do Nordeste ecoarem de forma poderosa, denunciando as injustiças que as terras nordestinas enfrentavam sob a sombra das políticas de industrialização de Getúlio Vargas. Ovacionado de pé, recebeu os cumprimentos de figuras como João Goulart, Presidente da República, Tancredo Neves, Primeiro Ministro (o Brasil estava no regime parlamentarismo), e Leonel Brizola, Governador do Estado. Ganhou destaque nacional.

Mesmo em tempos de turbulência, a trajetória de Cortez continuou a brilhar. Suplente de Senador pela UDN, em 1962, assumiu o cargo por diversas vezes, na ausência de Dinarte Mariz, tendo a oportunidade de defender as causas nordestinas, tornando-se uma figura respeitada nacionalmente.

A sua firme atuação política e a sua cultura admirável o levaram a integrar a Diretoria do Banco do Nordeste, onde também representou a instituição junto à SUDENE, sempre com marcantes e convincentes pronunciamentos em defesa de projetos importantes ao desenvolvimento regional.

Com estudos aprofundados sobre o desenvolvimento rural e colonização no Brasil, Cortez tornou-se referência na área, produzindo relatórios que chegaram à OEA – Organização dos Estados Americanos, que o levou a viajar a diversos países para compreender as melhores práticas internacionais.

Sua capacidade intelectual e administrativa impressionou as Forças Armadas, em uma conferência em Recife no QG do IV Exército, o que contribuiu para a sua indicação para governador do Rio Grande do Norte, em 1970, pelo presidente Emílio Médici, no contexto no regime militar. A escolha não foi fácil. Além de Cortez Pereira, concorreram ao cargo o prestigiado mossoroense Dix-huit Rosado e o general Dióscoro Vale.

Antes mesmo de assumir o Governo, Cortez Pereira inovou: reuniu a sua equipe, composta majoritariamente por técnicos e professores da UFRN capacitados, e promoveu um curso sobre desenvolvimento econômico e administração pública ministrado pela Fundação Getúlio Vargas. Tal iniciativa tornou-se notícia nacional.

O Governo Cortez Pereira impulsionou vários setores da economia, com atenção especial à educação e ao desenvolvimento rural.

Concebeu grandes projetos agroindustriais, como os da Chapada do Apodi, do Mato Grande e da Serra do Mel. Também implantou um projeto piloto de sericicultura (Bicho-da-seda), com a plantação de amoreira em Nísia Floresta, assim como o projeto do Boqueirão, com a produção de coco em Touros, e o projeto de Criação de Camarão em Cativeiro, iniciado em Igapó, às margens do Rio Potengi. Incentivou o plantio de café fino na serra de Martins. Concebeu e implantou o projeto das Vilas Rurais de Colonização e de Reforma Agrária, entre outras iniciativas visionárias, como a fábrica de barrilha, “que lhe custou trabalho, suor e lágrimas”.

Foi um marco histórico que visava integrar e revitalizar as áreas rurais; um farol no meio da escuridão!

Para Cortez Pereira, a solução para a economia potiguar era a distribuição de grandes projetos agroindustriais – e não só plantas industriais na cidade – ocupando espaços vazios, para que a democratização fosse também geográfica, projetos voltados para tornar proprietários de terra agricultores sem terra; tornar o agricultor com terra o industrial da sua produção; e, enfim, este agroindustrial o exportador da sua produção industrializada.

A ideia era “criar uma classe média rural”.

A produção deveria ser daquilo que se poderia fazer de melhor: caju/castanha, coco, frutas nobres, camarão, seda, com mais condições de competição no mercado, diferentes dos principais produtos agrícolas brasileiros.

Além disso, duplicou a estrada Natal-Parnamirim, construiu o Bosque dos Namorados, Cidade da Criança, Centro de Turismo. Criou a EMPROTURN e a CIDA. Disponibilizou tratores e equipamentos ao pequeno e o médio agricultor, para revolucionar a agricultura. Implantou o projeto banho de luz em Natal, levando iluminação pública para muitas ruas da cidade. Introduziu o Programa Planejamento Familiar, socialmente moderno e pioneiro para época.

E fez muito mais…

A sua trajetória no governo do Rio Grande do Norte, em um momento difícil nacionalmente, marcou por inovação extraordinária, muitas daquelas ideias ainda são atuais e apontam para um futuro promissor para o Estado que ele governou.

Com o término de seu governo, em março de 1975, Cortez Pereira enfrentou a oposição política severa e injusta, que culminou, em 1976, na cassação de seus direitos políticos pelo Al-5, sob a acusação de atos lesivos ao Estado. Talvez isso tenha ocorrido por conta da má interpretação de alguns de seus projetos considerados de ideias de esquerda.

Após tempos de dificuldade, de anos de isolamento político e muita solidão, ele, com luta, retornou à política, se elegendo prefeito de Serra do Mel em 2001, onde não desistiu de fazer a diferença, para concluir o projeto que há 30 anos tinha idealizado. Embora a estrada estivesse repleta de desafios, o seu desejo de servir ao próximo o guiaria para sempre.

Cortez Pereira foi casado com Aída Ramalho Cortez, companheira de uma vida toda, na luta de governo e dos momentos difíceis, que, com ele, como gostava de dizer, formava uma unidade. Juntos, trouxeram ao mundo um filho e duas filhas, legando um testemunho de amor e resiliência em meio a complexidades da vida.

Cortez Pereira faleceu em 2004, fazendo as pazes com as injustiças do passado e acreditando que as sementes que plantou ainda iriam florescer. Ele não foi apenas um nome na folha da história; ele emergiu como um defensor fervoroso do social e do justo.

A história desse grande homem é uma lição de que, mesmo diante das adversidades mais sombrias, a luz do conhecimento e da paixão por um bem maior pode gerar um impacto duradouro.

Fontes:

Memória Viva – TVU – 1983

Os Notáveis do RN – Jurandyr Navarros

Figuras em Destaque – Fundação José Augusto

Resgate da Memória Política – João Batista Machado

A História Está nos Detalhes – Sérgio Trindade

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