Chico Miséria: um natalense arretado
Data: 07/10/2023
Chico partiu cedo, às pressas e sem se despedir. Voltou à origem, à fonte divina. Irradiar alegria, sua grande missão; e a grandeza da sua alma, sua marca registrada.
Chico Miséria foi um dos primeiros produtores culturais de Natal. Ele via a cultura como uma forma de enriquecer a identidade da comunidade local e promover o seu desenvolvimento.
Trouxe para cá uma gama de artistas para cantar, oportunizando à juventude da época pura diversão e acesso à música de qualidade.
Com essa turma fez amizade fraterna: Morais Moreira, Rita Lee, Fagner, Gilberto Gil, Elba Ramalho. Os dois primeiros eram dele compadres.
Com a vinda dos artistas de renome nacional, Chico Miséria agitava a cidade comercialmente, principalmente o famoso Caravela Bar, que ficava na Praia dos Artistas, embaixo da torre dos salva-vidas, parada obrigatória dessa turma.
Chico entendia que a cultura era uma parte essencial da vida de uma cidade, e que era importante valorizar e preservar as tradições culturais locais.
Atento às diversas manifestações artísticas, valorizou as artes plásticas de Natal. Buscou oportunidades para que artistas locais pudessem mostrar seu talento e compartilhar suas criações com a comunidade.
Chico Miséria foi também o primeiro galerista da cidade, com a Galeria de Arte Sagarana, expondo obras de artistas plásticos da terra e as vendendo, ajudando e divulgando os trabalhos dos pintores potiguares, às vezes iniciantes.
Na sua Chácara no Pium, abrigou vários artistas plásticos: Jordão, Marcelus Bob, Assis Marinho, que ali se dedicavam à arte. Local silencioso e bonito, cujo rio ao fundo dominava a paisagem, destacando-se a exuberância da vegetação verdejante, criando um cenário idílico. Fonte de inspiração artística. Ali, hospedou também grandes e renomados cantores, onde a boa música divertia a galera.
Viveu de forma intensa e rica a vida. Fez uma legião de amigos. Frequentemente é lembrado e relembrado por ter trazido alegria em suas brincadeiras.
Testemunhou isso a turma do Jardim de Infância dos anos 60, bloco carnavalesco do qual fez parte, que marcou geração em Natal.
Nesse bloco se divertiu deveras, até quando estava no serviço militar obrigatório. Em certo carnaval, Chico, de serviço no Exército, eis que passa o Jardim de Infância perto do Quartel. Ele não pensou duas vezes. Arriou o fuzil, abandonou o posto e caiu na gandaia. As consequências vieram, mas não perdeu a brincadeira!
Na juventude, a sua marca foi a irreverência.
Natal, em festa, comemorando uma data qualquer, organizou uma corrida de rua, com várias inscrições, inclusive a de Chico Miséria. A cidade toda prestigiou o evento. Gente famosa e tudo mais. As altas autoridades perfiladas na chegada. A largada é dada. Momentos depois, perto da linha da chegada, aparece Chico Miséria, molhado de suor, e cruza a linha em primeiro lugar. A ele, em cerimônia, é entregue o prêmio. Descoberto depois, que Chico largou, mas, logo em seguida, desviou por uma das ruas transversais da Prudente de Morais, pegou carona com o comparsa de lambreta que o deixou a metros da chegada. A confusão foi resolvida. Ninguém ficou prejudicado.
Suas brincadeiras eram criativas, divertidas e muitas vezes inusitadas, fazendo com que todos ao redor se envolvessem e se divertissem juntos.
Em uma gincana em Natal, surge de novo a lambreta famosa, pilotada por uma grande figura potiguar, trazendo na sua garupa uma linda mulher loira que passava pelas senhoras da sociedade e abria as pernas, dando o famoso lance, chocando a todos pela inusitada situação. Depois se descobriu que a figura era Chico Miséria, fantasiado de mulher.
As histórias de Chico Miséria são inesgotáveis. Todos daquela turma juvenil têm uma para contar. Seu senso de humor e habilidade em criar momentos memoráveis e divertidos, impressionava.
O Chico Miséria foi também empresário em Natal. Tinha uma loja de roupas masculinas: Hombre, inaugurada em 1973, na Av. Deodoro da Fonseca, em Cidade Alta, que, aqui, fez sucesso.
A empresa foi dirigida por ele com seriedade. O incentivo para o comércio veio dos seus tios: dona Alda e seu Eustáquio, proprietários da famosa Camisaria União, à época, a maior loja da Cidade Alta.
Francisco das Chagas Bezerra de Araújo (1943-2005) era filho de Waldemar Araújo e Nair. Foi pai cinco vezes em dois casamentos. Sua energia contagiante era capaz de iluminar até os corações mais pesados.
Chico Miséria se foi, mas seu espírito continua vivo pelo que contribuiu para a identidade cultural de Natal, tornando-se símbolo da voz e da alma da cidade.
Fontes:
Severino Ramos Duarte (Sebo Balalaika)
Nélio Silveira Dias (memória de conversas antigas).
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