Da arrecadação e da aplicação de recursos na campanha eleitoral.

 

Nélio Silveira Dias Júnior (Advogado)

7/8/2020

 

Para o Direito Eleitoral, a maior preocupação é a lisura nas eleições, sem a qual a  legitimidade estará comprometida. O seu equilíbrio passa pela arrecadação de recursos financeiros e a sua aplicação nas campanhas eleitorais. Evitar gastos com recursos não contabilizados (caixa 2) é, atualmente,  o grande desafio da Justiça Eleitoral!

No Direito Brasileiro, o financiamento da campanha é misto, pois tanto valores públicos, como valores privados nela são incorporados. [1]

O meio mais significativo de financiamento público é o realizado pelo Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), criado, recentemente, pela Lei nº. 13.487/2017, constituído por dotações orçamentárias da União em ano eleitoral (Lei nº 9.504/97, art. 16-C). Distribuídos os recursos do FEFC aos partidos políticos, e estes definindo os critérios  para sua distribuição, o candidato poderá deles fazer uso, desde que faça requerimento por escrito  à sua agremiação partidária (LE, arts. 16-A, § 7º, e 16-D, caput e § 2º).

Outra fonte de arrecadação é através do partido político, por meio de seus próprios recursos, desde que identificada a sua origem e que sejam provenientes de: a) doações  de pessoas físicas; b) contribuições de seus filiados; c) comercialização de bens, serviços ou promoções de eventos de arrecadação; d)  Fundo Partidário (LPP, art. 38).

Nesse último caso, é mais um exemplo de financiamento público.

Fora esse financiamento de campanha, pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, limitadas a 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição, mediante recibo assinado pelo doador e na conta do candidato beneficiado. A doação acima desse limite sujeita o doador ao pagamento de multa de até 100% da quantia que o exceder (LE, art. 23, §§ 1º a 3º).

Esse limite não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 por doador (LE, art. 23, § 7º).

Também é permitido ao candidato usar os próprios recursos em sua campanha até o total de 10% dos limites previstos em lei para gastos de campanha no cargo em que concorrer (LE, art. 23, caput e § 2º-A).

Além disso, tem-se o financiamento coletivo, realizado por meio de site na internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares. É a denominada vaquinha eleitoral. Desde 15 de maio do ano eleitoral, é facultada aos pré-candidatos arrecadação prévia de recursos nessa modalidade. Mas, a sua liberação por parte da empresa arrecadadora fica condicionada ao registro da candidatura e a realização de despesas de campanha deverá observar o calendário eleitoral (LE, arts. 23, § 4º, IV, e 22-A, §3º).

Finalmente, tem-se outra forma de se arrecadar dinheiro para campanha eleitoral: comercialização de bens e/ou serviços ou promoção de eventos realizados diretamente pelo candidato.

É importante salientar que os partidos devem destinar ao financiamento de campanha de suas candidatas,  no mínimo 30% , tanto do montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha,  quanto dos recursos do Fundo Partidário, estes dos gastos totais contratados nas campanhas eleitorais (Resolução nº 23.607/2019-TSE, arts. 17 § 4º; 19, §3º).

Por outro lado, é vedado, a partido e a candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade, procedente de: a) pessoas jurídicas; b)  origem estrangeira; c) pessoa física permissionária de serviço público. (Resolução nº. 23.607/2019-TSE, art. 31, e LE, art. 24).

Para aplicar os recursos arrecadados, é obrigatório ao candidato, antes, fazer a inscrição no CNPJ, até 3 dias após o recebimento do registro de candidatura (LE, art. 22-A), e, em seguida, abrir conta bancária específica para registrar o movimento financeiro da campanha. Procedimento este que deverá ser feito também pelo partido político (LE, arts. 22 e 22-A).

Arrecadados os recursos e cumpridos esses procedimentos, o candidato pode começar a aplicá-los em sua campanha eleitoral, que se inicia com o registro de candidatura e termina no dia da eleição.

Fora desse período não é permitida arrecadação, salvo para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia da eleição, as quais deverão estar integralmente quitadas até o prazo de entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral. Se isso não acontecer, os débitos podem ser assumidos pelos partidos políticos (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º; e Código Civil, art.299).

Todavia, o candidato só pode aplicar os recursos arrecadados em gastos eleitorais, assim considerados em lei ou, na sua ausência, aqueles que tenham por finalidade campanha eleitoral. Isso porque a lista do art. 26 da Lei nº. 9.504/1997 não é exaustiva, e sim exemplificativa.

A lei de regência considera gastos eleitorais, sujeitos a registros e aos limites legais:   confecção de material impresso; propaganda e publicidade direta ou indireta; montagem e operação de carros de som, de propaganda e assemelhados; a realização de comícios ou eventos destinados à promoção de candidatura; produção de jingles, vinhetas e slogans;   produção de programas de rádio, televisão ou vídeo para propaganda gratuita; e custos com criação de site e impulsionamento de conteúdo na internet.

Não só esses serviços voltados diretamente para propaganda eleitoral são gastos eleitorais, outros vinculados à campanha, de acordo com a lei de regência, também são assim considerados: aluguel de locais para a promoção de candidatos; despesas com transporte de candidato e de pessoal a seu serviço; correspondência postal; instalação, organização e funcionamento de comitês;   remuneração de pessoal a serviço de candidaturas ou de comitês;  realização de pesquisas.

São exceção à regra  de doação os serviços advocatícios e os de contabilidade.

As despesas com esses serviços, incluindo aí pagamento de honorários com processo judicial na defesa de candidato ou partido político, no curso das campanhas eleitorais, são gastos eleitorais, mas serão excluídas do limite de gastos de campanha, assim como  não serão consideradas para a aferição do limite legal de doação prevista  para pessoa física,  e não constituem doação de bens e serviços estimáveis em dinheiro (LE, arts. 23, § 10; 26§ 4º).

Para pagamento dessas despesas, por serem considerados gastos eleitorais, poderão ser utilizados recursos da campanha do candidato, do Fundo de Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Todavia, se forem utilizados recursos do FEFC serão informados na prestação de contas do candidato (LE, art. 56, §§ 5º e 6º).

Diferentemente, não são considerados gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as despesas de natureza pessoal do candidato, como prevê expressamente a Resolução nº. 23.607/2019-TSE: combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha; remuneração, alimentação e hospedagem do condutor desse veículo; alimentação e hospedagem própria; uso de até três linhas telefônicas registradas em seu nome como pessoa física (art. 35, § 6º).

Pela incoerência do dispositivo, há necessidade de interpretação judicial sobre o assunto para melhor entendê-lo e aplicá-lo, pois a sua interpretação literal vai de encontro ao sistema de arrecadação de recursos e  gastos eleitorais, haja vista serem despesas básicas e essenciais de campanha,  que não podem deixar de ser pagas com recursos de campanha, principalmente se tratando de candidatos não abastados, sob pena de inibir e desencorajar a disputa.

Agora, despesas com combustível podem ser consideradas gastos eleitorais se, apresentada documentação fiscal com o CNPJ da campanha, for para abastecimento de: a) veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento; b) veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que sejam declarados originariamente na prestação de contas (Resolução nº. 23.607/2019-TSE, art. 35, § 11).

Da mesma forma e nas mesmas condições, os candidatos podem realizar despesas com geradores de energia, decorrentes de locação ou cessão temporária.

Sofreu significativa alteração a contratação  direta ou terceirizada de pessoal para prestação de serviços referentes a atividades de militância e mobilização de rua nas campanhas eleitorais, que, aqui, merece destaque.

A realização desses gastos eleitorais observará agora critérios para aferição do limite de número de contratações: a)  em municípios com até 30 mil eleitores, não excederá a 1%  do eleitorado; b) nos demais municípios e no Distrito Federal, corresponderá ao número máximo apurado na hipótese anterior, acrescido de uma contratação para cada mil eleitores que excederem o número de 30 mil (Lei nº 9.504/1997, art. 100-A).

Essa mesma regra se aplica para eleição de prefeito. Mas,  para a eleição de vereador, o limite é de 50% do previsto para a de prefeito.

É oportuno ressaltar que qualquer eleitor poderá realizar gastos, pessoalmente, em apoio a candidato de sua preferência, até a quantia de R$ 1.064,10, não sujeitos a contabilização, desde que não reembolsados (LE, art. 27).

Qualquer conduta relativa à arrecadação e gastos de recursos em desacordo com a lei eleitoral deve ser apurada pela Justiça Eleitoral, mediante representação de qualquer partido ou candidato, no prazo de 15 dias da diplomação. Comprovada captação ilícita de recursos, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado (LE, art. 30-A).

Logo, como a sanção para a infração é a negação do diploma ou a sua cassação, o agente passivo da investigação é o vencedor, pois só ele vai receber ou já recebeu o diploma. Decorre daí que a investigação pode ser proposta antes da diplomação, mas somente depois da eleição[2]

No entanto, para as irregularidades com relação à  arrecadação e gastos de recursos, cometidas durante a campanha eleitoral por candidatos ou não, podem configurar abuso de poder econômico, apuráveis através de ação de investigação judicial eleitoral, cominando-lhes sanção de inelegibilidade (8 anos) e cassação de registro ou diploma, conforme o caso (LC 64/90, art. 22, caput e inciso XIV).

Por sinal, algumas condutas de arrecadação e gastos de recursos têm punição própria e também são apuradas por meio da ação de investigação judicial eleitoral.

É o caso do  descumprimento dos limites de gastos fixados para cada campanha. Isso  acarretará o pagamento de multa em valor equivalente a 100% (cem por cento) da quantia que ultrapassar o limite estabelecido, sem prejuízo da apuração da ocorrência de abuso do poder econômico (LE,  Art. 18-B), por meio de investigação judicial eleitoral (LC 64/90, art. 22).

Temos ainda o uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta específica. Nesse caso, implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato; comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado (LE, art. 22, § 3º).

Enfim,  o ajuizamento de ação de investigação judicial eleitoral por prática de abuso de poder econômico, prevista no art. 22 da LC nº 64/90, não impede o manejo de representação por captação ilícita de recursos, alicerçada no art. 30-A da Lei nº 9.504/97, pois o cotejo dessas vias processuais revela que as suas consequências jurídicas não são coincidentes e, ainda que o fossem, os requisitos legais para a configuração de um e de outro ilícito são distintos, assim como na AIJE o polo passivo inclui  não somente o candidato eleito, mas também aqueles que houverem concorrido para a prática do ato (TSE, RO 218847, Rel. Min. Tarcísio Vieira,  DJE – 18/05/2018).

[1] OLIVEIRA, João Paulo. Direito Eleitoral. 6. ed. JusPODIVM: Salvador/BA, 2018, pág. 142.

[2] CONEGLIAN, Olivar. Eleições: radiografia da Lei 9.504/1997. 10. ed. Curitiba: Juruá, 2018, págs. 206/207.

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