Anos 80, uma turma de Natal: Eggs Gang

Autor(a): Nélio Silveira Dias Júnior

Data: 02/12/2023

Apesar do nome esquisito e, de certo modo, assustador, era uma turma juvenil, apenas isso. Formada por uns dez adolescentes, cujo foco principal era a brincadeira, a diversão. Era uma espécie do bloco carnavalesco do Jardim de Infância fora de época.

Essa turma conheci de perto, muito perto…

Os anos 80 foram um período de mudanças e desafios para a juventude. Influenciados pela cultura, pela política e pela economia da época, os jovens buscaram sua identidade, participaram de movimentos e enfrentaram os desafios próprios dessa fase da vida.

Natal sofreu essa influência, mas de forma mais lenta. A juventude da classe média daquela época não tinha na cidade muita opção de divertimento. Vivia a expectativa dos grandes eventos privados: as festas americanas (improvisadas), os aniversários de 15 anos e os bailes de debutantes, promovidos pelos colunistas sociais, com presença marcante de artistas famosos.

Um baile de debutante, em especial, promovido por J. Epifânio, foi muito badalado e divulgado pela presença do famoso artista Lauro Corona. Marcou aquela década.

Na pacata Natal, essa festa a turma não poderia perder, de jeito nenhum.

Uma semana antes desse grandioso e esperado evento, teve uma badalada festa, de uma linda jovem, pertencente a uma das mais tradicionais famílias natalenses. O local, a própria casa. Natal em peso foi convidada. Jovens e adultos, todo mundo. A dona da festa, muito elegante e de educação refinada, recepcionou o evento. Comida e bebida fartas e da melhor qualidade. O casarão era tradicional e belíssimo, de construção do começo do século XX, com decoração refeita pelo arquiteto Ubirajara Galvão, com algum toque modernista, área externa grande e com um jardim exuberante, lindas esculturas, com piscina de azulejo, pintado no fundo uma figura mitológica pela artista plástica Marlene Gouveia Galvão.

A turma, com média de 15 anos, iniciante na bebida alcoólica, encheu a cara. Lá pelas tantas, um dos integrantes, o mais bêbado, começou a brincar e tirar sarro de uma escultura, renascentista talvez, cujo nu masculino era exposto. O dono da festa viu e lhe deu um esbregue, daquele que deixa a pessoa desnorteada. Aí a galera, unida na dor, própria da adolescência, reuniu-se e decidiu ir embora, e se dirigiu à calçada. Quase todos estavam lá, esperando por um ou dois retardatários, quando chegou o dono da festa, com um vozeirão que punha medo até nos mais corajosos, e gritou:

– Ou entrem na festa ou saiam. A calçada é lugar de rapariga e de vagabundo…

Nesse dia, sobrou até para um jovem pacato que nada tinha a ver com a turma nem com o ocorrido, que estava na calçada apenas esperando a sua carona para ir para casa.

Aí a turma, inconsequente e revoltada com a grosseria, saiu rapidamente e foi lanchar num trailer. Lá, pensou, resmungou e decidiu: o esporro não vai sair barato. A solução é esculhambar com a festa, jogando ovo. Decisão aprovada, plano bolado e execução realizada: quatro carros, com três em cada um, passaram na frente da casa e arremessaram os ovos, uns doze, aproximadamente. Nenhum atingiu o alvo: o dono da festa. Apenas uns três chegaram a assustar, pegando na borda da piscina e perto das mesas. A pontaria da turma parecia não ser tão boa!

No outro dia, bateu o arrependimento e é claro o medo dos pais. A esperança era o episódio não ser descoberto. Àquela altura ninguém desconfiava quem tinha feito aquilo. Atribuía-se a vândalos…

O burburinho era grande. Uma das convidadas, horrorizada com o acontecido em uma festa da alta sociedade, dizia:

– Isso só pode ser obra de gente de família desajustada.

Outra complementava raivosa:

– Ou filho de gente que não tem educação;

Outra, também, bradava:

– Só pode ser coisa de quem não foi convidado, um despeitado qualquer.

Para o desespero da turma, não demorou e no fim daquela semana a façanha foi descoberta.

Resultado: mãe decepcionada; mãe adoeceu com forte enxaqueca, pois não imaginaria que seus filhos pudessem fazer aquilo; pai revoltado, querendo bater no filho, já que a sua educação não admitia esse tipo de comportamento.

Mas, o castigo foi inevitável: proibição de ir ao grande baile de debutantes. Pior não poderia ter sido. Antes uma surra!

A grande festa daquela turma foi por água a baixo. Verdadeiramente o crime não compensa. Do episódio, a turma ganhou o nome: Eggs Gang, mas ficou a lição e o arrependimento. E, hoje, restou a vergonha.

Castigo dado e lição aprendida, a Eggs Gang voltou a se divertir, ainda com poucas alternativas, mas sem jogar ovos em nada e em ninguém. Na ocasião, preponderava música disco nas boates, a principal delas era uma que ficava dentro do Centro de Turismo de Natal (Antiga Cadeia Pública), inicialmente, chamada de Calabouço, depois, Club 7, e, por fim, Pool. A outra famosa era a Apple (em Ponta Negra), pouco frequentada à época, pois era reduto das turmas mais velhas.

Em tempos e tempos, sempre no Palácio dos Esportes, vinham pra cá Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Titãs, Barão Vermelho, RPM. Novas bandas em busca de identidade e liberdade, com letras e músicas revolucionadoras, carregadas de reflexões sobre a realidade brasileira. A turma ia ao delírio. Lulu Santos era a sua banda favorita. Na música, o rock dominou a década.

Os jovens também buscavam sua identidade na moda, com influências vindas de grandes centros urbanos. O estilo da década incluía cabelos volumosos e roupas mais coloridas, calças folgadas de elásticos. Aqui, a marca OP era a preferida da turma e a loja era “Opeste”.

Em Natal, o turismo começava a se desenvolver de forma mais significativa. O Centro de Turismo era uma opção e o Zás-Trás, uma diversão. A cidade também recebia investimentos em infraestrutura, com crescimento do comércio e a construção de novos empreendimentos.

Os anos 80 foram um período marcante na história política do Brasil. O país passava pelo processo de abertura política. O movimento das “Diretas Já”, em 1984, foi um marco importante, com manifestações populares pedindo eleições diretas para Presidente. Embora não tenham sido imediatamente conquistadas, esse movimento foi um passo significativo rumo à redemocratização.

A política era interesse da juventude, ávida por mudança, e a turma participou de manifestações, testemunhado um período em que as lutas políticas ganharam força em Natal.

Em 1985, foi a eleição direta de prefeitos. Natal elegeu Garibaldi Alves Filho. Dessa campanha, a Eggs Gang participou das movimentações políticas. Era muita curtição. A turma comprou um Dodge velho, caindo aos pedaços, fez nele um palanque e saiu nas passeatas e nos comícios.

O Dodge era um sucesso. E a turma impôs regra: só pode sair com ele para eventos específicos e com todo mundo. Como, na adolescência, o bom era descumprir regra, vez por outra se aprontava com o Dodge. Dois da turma, mais afoitos, pegaram, sorrateiramente, o Dodge, para passear, principalmente, para dar uma volta na Praia dos Artistas. Essa volta, nos anos 80, era famosa, como se fosse o corso carnavalesco dos anos 60 em Natal, por ser um ponto de encontro da garotada, de muita paquera. Para chamar a atenção, valia de tudo, até passar ali com o Dodge velho. Era uma sensação!

Mas, a farra desses integrantes não durou muito. Certa vez, depois de subir a Ladeira do Sol, começou a sair fumaça do carro pelo capô. Um olhou por outro e disse: – vai explodir e o jeito é pular. E assim fizeram, e o carro saiu andando sozinho até encostar no muro. Ninguém saiu ferido e a risadagem foi grande. A artimanha foi descoberta pelos outros amigos e a brincadeira acabou. A punição foi dada: não dirige mais o Dodge.

No ano, seguinte, em 1986, veio a eleição para governador. Geraldo Melo eleito numa campanha dificílima, com muitas movimentações políticas. Outro Dodge foi comprado e a Eggs Gang voltou à cena. As passeatas varavam a noite, sempre com muita animação, puxadas por trio-elétrico. Os comícios acabavam sempre com shows de grandes cantores, naquela época podia. Um, em especial, marcou a turma, o da Banda Blitz, comandada por Evandro Mesquita, ocorrido na Redinha. Nesse dia, a turma pegou direto. Ao voltar da passeata, às 6 da matina, reabasteceu o carro e partiu rumo ao Show. Postura própria da juventude irreverente e rebelde.

A década acabou e a turma se desfez. Cada um tomou seu rumo nas suas profissões: administradores, engenheiro, arquiteto, advogado. Os anos passaram, mas a lembrança ficou, “de tempos idos e vividos”, que agora só a saudade pode voltar, desenhando um sorriso triste nos lábios.

Voltar