Alteração do regime de bens, com a respectiva partilha, sem dissolver o casamento

Por Nélio Silveira Dias Júnior

Advogado

O casamento estabelece comunhão plena da vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges (Código Civil, art. 1.511).

Isso significa que os cônjuges compartilham não apenas responsabilidades e tomada de decisões, mas também os bens materiais.

É licito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial (CC, arts. 1.639 e 1.640).

Em geral, o regime de comunhão parcial de bens é denominado o regime legal do casamento, a não ser que haja um acordo pré-nupcial, estabelecendo outra forma de regime.

Nesse regime, todos os bens adquiridos durante o casamento são considerados propriedade conjunta dos cônjuges. Têm direitos iguais sobre eles. Mas, nessa situação, não se tem como especificar qual bem pertence a quem. Isso só com a partilha dos bens, que ocorre, grosso modo, com o fim do casamento, que se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio (CC, art. 1.571).

Malgrado não haja previsão legal específica, com a separação de fato cessam os efeitos do regime de bens, porquanto não mais existente a presunção de esforço comum, uma vez que terminou o dever de fidelidade recíproca e o dever de coabitação, conforme já decidiu reiteradamente o Superior Tribunal de Justiça. As hipóteses do art. 1.571, do Código Civil, não são taxativas. O que significa dizer que, depois da separação de fato, ocorre o fim da sociedade conjugal e o término da comunicabilidade do patrimônio, ocasião em que o acervo patrimonial pode ser partilhado. Assim, os bens posteriormente adquiridos pertencem exclusivamente a quem os adquiriu, para evitar o enriquecimento ilícito.

Portanto, três são as hipóteses de finalizar o regime de bens e, consequentemente, partilhá-los.

No entanto, é ampla a autonomia da vontade do casal quanto aos seus bens.

Com base nesse princípio, sem dissolver o casamento, é admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros (CC, art. 1.639, § 2º).

Para MARIA BERENICE DIAS, de todo descabido que o pedido de alteração seja justificado. E mais, que a motivação seja provada. Ora, a simples pretensão de alterar o regime conjugal deve ser suficiente para preservar a paz conjugal. Antes do casamento os noivos têm a liberdade de escolher o regime de bens que quiserem, e a pretensão de alterá-lo, depois das núpcias, não carece de qualquer motivação, até porque expressamente são ressalvados direitos de terceiros.[1]

Esse é o entendimento a ser adotado e deve ser assim interpretado o Código Civil.

O legislador do novo Código de Processo Civil teve a oportunidade de alterar o entendimento, mas não o fez, manteve a exigência do Código Civil, ao estabelecer que “a modificação do regime de bens do casamento, observados os requisitos legais, poderá ser requerida, motivadamente, em petição assinada por ambos os cônjuges, expondo as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros” (Art. 734).

Com a intimação do Ministério Público e a publicação de edital (30 dias) com a pretendida alteração de bens, o juiz decidirá o feito. Com o trânsito em julgado da sentença, serão expedidos os mandados de averbação aos cartórios de registro civil e de imóveis, assim como ao registro público de empresas mercantis e atividades afins, em caso de um dos cônjuges ser empresário (CPC, art. 734, §§ 1º a 3º).

Em princípio, o efeito da sentença, que alterou o regime de bens, é ex nunc, valerá apenas para o futuro, isto é, a partir de seu trânsito em julgado, não prejudicando o ato jurídico perfeito. Todavia, o efeito poderá ser ex tunc, alcançando o ato passado, retroagindo à data da celebração do casamento, se a retroação for decorrente de expressa manifestação dos cônjuges e se for ressalvado o interesse de terceiros, como, por exemplo, alteração do regime de separação total para o da comunhão parcial ou universal de bens.

Na opinião de MARIA BERENICE DIAS, toda modificação de um regime econômico de comunicação de bens que, na constância da união venha a restringir direitos, deve pressupor a prévia liquidação do regime anterior e a correlata divisão dos bens já amealhados pelo regime automático da comunhão parcial[2].

Perfeito raciocínio jurídico, para se evitar fraude ou beneficiamento de um cônjuge em detrimento do outro, ou seja, enriquecimento sem causa.

Assim, se a alteração do regime de bens do casamento for o da comunhão parcial para separação total, o que é mais comum, devido à questão empresarial, é imprescindível, no momento dessa mudança, promover a partilha do patrimônio adquirido no regime anterior, mesmo permanecendo casado.

Essa se torna, por conseguinte, a única hipótese de se partilhar os bens dos cônjuges sem pôr fim ao casamento.

O Superior Tribunal de Justiça validou tal procedimento: diante de manifestação expressa dos cônjuges, não há óbice legal que os impeça de partilhar os bens adquiridos no regime anterior, de comunhão parcial, na hipótese de mudança para separação total, desde que não acarrete prejuízo para eles próprios e resguardado o direito de terceiros, reconhecendo a eficácia ex nunc da alteração do regime de bens que não se mostra incompatível com essa solução. [3]

Como se trata, em ambos os casos: alteração do regime e partilha de bens, de jurisdição voluntária (CPC, arts. 731/733 e 734), o pleito pode ser feito conjuntamente, uma vez que é lícita a cumulação, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão, desde que sejam compatíveis entre si, competente para deles conhecer o mesmo juízo e adequado o tipo de procedimento (CPC, art. 327, § 1º). A competência é a da Vara de Família.

A propósito, uma observação é importante.

Pondera MARIA BERENICE DIAS: É preciso o consenso das partes. Havendo a resistência de um, não pode ser buscada a alteração. Descabe o uso do processo litigioso, não se cogitando de suprimento judicial do consentimento para ser buscada a alteração do regime.[4]

Não poderia ser diferente. Se, antes do casamento, o casal escolheu o regime de bens, não seria justo, depois de um tempo alterá-lo, por autorização judicial. Sem concordância mútua isso não é possível.


[1] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: RT, 2016, pág. 330.

[2] DIAS, Maria Berenice. Alteração do Regime de Bens: efeito ex tunc ou ex nunc ? in artigo publicado no site: berenicedias.com.br

[3] STJ – REsp: 1533179 RS 2013/0367205-7, Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze, T3, DJe 23/09/2015.

[4] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: RT, 2016, pág. 332.

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