Alimentos provisórios e seus efeitos

Por Nélio Silveira Dias Júnior

(Advogado)

O direito a alimentos é um tema fundamental no Direito de Família, regulado principalmente pelo Código Civil e pela Lei nº 5.478/1968 (Lei de Alimentos). Dentre as diversas classificações possíveis, destacam-se os alimentos provisórios e os alimentos definitivos, que possuem naturezas e aplicações distintas.

Os alimentos provisórios são aqueles fixados liminarmente no início de uma ação de alimentos, antes da citação do réu, e baseiam-se em prova pré-constituída da relação jurídica entre alimentante e alimentando.

Esse tipo de alimentos é regulado pelo art. 4º da Lei nº 5.478/1968 e têm caráter urgente, visando garantir a subsistência do beneficiário enquanto o processo está em andamento.

Por sua vez, os alimentos definitivos, em geral, são aqueles fixados por sentença, após o contraditório e a instrução do processo, quando o juiz analisa todas as provas e define um valor adequado e proporcional às necessidades do alimentando e às possibilidades do alimentante (CC, art. 1.695).

A controvérsia que se impõe, nesse contexto, diz respeito aos efeitos das decisões que fixam alimentos provisórios, especialmente quando são posteriormente modificados por decisão judicial, seja pelo mesmo juízo, em sede de reconsideração, seja por tribunal de justiça, em grau recursal.

É comum que, após a fixação liminar de alimentos em valor mais elevado, sobrevenha decisão reduzindo tal quantia. Nessas hipóteses, surgem questionamentos sobre a retroatividade da nova decisão e seus efeitos sobre parcelas já vencidas e ainda quitadas.

Não raro, nessa situação, operadores do direito sustentam que a decisão superveniente, ao modificar os alimentos, retroage à data da citação, de modo que, mesmo inadimplente, o devedor estaria obrigado apenas ao pagamento das parcelas com os valores atualizados, e não aos originalmente fixados. Tese  supostamente respaldada no art. 13, §2º da Lei nº 5.478/1968e na Súmula 621 do STJ.

Tal entendimento, contudo,  é manifestamente equivocado.

Os alimentos provisórios têm fundamento específico no art. 4º da Lei nº 5.478/1968, que lhes confere eficácia imediata a partir da data da decisão que os fixa, independentemente de outra formalidade, obrigando o devedor alimentar a cumpri-la no momento que dela tomar conhecimento. Trata-se de medida urgente, cujo objetivo é assegurar a sobrevivência do alimentando enquanto se aguarda o desfecho do processo principal.

A interpretação correta da norma deixa evidente que os alimentos provisórios são devidos desde o momento de sua fixação judicial, e não a partir da citação da parte ré na ação principal. Aplicar, de forma automática, o art. 13, § 2º,  da Lei de Alimentos, que trata dos efeitos retroativos da sentença definitiva, à hipótese dos alimentos provisórios, representa grave equívoco e desvirtua a função protetiva da medida liminar alimentar.

Ainda, cumpre observar que o art. 13 da Lei nº 5.478/1968 refere-se claramente à sentença definitiva, o que se confirma pela sequência lógica dos artigos imediatamente anteriores, que tratam da instrução e da prolação da sentença (arts. 11, parágrafo único, e 12).

Além disso, a Súmula 621 do STJ, frequentemente invocada para sustentar essa tese, trata exclusivamente dos efeitos da sentença, o que se comprova pelo seu próprio texto: “Os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade.”

A súmula é clara ao se referir à sentença, instituto com conceito  bem definido no Código de Processo Civil[1]. Não se pode confundir sentença com decisão interlocutória[2], tampouco aplicar a súmula indistintamente a hipóteses de alimentos provisórios, que são concedidos por meio de decisões liminares,  e não por  sentenças.

Aplicar a Súmula 621 do STJ aos alimentos provisórios, no sentido de  admitir que decisões posteriores tenham efeito retroativo sobre os valores anteriormente fixados, é  entendimento  inadequado e perigoso, pois esvazia o conteúdo e a eficácia da medida liminar.

Além disso, tal interpretação incentivaria o inadimplemento das obrigações alimentares liminares, desestimulando o cumprimento voluntário das decisões judiciais e enfraquecendo o caráter emergencial da prestação alimentar.

Em suma, os alimentos provisórios são exigíveis de imediato e sua eventual modificação posterior não retroage, permanecendo devidos nos moldes originalmente fixados até o momento em que nova decisão venha alterá-los.

Qualquer interpretação em sentido diverso compromete a coerência e a efetividade do sistema jurídico de proteção alimentar, além de  subverter a ordem processual, em flagrante ofensa aos princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e da dignidade da pessoa humana.


[1] Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 487 , põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.

[2] § 2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º.

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