Alienação Fiduciária de Imóveis: um Direito Real de Garantia Descomplicado.
Nélio Silveira Dias Júnior
Com o crescimento vertiginoso de financiamento imobiliário no Brasil, o mercado sentiu a necessidade de ter uma garantia real mais ágil na recuperação do crédito, uma vez que a hipoteca já não atendia o anseio do seguimento, diante de sua pouca efetividade, visto que para executar a garantia tinha que ir ao Poder Judiciário, com resultado demorado e custoso.
Diante desse cenário, surgiu a alienação fiduciária de imóveis, com a publicação da Lei nº. 9.514/97, desburocratizando a instituição da própria garantia, posto que é possível sua constituição por instrumento particular, e dispensando a intervenção do Poder Judiciário, tendo em vista que a execução da garantia se dá na esfera extrajudicial.
A alienação fiduciária é um direito real de garantia, previsto na Lei nº. 9.514/97, como sendo um negócio jurídico pelo qual o devedor-fiduciante aliena o imóvel, como escopo de garantia, ao credor-fiduciário ou titular da propriedade resolúvel (art. 22).
Ao ser realizada a alienação fiduciária, o devedor-fiduciante transmite a propriedade ao credor-fiduciário e, por esse meio, demite-se do seu direito de propriedade. Em decorrência dessa contratação, constitui-se em favor do credor-fiduciário uma propriedade resolúvel. Por força dessa estruturação, o devedor-fiduciante é investido na qualidade de proprietário sob condição suspensiva.
Trata-se, portanto, de um negócio jurídico uno, embora composto de duas relações jurídicas: uma obrigacional, que se expressa no débito contraído, e outra real, representada pela garantia, que é um ato de alienação temporária ou transitória, uma vez que o fiduciário recebe o bem não para tê-lo como próprio, mas com o fim de restituí-lo com o pagamento de dívida.[1]
A propriedade fiduciária é instituída, respeitando a tradição do nosso Direito, através do competente registro do título aquisitivo junto ao oficial de Registro de Imóveis, acorde com a permissão derivada da inserção da alínea nº. 35 no art. 167 da Lei nº 6.015/73, decorrente do art. 40 da Lei nº. 9.514/97.[2]
Na alienação fiduciária, apenas é devido o imposto de transmissão inter vivos na primeira operação, ou seja, na transmissão do vendedor ao fiduciante, não incidindo na transmissão da propriedade resolúvel que se opera entre o fiduciário. Pago o preço, resolvendo-se a propriedade do fiduciário, não incide o imposto de transmissão. Todavia, consolidada a propriedade nãos mãos do fiduciário, incidirá o imposto, cuja base de cálculo será o saldo devedor ou o valor venal, o que for maior. Também incide o imposto na venda em leilão. [3]
Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se a propriedade fiduciária do imóvel, resultando o cancelamento do registro da propriedade fiduciária no Registro de Imóveis, mediante averbação do termo de quitação fornecido pelo fiduciário, ocasião em que ocorre a reversão da propriedade plena para o fiduciante.
Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do fiduciário, passando daí a ter o direito de vendê-lo em leilão público, para, com o produto da venda, satisfazer o seu crédito.
Assim, consolidada a propriedade em nome do fiduciário, estará legitimado não só para promover leilão para a alienação do imóvel, como também para promover a ação de reintegração de posse (Lei 9.514/97, arts. 27 e 30).
O credor deverá oferecer o imóvel à venda em dois públicos leilões, salvo se mediante transação, as partes tiverem adotado outra forma de acertamento. No primeiro leilão, o imóvel será ofertado pelo valor de avaliação estabelecido pelas partes no contrato, observados os critérios de revisão que tiverem convencionados (Lei 9.514/97, art. 24, VI) e, no segundo, pelo valor da dívida, encargos e despesas.[4]
Se no segundo leilão não houver participante ou o produto da venda não bastar para o resgate integral do débito, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o devedor da obrigação, conservando a propriedade em nome do fiduciário.
Sem embargo disso, na alienação fiduciária em garantia, o fiduciante, com a anuência do fiduciário, pode dispensar a realização de leilão, dando o imóvel em pagamento da dívida, mediante dação, pois essa forma de pagamento encerra uma negociação específica, que comporta proposta e aceitação, processo no qual se presume que, ao celebrá-la, as partes já tenham negociado satisfatoriamente o acertamento de seus haveres.[5]
As garantias fiduciárias em geral distinguem-se das garantias reais tradicionais de hipoteca e penhor porque nestas o bem objeto de garantia, embora gravado e atrelado ao cumprimento de determinada obrigação, permanece no patrimônio do devedor, enquanto na garantia fiduciária o bem é transmitido ao patrimônio do credor fiduciário e nele alocado num patrimônio de afetação, aí permanecendo até que se extinga a obrigação.[6]
Como todo e qualquer direito real de garantia, a propriedade fiduciária é direito acessório da obrigação principal; constitui-se pelo registro do título; confere ao credor fiduciário o direito de sequela; e indivisível, isso significando que o pagamento parcial da dívida não importa em liberação proporcional da garantia, salvo se expressamente convencionada; e assegura ao credor fiduciário preferência sobre os demais credores do devedor fiduciante, tendo em vista que o bem transmitido em garantia fiduciária é excluído do patrimônio do devedor e passa a integrar um núcleo patrimonial separado e, portanto, não integra a massa concursal. [7]
E mais: como a garantia fiduciária se efetiva mediante transmissão da propriedade do fiduciante ao fiduciário, fica claro que, vindo o fiduciante a se tornar insolvente, o bem objeto de propriedade fiduciária não é alcançado pelos efeitos de sua falência ou do procedimento de sua recuperação judicial porque não se encontra no seu patrimônio. [8]
Não obstante a Lei nº. 9.514/97, ao instituir a alienação fiduciária de coisa imóvel, dispor sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, com o propósito de facilitar o crédito e fomentar os negócios imobiliários, o instituto não é privativo de instituições financeiras, como alguns podem supor; ao contrário, pode ser livremente utilizado por pessoa física ou jurídica, para garantir qualquer negócio jurídico, de acordo com o art. 22, §1º, com a alteração dada pela Lei nº. 11.481/2007.
Assim sendo, para FLÁVIO TARTUCE, pode-se denominar o negócio jurídico existente entre as partes de alienação fiduciária ou cessão fiduciária. A expressão alienação é mais bem utilizada na hipótese de efetiva aquisição de certo bem móvel ou imóvel no meio social, em que o agente financeiro empresta e se torna proprietário da coisa. Por outro lado, o termo cessão deve ser utilizado se o devedor já é dono do objeto e apenas o cede como forma de garantia, o que se admite desde o advento da Súmula 28 do Superior Tribunal de Justiça.[9]
Nesse momento, é a cessão fiduciária, razão deste trabalho (artigo de opinião), a qual deve ser enaltecida e difundida, malgrado atinja os negócios jurídicos menos vultosos, visto que atende, por outro lado, grande parcela da população, que vende imóveis a prazo, e, às vezes, precisa de uma garantia eficaz do comprador, para que, ocorrendo a inadimplência, possa recuperar seu crédito com segurança e rapidez.
Enfim, a cessão fiduciária é um Direito Real de Garantia Descomplicado.
[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil – V. 4. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, pág. 584.
[2] SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio. Direito Imobiliário . 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, pág. 416.
[3] Idem, ibidem.
[4] CBALBUB, Melbim Namem. Alienação Fiduciária de Bens Imóveis sob a Perspectiva do Código do Consumidor. Artigo publicado no livro Direito Imobiliário, São Paulo: Atlas, 2015, pág. 531.
[5] Idem, ibidem, pág. 532.
[6] Melbim Namem Cbalbub, op. cit. pág. 526
[7] Idem, ibidem.
[8] Idem, ibidem, pág. 529.
[9] TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Volume 4. 6. ed. São Paulo: Método, 2014 pág. 555
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