A usucapião extraordinária e suas peculiaridades
Por Nélio Silveira Dias Júnior
Advogado
A propriedade, embora seja perpétua, não pode conservar este caráter senão enquanto o proprietário manifestar a sua intenção de manter o seu domínio, exercendo uma permanente atividade sobre a coisa possuída. A sua inação durante certo tempo constitui uma aparente e tácita renúncia ao seu direito[1].
Por outro lado, se um indivíduo, durante anos, exerceu direitos de propriedade (uso e gozo) sobre coisa alheia é digno de proteção[2].
Essa proteção pode consistir em o possuidor adquirir a propriedade do imóvel possuído de forma originária, através da ação de usucapião.
A usucapião extraordinária é uma opção, a depender da situação fática apresentada e respeitada as condições exigidas legalmente.
Por exemplo: aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis (Código Civil, art. 1.238, caput).
Para que o juiz possa declarar a propriedade, por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis, em suma, basta a demonstração do ânimo de dono e a continuidade e tranquilidade da posse por, no mínimo, quinze anos.
Portanto, para a usucapião extraordinária, o primeiro requisito exigido pelo Código Civil, no seu art. 1.238, é o ânimo de dono.
Requer-se, de um lado, atitude ativa do possuidor que exerce os poderes inerentes à propriedade; e, de outro, atitude passiva do proprietário, que com a sua omissão, colabora para que determinada situação de fato se alongue no tempo.[3]
Em outras palavras, o usucapiente deve demonstrar e provar que possui o imóvel como seu.
O segundo requisito da posse ad usucapionem é que seja mansa e pacífica, isto é, sem oposição.[4]
O usucapiente deve utilizar o imóvel sem ser sequer incomodado por quem quer que seja.
Só o fato de mudar-se para outro local não significa, necessariamente, abandono da posse, se continuou comportando-se como dono em relação à coisa.[5]
Como terceiro requisito, deve a posse ser contínua, isto é, sem interrupção.
O possuidor não pode possuir a coisa em intervalos, intermitentemente. É necessário que a tenha conservado durante todo o tempo e até o ajuizamento da ação de usucapião[6].
Todavia, o possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido para a usucapião extraordinária, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores – sucessor universal (transmissão hereditária) e sucessor singular (transmissão por ato inter vivo – accessio possessionis), sendo necessária a prova da relação jurídica entre eles – contanto que todas as posses sejam contínuas, pacíficas, ex vi do art. 1.242 c/c o art. 1.207, do Código Civil.
Como se vê, não há requisito de boa-fé ou outro elemento subjetivo. A boa-fé não se presume, pois a sua usucapião extraordinária é assegurada quando o possuidor esteja em má-fé desde o início da posse. Não se discute se o possuidor sabia ou não da existência de título de proprietário.[7]
Enfim: o que não se admite, para fins de usucapião extraordinária, é a posse violenta, clandestina ou precária.
Outra forma de usucapião extraordinária é a denominada posse-trabalho.
Se o possuidor, por 10 anos, houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo, também, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé (Código Civil, art. 1.238, parágrafo único).
O Código Civil (parágrafo único do art. 1.238) refere a “caráter produtivo” das obras e serviços, mas estes não são exclusivamente de natureza econômica e sim os que deem utilidade real ao imóvel urbano ou rural. Para essa redução, a lei não limita a área máxima do imóvel e não exige requisito de boa-fé. [8]
O possuidor com posse ad usucapionem ajuizará ação declaratória no foro da situação do imóvel, que deverá ser precisamente individuado na inicial, uma vez que é reivindicado o domínio sobre ele. [9]
A ação deve ser ajuizada contra aquele em cujo nome estiver registrado o imóvel, devendo o autor, além de expor o fundamento do pedido, juntar planta da área usucapienda (LRP, art. 216, II).
Por oportuno, lembra Carlos Roberto Gonçalves que “o Código de Processo Civil de 2015, diferentemente do anterior, não prevê um procedimento especial para a ação de usucapião, embora a ela se refira nos arts. 246, § 3º, e 259, I”[10], o que significa dizer que o rito a ser adotado é o ordinário, estabelecido do Código de Processo Civil.
Na ação de usucapião de imóvel, os confinantes serão citados pessoalmente, exceto quando tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, caso em que tal citação é dispensada (CPC, art. 246, § 3º).
Com relação a possíveis terceiros interessados, o Código de Processo Civil determina a publicação de edital, na ação de usucapião de imóvel (art. 259, I).
É indispensável, ainda, a intimação dos representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para que manifestem interesse na causa (LRP, art. 216-A, § 3º). Embora esse dispositivo legal trate especificamente de usucapião extrajudicial, mostra-se relevante também na forma judicial. Não há razão jurídica para ali exigir e aqui não.
Não havendo regra específica sobre a fixação do valor da causa nas ações de usucapião, deve-se adotar o critério estabelecido para ação reivindicatória, em razão da similitude do objeto: aquisição da coisa, ou seja, “o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido” (CPC, art. 292, IV).
Satisfeitos os requisitos legais, poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel. A declaração obtida constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis (CC, art. 1.241, parágrafo único).
[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro – vol. V. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pag. 236.
[2] Idem, ibidem.
[3] GONÇALVES, Carlos Robrto, Direito Civil Brasileiro – vol. 5, 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 279.
[4] Idem, ibidem, pág. 280.
[5] Idem, ibidem, pág. 281.
[6] Carlos Roberto Gonçalves, op. cit. pág. 280.
[7] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Coisas – Volume 4 – 4. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 147.
[8] LÔBO, Paulo. Direito Civil – volume 4, 4. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág. 147
[9] Carlos Roberto Gonçalves, op. cit. pág. 291.
[10] Carlos Roberto Gonçalves, op, cit. págs. 291/292.
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