A participação das partes na prova pericial no Direito de Família

Nélio Silveira Dias Júnior (Advogado)

A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação (CPC, art. 464, caput).

Entretanto,  não será o caso de perícia se: a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico, ou for desnecessária em vista de outras provas produzidas, ou, até mesmo, a verificação for impraticável (CPC, art. 464, § 1º).

Caso não se enquadre em nenhuma dessas hipóteses, o juiz deferirá a perícia, nomeando perito especializado no objeto da prova pericial e fixando, de imediato, o prazo para entrega do laudo (CPC, arts. 465, caput).

Após a nomeação, as  partes terão o prazo de  15 dias, contados da intimação do despacho de nomeação do perito, para: arguir o impedimento ou a suspeição do perito; indicar assistente técnico; e apresentar quesitos (CPC, art. 465, § 1º).

A transparência na realização da perícia é fundamental. Por isso, o legislador estabeleceu que as partes devem ter ciência da data e do local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para o  início da produção da prova (CPC, art. 474).

Isso é assim porque cabe às partes acompanhar e fiscalizar os trabalhos periciais.

No Direito de Família, a perícia assume grande relevância, especialmente quando se trata de avaliar menores de idade e os pais, a fim de que o juiz possa decidir sobre a guarda e estabelecer o direito de visitação, bem como para avaliar melhor a existência de alienação parental.

Neste contexto, a psicologia desempenha um papel primordial, devendo se harmonizar com a ciência jurídica  para assegurar a  melhor decisão em relação aos direitos do menor.

Todavia, embora seja essencial o diálogo entre essas duas áreas do conhecimento, a psicologia não se sobrepõe às regras processuais,  fundamentais para garantir o contraditório e a ampla defesa, consectários do devido processo legal (CF, art. 5º, LV e LIV).

O Conselho Federal de Psicologia editou a Resolução nº 008/2010, que vem sendo adotada em todo o Brasil, no sentido de que “o psicólogo assistente técnico não deve estar presente durante a realização dos procedimentos metodológicos que norteiam o atendimento do psicólogo perito e vice-versa, para que não haja interferência na dinâmica e qualidade do serviço realizado” (art. 2º).  

Essa prática, tem sido rotineiramente adotada no Rio Grande do Norte, o que, com o devido respeito, é  inadmissível.

O Código de Processo Civil estabelece de forma clara regra que não pode ser ignorada: o perito deve assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar, com prévia comunicação, devidamente comprovada nos autos, com antecedência mínima de 5 dias (art. 466, § 2º).

O dispositivo legal consagra o entendimento de que somente impugnar o laudo pericial não é suficiente para atender ao princípio do contraditório, devendo-se facultar às partes uma ampla participação, inclusive com objetivos fiscalizadores, durante toda a fase de produção da prova pericial.[1]

Para o Conselho Federal de Psicologia, “o assistente técnico, profissional capacitado para questionar tecnicamente a análise e as conclusões realizadas pelo psicólogo perito, restringirá sua análise ao estudo psicológico resultante da perícia, elaborando quesitos que venham a esclarecer pontos não contemplados ou contraditórios, identificados a partir de criteriosa análise” (Resolução nº 008/2010 – CFP, art. 8º).

Não é esse o entendimento a ser adotado.

Limitar o contraditório na prova pericial à impugnação depois de o laudo pronto e acabado seria o mesmo que impedir a presença das partes e seus patronos na audiência de instrução e julgamento, limitando-se sua participação, na prova testemunhal, a impugnar o depoimento das testemunhas.[2]

Na era do princípio da publicidade, da transparência e dos procedimentos feitos às claras, não se pode admitir que atos processuais, especialmente os relacionados à perícia, sejam realizados às escondidas, em ambientes isolados ou sem a devida fiscalização.

Isso é ainda mais grave quando se trata de perícia em menores de idade, que, por sua condição, não têm, às vezes, como externar sua vontade de forma clara e plena.

O procedimento realizado no esconderijo, por mais respeitado que seja o profissional, macula a própria confiabilidade da prova e pode abrir espaço para o arbítrio, como ocorreu nos tempos de regimes autoritários, em que a falta de transparência e o controle das ações resultavam em injustiças flagrantes.

Portanto, o perito não pode deixar de cumprir o que está previsto no Código de Processo Civil, no que toca à participação do assistente técnico na realização de perícia (art. 474), para seguir a orientação, estabelecida em Resolução do Conselho de Psicologia.

Sem teorizar a respeito da antinomia, tem-se que, no conflito entre resolução e lei, prevalece esta, porque pressupõe processo legislativo de elaboração, refletindo o caráter dogmático de observância ao princípio da legalidade, consagrado pela Constituição da República (art. 5º, inciso II).


[1] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador, JusPodivm, 2016, pág. 779.

[2] Idem, ibidem.

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