Relembrando o passado; presente de desencanto

Data: 05/10/2025
Andando sem destino por Natal, passei pela Av. Deodoro da Fonseca e parei diante da casa de nº 350, hoje, a clínica São Marcos. Ali morei pela primeira vez, ainda criança, no início dos anos 1970.
Fiquei parado em silêncio, por longos minutos. Logo me veio o pensamento: como Natal, naquele tempo, era segura e tranquila! Podíamos viver sem muros, sem medo, sem assaltos. Nas calçadas, prolongamentos das casas, brincávamos, conversávamos, ríamos, vivíamos. Coisas simples, mas que hoje já não são possíveis. Agora, o que prevalece é o encastelamento atrás de grades e edifícios.
Segui pela Deodoro, descendo a ladeira da Rádio Poti – emissora que, aliás, já não existe mais, embora os mais velhos ainda chamem aquela ladeira assim. A Rádio foi pioneira em Natal nas décadas de 40 e 50. Pertenceu ao grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Hoje, silenciada, não pode mais ser sintonizada como antes; seu prédio, na própria Deodoro, ficou anos abandonado até ser demolido.
Ah, terra potiguar, como é fácil esquecer o passado!
Na Rua Gen. Gustavo Cordeiro de Farias, dobrei à esquerda e, logo depois, à direita, descendo a íngreme Rua Felinto Elízio. De ladeira em ladeira, cheguei a uma parte da Ribeira, a velha Ribeira, dos grandes comércios e comerciantes, dos armazéns e galpões que marcaram o século passado.
Foi então que a saudade me apertou: saudade de um Rio Grande do Norte acolhedor, incentivador e promissor, não de agora, mas de outrora, quando o desenvolvimento ainda apontava caminhos.
Logo na descida, visualizei os armazéns de Alonso Bezerra de Albuquerque, comerciante de visão do mundo, um dos maiores negociantes de scheelita e sisal do Estado. Comprava e exportava para todas as partes, encurtando fronteiras. Um homem à frente de seu tempo.
Naquela época, o Rio Grande do Norte exportava em larga escala. Do Porto de Natal, navios de grande porte deslizavam pelo Potengi rumo ao Atlântico, abrindo nossas portas para o mundo, com movimento intenso, causando até congestionamento nas águas.
Adiante, caminhando em direção à Esplanada Silva Jardim, ficavam os armazéns de João Severiano da Câmara, parte marcante da Ribeira. Um gigante dos negócios: criador de gado, cultivador de agave e o maior produtor e exportador de algodão do Rio Grande do Norte. Sua força vinha sobretudo da indústria algodoeira, com suas fábricas espalhadas no Estado, que ajudava a erguer a economia potiguar. Visionário de incomum intuição, seu poderio econômico o consagrou como o mais rico de seu tempo.
Oh, Rio Grande do Norte, como tudo era diferente! Seu motor pulsava forte com o algodão, a scheelita, o sisal, o sal, o açúcar, a carnaúba, o gesso… movido por projetos, investimentos e sonhos — muitos sonhos — mesmo em tempos conturbados.
E então me veio à mente Carlos Drummond de Andrade:
“E agora, José?”
“A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou…”
E foi assim também com o Rio Grande do Norte. O algodão desapareceu, o agave se foi, o sal e o açúcar minguaram, as minas foram desativadas. O Estado estagnou.
Se tudo isso já deu certo no passado, o que falta para acontecer novamente no presente? Se a terra é a mesma, fértil e generosa, o que falta, então, para renascer a pujança? Onde estão a ciência, a tecnologia, a política? Onde estão os nossos empreendedores, empresários ? Onde estão os Osmundo Faria, Aristófanes Fernandes, Tomaz Salustino, Tertuliano Fernandes, Dix-Sept Rosado, coronel João Medeiros, Manoel Torres ? Onde está tudo?
Drummond responde: “o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia… e tudo acabou, e tudo fugiu, e tudo mofou”.
E agora, José?





