Cemitério do Alecrim: a história viva de Natal

Data: 14/09/2025
Quando pensamos em um cemitério, quase sempre nos vem à mente a tristeza, a saudade e a nostalgia. Não é para menos. Ali repousam aqueles que gostamos, pessoas que marcaram nossas vidas.
Mas os cemitérios, sobretudo os mais antigos, guardam muito mais do que memórias pessoais – eles contam a história de uma cidade, de um estado, de um povo.
Entre lápides e mausoléus, descobrimos personagens que, de alguma forma, contribuíram para o crescimento e a transformação da sociedade. Alguns foram grandes nomes; outros, simplesmente anônimos, mas todos deixaram sua marca na vida cotidiana.
Em Natal, o Cemitério do Alecrim é um exemplo vivo dessa memória coletiva.
O Cemitério do Alecrim foi o primeiro construído na capital potiguar, em 1856, pelo presidente da província, Bernardo da Câmara Passos. Localizado no bairro que lhe dá nome, passou por ampla reforma e expansão em 1941, sob a gestão do prefeito Gentil Ferreira de Souza. Em 2011, foi tombado como patrimônio histórico de Natal.
Nesse modelo, o Cemitério do Alecrim rompeu paradigmas. Antes, os sepultamentos ocorriam dentro das igrejas ou em seus arredores. Hoje, ele preserva uma riqueza cultural inestimável, ainda que pouco reconhecida e valorizada.
A visitação é aberta ao público, porém raramente incentivada. Falta ao Poder Público promover seu potencial cultural, capaz de revelar a história do Rio Grande do Norte através de túmulos imponentes, verdadeiras obras de arte.
Ali repousam nomes que ajudaram a desenvolver o Estado, a exemplo de João Câmara, político, empresário visionário que impulsionou a economia potiguar com criação de gado, suas plantações de algodão, fábricas e relações comerciais com famílias influentes no Brasil, entre elas os Matarazzos.
E não é só ele.
Há Luís da Câmara Cascudo, historiador, sociólogo, musicólogo, antropólogo, etnógrafo, folclorista, poeta, cronista, professor, advogado, jornalista e escritor. Uma figura cuja dimensão ultrapassa as fronteiras do Rio Grande do Norte, autor de uma obra monumental e de inestimável relevância, especialmente nos campos da história, do folclore e da cultura popular. São mais de 150 livros que fazem dele um orgulho potiguar.
Há também a família Palatnik, judeus vindos da Ucrânia que chegaram a Natal nas primeiras décadas do século XX. Aqui fincaram raízes, construíram moradia e consolidaram-se comercialmente. Inicialmente, 4 irmãos: Tobias, Adolfo, Jacob e José, com o passar do tempo, uma família numerosa. Abriram comércios na Ulisses Caldas e na Dr. Barata (Casa Sion), além de fábricas de móveis e mosaicos. Investiram, ainda, em fazendas e na construção civil. Entre seus membros, destacou-se Abraham Palatnik, radicado no Rio de Janeiro, nome consagrado das artes plásticas no Brasil e no mundo.
Estão ali personalidades ilustres: Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, Januário Cicco, Juvino Barreto, Djalma Maranhão, isabel Gondim, Floriano Cavalcanti, Amélia Machado, Newton Navarro, Aristófanes Fernandes, Eloy de Souza, Berilo Wanderley, Luiz Gonzaga do Monte (Padre Monte), entre outros.
Com tamanha riqueza histórica e cultural, é lamentável que o Cemitério do Alecrim não receba a conservação e os investimentos necessários para se tornar um verdadeiro ponto de visitação para o povo potiguar e, por que não, para o turista.
Em outras partes do mundo, cemitérios históricos são tratados como museus a céu aberto. Basta lembrar Pére-Lachaise, em Paris, um dos mais famosos do mundo, que recebe visitantes de todos os cantos interessados em conhecer os túmulos de personalidades: Oscar Wilde, Honoré de Balzac, Marcel Proust. Ou ainda o Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, que atrai multidões para visitar o jazigo de Eva Perón (Evita) e outras figuras marcantes da Argentina.
Se visitamos esses museus e saímos encantados pela história, por que não fazer o mesmo com o nosso Cemitério do Alecrim, verdadeiro patrimônio cultural?
Precisamos mudar o olhar. Valorizar o que é nosso. Deixar de venerar apenas o que está fora e compreender que a prata da casa também tem brilho próprio.
Túmulos como os de Januário Cicco, João Câmara, Juvino Barreto e dos Maçons, por exemplo, onde quer que estivessem, impressionariam pela imponência e beleza. Já outros como os túmulos dos aviadores mortos em combate durante a Segunda Guerra Mundial, assim como os daqueles que participaram da Intentona Comunista de 1935, destacam-se pela relevância histórica que carregam.
Dali surgem também estórias inusitadas, de almas e de assombrações, que, ao longo do tempo, transformaram-se em verdadeiras lendas urbanas, alimentando o imaginário popular e enriquecendo o folclore local.
Os símbolos religiosos – cruzes, anjos, livros, carpideiras, devotos – carregam significados próprios, com detalhes que embelezam o local, convertendo-o em um conjunto de autênticas obras de arte.
Cenário esse impossível de encontrar nos cemitérios modernos, onde apenas o silêncio se destaca.
No centro de tudo, sob olhar atento e vigilante, eis a charmosa Capela Menino Jesus de Praga – com traços neogóticos, com cores vibrantes e contrastantes – entrelaçando-se ao cenário do estuário do Rio Potengi e, ao fundo, a ponte estaiada Newton Navarro, compondo uma paisagem que suaviza o peso da atmosfera fúnebre.
Ao contrário do que se imagina, no Cemitério do Alecrim a vida pulsa: nas memórias, na arte, na história.
Hoje, porém, o desleixo tomou conta do lugar: esculturas somem, túmulos se deterioram, lápides desaparecem.O poder público se mostra incapaz de conter a destruição e, ano após ano, quem perde é o povo.
O patrimônio cultural jaz em silêncio e a história local repousa esquecida. Salvar o Cemitério do Alecrim é impedir que a memória se torne pó.
Fontes:
– História da Cidade do Natal – Luís da Câmara Cascudo
– Alecrim: o Cemitério – nataldasantigas.gov.br










