Do alto da minha janela

Autor(a): Nélio Silveira Dias Júnior

Data: 15/06/2024

A lua cheia é sempre motivo de inspiração e encantamento, embora não se saiba dizer se é simplesmente pela sua beleza cativante ou por algo interior mais profundo que ela desperta.

Em um dia desse, em abril deste ano, no final da tarde, do alto da janela do meu apartamento, em Petrópolis, contemplei a lua nascer lá longe, entre um arranha-céu e outro, com o mar vislumbrado numa nesga, formando uma beleza diferente.

Enquanto a lua majestosamente subia ao céu escuro, até ser abraçada pelas estrelas, o seu brilho contrastava com os telhados, de todas as formas e alturas, que se estendiam até aonde meus olhos alcançavam.

Mas, “telhados ou mar, tudo dá essa tranquilidade à gente em daqui do canto em que me acho, além da calma, há uma sugestão de felicidade. Sinto-me bem feliz, olhando os telhados com os olhos parados e naturalmente sorrindo”

(Berilo Wanderley – Telhado).

Um telhado em especial me fez parar. E nele meu olhar se fixou. Não demorou e passei a refletir. Cenas de um momento triste passavam, passavam como um sonho ruim, um pesadelo. Era a lembrança da súbita e avassaladora chegada do vírus que abalou o mundo: o Covid-19.

Naquele momento nefasto, em 2020, em que tivemos que nos recolher compulsoriamente em casa, durante uns 4 meses, buscávamos um contato com o mundo exterior, uma solidariedade, a fim de superar as adversidades momentâneas: o isolamento total.

Foi em um desses telhados, cinzento, sem alegria, uma simples laje sem vida, onde tinha jarros sem plantas, que encontrei a comunicação, a solidariedade humana.

Nesse cenário desolador, me dei conta que uma senhora surgia, sempre ao cair da tarde. E, naquele momento sombrio, passou a cultivar plantas e plantas. Naquele mesmo horário, eu estava lá, do alto da minha janela, a pensar na vida, diante da incerteza.

Repetidas vezes nos encontramos assim: pelo olhar, sem comunicação. Não tardou, e logo veio o aceno, acanhado e envergonhado; e depois, mais aberto e efusivo. Todos os dias, a cena se repetia comigo, depois com a minha mulher, depois com minhas filhas.

Do desencontro, o encontro; do isolamento, o sorriso; das sobrancelhas franzidas, o aceno. O silêncio era, naquela ocasião, a comunicação mais eloquente, onde o crescimento da planta, mesmo vista de longe, denotava renascimento; esperança, esperança de uma vida melhor.

A pandemia passou e a vida retomou seu curso normal; e aquela amizade foi se distanciando, e, hoje, olhando aquele telhado vazio, sem plantas, sem ninguém, surgem questionamentos: quem era aquela senhora? Como ela está agora? Cadê aquelas plantas? O silêncio é o mesmo, mas a comunicação acabou…

A lua se foi, o mar não veio, e a conexão com a misteriosa senhora também acabou, se perdeu no tempo, como tudo termina.

Do alto da minha janela, contemplo novamente o telhado que outrora nos uniu, mesmo que apenas por olhares e gestos silenciosos. Agora, ele jaz vazio, sem plantas, sem vida. Restou a memória, como um registro da capacidade humana de encontrar alegria e esperança, mesmo nas circunstâncias mais difíceis.

Foto:

Ana Amélia Cabral Dias (esposa)

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