Improbidade administrativa por culpa do administrador não é mais possível

Nélio Silveira Dias Júnior (Advogado)

Com a entrada em vigor da Lei nº 14.230/21, houve inovação legislativa no que tange à Lei nº 8.429/1992, principalmente aos limites e qualificações do elemento subjetivo necessário à caracterização do ato ímprobo.

A possibilidade de a simples culpa atrair as sanções da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) foi abolida pela Lei nº 14.230/21, ao dar nova redação ao art. 10[1].

Esta supressão de ato ímprobo culposo não se fez só nesta regra específica do art. 10, mas permeia toda a nova LIA, cumprindo destacar, o art. 1º, § 1º[2], e o art. 17-C, § 1º [3].

Definida esta moldura legal, é oportuno ressaltar que toda sentença que, efetiva e indubitavelmente, julgou procedente a ação, imputando-lhe exclusivamente culpa, sem qualquer dolo, mesmo simplesmente genérico que fosse, deve ser corrigida, em qualquer momento processual, desde que não tenha transitado em julgado.

Essa questão jurídica específica foi objeto de decisão do Supremo Tribunal Federal, que, julgando com a sistemática de repercussão geral, deliberou que, não havendo trânsito em julgado da condenação, deve ser aplicada a nova lei aos processos em curso.

No pertinente, esta a Tese de Repercussão Geral fixada pelo Supremo Tribunal no ARE nº 843.989 (Tema nº 1.199): “A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente  analisar  eventual  dolo por parte do agente” [4].

Com a clareza de sempre, o Ministro Alexandre de Moraes, relator do ARE nº 843.989 que aqui se comenta, assim expôs a questão em seu voto, afinal condutor da decisão da maioria:

“Ressalte-se, entretanto, que apesar da irretroatividade, em relação a redação anterior da LIA, mais severa por estabelecer a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa em seu artigo 10, vige o princípio da não ultra-atividade, uma vez que não retroagirá para aplicar-se a fatos pretéritos com a respectiva condenação transitada em julgado, mas tampouco será permitida sua aplicação a fatos praticados durante sua vigência mas cuja responsabilização judicial ainda não foi finalizada. Isso ocorre pelo mesmo princípio do tempus regit actum, ou seja, tendo sido revogado o ato de improbidade administrativa culposo antes do trânsito em julgado da decisão condenatória; não é possível a continuidade de uma investigação, de uma ação de improbidade ou mesmo de uma sentença condenatória com base em uma conduta não mais  tipificada  legalmente,  por ter sido revogada.” [5]

Não se trata de aplicar retroativamente lei mais benéfica, possibilidade constitucionalmente reservada às sanções tipicamente penais, mas sim da impossibilidade de consolidar uma condenação com base em Lei revogada.


[1] Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa  lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

[2] Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.

[3] A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade.”

[4] STF, ARE nº 843.989, Ministro Alexandre de Moraes, Pleno, j. 18/8/22, DJe 5/9/22, pgs. 31/32. Grifos acrescentados.

[5] Íntegra do voto do Ministro Alexandre de Moraes disponível na página oficial do STF: Notícias STF, 4/8/22. Grifos no original.

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