Liberdade de escolha profissional: igualdade de gênero

Autor(a): Nélio Silveira Dias Júnior

Data 18/05/2024

Antigamente, no século XX, principalmente, na primeira metade, o pai desejava ardentemente ter um filho homem, para que seguisse seus passos, fosse sua cópia fiel.

Essa concepção não está mais em voga. Mas, aqui e acolá, vem à tona.

No inverno passado, foi marcada para mim uma audiência judicial fora de Natal. O cliente insistiu para me pegar no escritório a fim de irmos juntos. Resisti. Gosto de viajar sozinho no meu carro, vendo a paisagem, pensando na vida.

A viagem para o interior do Estado, nessa época, é muito agradável. À medida que a estrada avança, a vegetação da caatinga se revela com seus tons de verde, contrastando com o azul do céu espelhado nas águas turvas dos açudes e riachos, brotando a beleza e o encanto do sertão.

Tudo é vocativo.

Mas, infelizmente não consegui. O cliente me pegou no escritório às 7h e seguimos rumo ao interior. Além de não dirigir tão bem, não tinha nenhum buraco na estrada que o carro não caísse dentro. A sensação era a de que no próximo buraco o carro sairia desgovernado.

Sem conhecer bem o cliente, demonstrava ser das antigas. Monossilábico no seu falar, lá pras tantas, iniciou uma conversa:

– Você tem filhos?

– Tenho duas filhas, respondi.

Depois de um bom tempo em silêncio, com poucas palavras, perguntou:

– Gostaria de ter tido um filho homem?

Respondi que sim. Gostaria de ter tido um filho, para ter a experiência de ser pai dos dois gêneros.

Depois de um tempo sem falar nada, o cliente disse que conhecia meu pai e sabia que ele era político e agropecuarista, e continuou com seus questionamentos:

– Seu pai, além de você, tem outro filho homem?

Respondi que não. Ele tinha só mais uma filha.

Sempre com o diálogo curto e espaçado, perguntou:

– Você gosta de política e pretende seguir a carreira do pai?

Sem titubear, falei:

– Apesar de a política desempenhar um papel crucial na sociedade, e ser uma atividade fascinante e dinâmica, não tive interesse em exercê-la.

Em seguida, já um pouco decepcionado com a minha resposta, perguntou:

– Pelo menos de fazenda e gado você gosta?

– Também, não, assim respondi.

A viagem continuou e o cliente calou-se. Mas, antes de chegarmos ao destino, com certa irritação e talvez decepção, fez a seguinte constatação:

– Não sei a razão pela qual você queria ter um filho homem, porque se fosse igual a você, não adiantaria de nada. Foi melhor mesmo você ter filhas.

Não me contive, caí na risada…

Esse pensamento, arcaico e com resquício machista, perdeu a validade. Atualmente, a filha pode escolher a profissão do pai, seguir seus passos e ser seu orgulho, tarefa não só voltada para o filho.

Não há profissão que a mulher não possa exercer e desempenhá-la muito bem. As diferenças de gênero não são mais um fator limitante nas escolhas e oportunidades disponíveis.

Todavia, nem o filho nem a filha deve ser preparado para ser igual ao pai ou à mãe, nem, muito menos, os pais devem querer que os filhos sejam algo que eles não foram, compensando uma frustração ou expectativa.

É fundamental incentivar e apoiar os jovens a seguirem suas vocações e paixões, mesmo que sejam diferentes das dos pais. A diversidade de caminhos e realizações pessoais devem ser celebradas, em vez de comparadas, de forma limitante.

Portanto, a visão mais moderna e inclusiva é a de que cada pessoa deve ter a liberdade de decidir seu próprio futuro, sem julgamentos restritivos, baseados em origens familiares ou gênero.

O importante é permitir que todos os filhos e filhas floresçam de acordo com seus talentos e aspirações, iguais ou não com a profissão dos pais.

Chegamos ao destino. Foi realizada a audiência e deu tudo certo. O cliente ganhou a ação. A viagem terminou e nunca mais eu o vi.

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