Consentimento do cônjuge para propor ação de direito real imobiliário

Por Nélio Silveira Dias Júnior

Advogado

Toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo (Código Civil, art. 70).

Isso quer dizer que o homem e a mulher têm  capacidade processual plena. No entanto, se forem casados, há regras específicas a serem observadas para estar em juízo.

Por exemplo: o cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens (CPC, o art. 73, caput).

Esse comando legal não deixa dúvida quanto à sua interpretação e aplicabilidade. Trata-se, simplesmente,  da outorga uxória da esposa ou autorização marital. Nada mais do que isso.

A princípio, o consentimento prévio é ato de forma livre, conforme o art. 107 do Cód. Civil [1].

Por sua vez, o consentimento do cônjuge não o torna obrigado a fazer parte da ação real imobiliária, na condição de litisconsorte ativo necessário, como condição de procedibilidade do processo. Isso não diz respeito à legitimidade do cônjuge (condição da ação), mas sim a capacidade de estar em juízo (pressuposto processual).

Esclarece Marcos Vinicius Rios Gonçalves: o fato de um dos cônjuges dar consentimento ao outro para ir a juízo não resulta que ele se transforme em litisconsorte. [2]

Nas ações reais imobiliárias, é possível que o cônjuge proponha sozinho a demanda judicial desde que esteja devidamente autorizado pelo outro.[3] Não é o caso de litisconsórcio ativo necessário. Trata-se de norma que tem o objetivo de integrar a capacidade processual ativa do cônjuge  demandante. [4]

Trata-se, à evidência, pondera Daniel Amorim Assumpção Neves, de hipótese de litisconsórcio facultativo, porque demandar com consentimento é bem diferente de ser obrigado a litigar em conjunto. Ademais, a criação de um litisconsórcio necessário no polo ativo encontraria a dificuldade de eventualmente  obrigar alguém a ser autor contra sua vontade, o que o sistema processual não  admite. [5]

E só.

Dado o consentimento inequívoco, somente o cônjuge que ingressa com a ação é parte ativa; o que outorgou o consentimento não é parte na causa.

Portanto, conclui Luiz Guilherme Marinoni, para propor ação que versem sobre direitos reais imobiliários necessita o cônjuge ou o convivente do consentimento de seu consorte. Não exige a formação de litisconsórcio ativo necessário. Basta o consentimento, que aí funciona para integrar a capacidade para estar em juízo do cônjuge ou convivente. [6]

Por outro lado, quando se trata do polo passivo da demanda, o caso é diferente. O legislador disciplinou de outra maneira.

Quando contra o cônjuge é proposta ação que verse sobre direito real imobiliário, o outro necessariamente será nela incluído, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens (CPC, art. 73, § 1º, I), sob pena de nulidade processual.

Nesse outro caso o comando normativo é expressamente previsto.

Nessa situação, os cônjuges devem necessariamente compor o polo passivo da demanda. No polo passivo não há possibilidade de somente um cônjuge atuar desde que autorizado pelo outro, sendo imprescindível  a presença de ambos.[7]

Com relação ao polo passivo da demanda, o dispositivo versa sobre hipótese de legitimação concorrente e conjunta, de forma que a não formação do litisconsórcio pelo autor gera um vício de ilegitimidade passiva (condição da ação) e não falta de capacidade de estar em juízo (pressuposto processual). [8]

Ressalta-se, por oportuno, que se aplicam as mesmas regras aqui mencionadas para os cônjuges, aos companheiros, quando se tratar de união estável comprovada nos autos (CPC, art. 73, § 3º).

Por fim, cumpre ao direito material estabelecer os direitos reais imobiliários, que são: a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto; o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor, a hipoteca, a anticrese, a concessão de uso especial para fins de moradia (CC, 1.225).

Assim, as demandas que tratem sobre tais direitos deverão respeitar as regras supracitadas.

Exemplificando: tem sido exigida outorga uxória da esposa ou autorização marital, nas ações de nunciação de obra nova, usucapião, imissão de posse, demolitória, de extinção de condomínio sobre imóveis e reivindicatória [9]. Por outro lado, nas ações possessórias: reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitório, como não se trata de direito real imobiliário, mas sim de discussão acerca da posse,  a participação do cônjuge do autor ou do réu não é necessária. Todavia,  somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticados (CPC, art. 73,


[1] DIDIER Jr. Fredie, Curso de Direito Processual Civil: parte geral e processo de conhecimento. 18. ed.  Salvador: JusPodivm, 2016, pág. 325;

[2] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil – Volume 1, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, pág. 148,

[3] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Cód. de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 103.

[4] Fredie Didier Jr., op. cit. 324

[5]Daniel Amorim Assumpção Neves, op. cit. pág. 103

[6] MARINONI, Luiz Guilherme. Código de Processo Civil Comentado. 2.ed. São Paulo: RT, 2016, pág. 214.

[7] Daniel Amorim Assumpção Neves, op. cit. pág. 103

[8] Idem, ibidem.

[9] GONÇALVES, Marcos Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil – Volume 1. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, pág. 146.

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