Cancelamento do parentesco; filiação socioafetiva; adoção unilateral na fase adulta

Por Nélio Silveira Dias Júnior

Advogado

É uma realidade no Brasil, um dos pais abandonar o filho, afetiva e fisicamente, e o outro se relacionar com outra pessoa que o cria, com amor e carinho, como fosse seu. Afetivamente, a substituição paterna ou materna acontece naturalmente, sem trazer maiores transtornos na fase não adulta.

Ao atingir a maioridade, aos 18 anos, a pessoa começa a praticar atos da vida civil com mais frequência e com a filiação não totalmente resolvida, a situação passa a necessitar de regulamentação.

Aquela pessoa que dele cuidou, durante anos, e a quem sempre a chamou de pai ou mãe, não consta no seu registro de nascimento, como seu genitor ou genitora, causando-lhe desconforto nas situações mais simples do dia a dia, como preencher um cadastro com filiação, tendo que indicar aquele que não chama mais de pai ou mãe, ou, até mesmo, em embarque de voos, nacionais e internacionais, que é chamada, muitas das vezes, pelo seu sobrenome, distanciando do novo núcleo familiar e fazendo relembrar de situação que não gostaria mais.

Se a situação emocional for menos complexa, envolvendo só o sobrenome, em razão da simples ausência em seu nome do sobrenome do padrasto ou madrasta, aquele que considera pai ou mãe, a questão pode ser resolvida de forma mais fácil.

Atualmente, é plenamente possível, independentemente de autorização judicial, o enteado ou a enteada, ao atingir a maior idade, se houver motivo justificável, requerer ao oficial de registro civil que, nos registros de nascimento e de casamento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus sobrenomes de família (Lei nº 6.015/1973, art. 57, art. 8º).

 Essa questão não pode ser tratada como mero capricho, visto que quem está naquela situação, de fato, passa por desconforto emocional que pode ser evitado. O nome é a sua identidade e revela a qual família você pertence.

Nada disso implica, entretanto, na alteração na relação de filiação original.  Mas, se a precisão é maior e mais profunda, para sedimentar a filiação afetiva já consolidada, a opção é outra.

Em casos de abandono ou ausência do pai biológico, é comum que o padrasto ou madrasta assuma o papel da figura, respectivamente, paterna ou materna, e crie um vínculo afetivo com o filho.

Sendo assim, é recomendável, avaliada a estabilidade da relação, partir para alterar o vínculo de filiação, deixando definitiva a situação. Aí a solução é a adoção unilateral.

A adoção unilateral consiste em o padrasto ou madrasta adotar o filho do outro.

Se um dos cônjuges ou companheiro adota o filho do outro mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou companheiro do adotante e os respectivos parentes (ECA, art. 41, § 1º).

A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais (ECA, art. 41).

O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão. A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes. Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro (ECA, art. 47).

A adoção de maiores de 18 anos é plenamente possível, mas dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069/90.

Essa permissibilidade está prevista expressamente no art. 1.619 do Código Civil e encontra guarida na Constituição Federal (art. 227, 5º).

Embora para se adotar seja necessário o consentimento dos pais do adotando e, em caso de recusa, autorização judicial com respectiva destituição do poder familiar, se maior de 12 anos, seu próprio consentimento, quando se tratar de adulto, a primeira exigência não se faz necessária, exigindo-se que o adotante seja maior de 18 anos e pelo menos 16 anos mais velho do que o adotando (ECA, arts. 42 c/c 45).

Assim, a adoção de pessoa maior e capaz não depende de autorização dos pais biológicos, basta apenas, estabelecido o vínculo afetivo, a manifestação livre de vontade do adotante e do adotado.

É crucial considerar o bem-estar emocional e o interesse da pessoa como prioridade.

O direito discutido envolve a defesa de interesse individual e disponível de pessoa maior e plenamente capaz, que não depende do consentimento dos pais ou do representante legal para exercer sua autonomia de vontade[1].

Considerando a diretriz legal de que a adoção de maiores deve ser deferida quando constituir efetivo benefício para o adotando, decidiu o STJ que, estabelecida uma relação jurídica paterno-filial (vínculo socioafetivo, decorrente de criação desde a tenra idade), a adoção de pessoa maior não pode ser refutada sem justa causa pelo pai biológico, em especial quando existente manifestação livre de vontade de quem pretende adotar e de quem pode ser adotado (REsp 1.444.747, em 2015).[2]

Assim sendo, o pedido de adoção de maior de idade deverá ser formulado perante o Juízo de Direito da Vara de Família. O pedido em questão deverá conter o nome e a qualificação das partes, requerente e seu cônjuge  ou companheiro, que deverá anuir à adoção; mencionar eventual parentesco do requerente, de seu cônjuge ou de seu companheiro com o adotando, informando a existência ou não de parentes vivos deste; o nome e a qualificação do adotando e de seus pais naturais, caso sejam estes conhecidos; o consentimento expresso por escrito do próprio adotando, maior e capaz; cópia da certidão de nascimento do adotando. [3]

Tudo que favoreça o desenvolvimento saudável e a estabilidade emocional da pessoa, principalmente a que está iniciando a fase adulta, deve ser buscado, observando sempre a peculiaridade de cada caso.


[1] STJ – REsp: 1444747 DF, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,  T3 – DJe 23/03/2015

[2] LÔBO, Paulo. Direito Civil: volume 5, 8. ed., São Paulo: Saraiva Educacional, 2018, pág. 288.

[3]MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de Direito de Família, São Paulo: Saraiva, 2013, pág. 579.

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