Sertão: encantos e mistérios
Data: 10/06/2023
O sertão é uma região de beleza lírica que nos convida a refletir sobre a relação entre o ser humano e a natureza. Nessa região, a vida é uma constante luta pela adaptação e sobrevivência, mas existe uma poesia genuína na simplicidade do cotidiano.
O sertão nordestino é uma região repleta de encantos que fascinam moradores e visitantes.
Meu pai, apesar de ter nascido em Natal, tinha alma ruralista. Desde cedo teve contato com a terra. Inicialmente, em locais mais chuvosos. Mas, se encantou mesmo foi pelo sertão.
Se instalou em Lajes/RN. A fazenda se chama Guaporé. Localizada em frente do Pico do Cabugi: formação rochosa, de beleza inigualável, com 590 metros de altitude, que, segundo fontes locais, trata-se de um vulcão em inatividade. Ali, criou bovino da raça Sindi; caprino: Moxotó e Canindé; ovino: Morada Nova, por entender que esses animais poderiam conviver melhor com a seca.
Mas, seu fascínio era o povo sertanejo: gente sabida, batalhadora e rica em estória, por quem meu pai tinha o maior respeito e gostava de conviver e prosear.
A cultura nordestina enobrece o Brasil.
A ingenuidade, aliada à sabedoria, com pitada de simplicidade e credulidade, definem o povo sertanejo, e as suas estórias, ricas de detalhes e imaginação, moldam a sua alma.
Um dos amigos de meu pai era Severino, que morava perto da Fazenda Guaporé. Esse, parecia ser avexado das ideias. Bradava em todo lugar, e dizia com seriedade, que, no Rio Cabugi, que corta a fazenda Guaporé, só dois carros andavam no leito do rio: o do meu pai, de tração nas quatro rodas (4×4) e o dele, sendo que o dele era um carro de mão…
Daí para frente, não dava para levar a sério mais nada do que ele dizia.
Do sol temia e se escondia. Só trabalhava das 5h às 8h e das 16h às 17h. Mais do que isso, dizia exagero… Criava caprinos e plantava discreta agricultura de subsistência: feijão e mandioca. Em seus horários vagos, que não eram poucos, ouvia rádio, seu amigo inseparável.
Mas, dizia Severino a meu pai que a solução para região era a apicultura. Agora, a atividade ficaria rentável mesmo se ele conseguisse “fazer o cruzamento da abelha com o vagalume”, aí com esse híbrido trabalhando de dia e de noite, a produção de mel iria aumentar: – “é uma fartura danada”.
Com essa e outras estórias meu pai se deleitava.
Agora, a turma que mais lhe agradava, era a prosa com o sertanejo ainda mais afoito, que não se inibe em contar as suas estórias, mesmo que fossem mais difíceis de se acreditar.
Essa turma aí, meu pai cultivava ao seu redor.
Para Ariano Suassuna, os mentirosos eram os que tinham dele maior simpatia. Mas, não todos, só aqueles que “mente por amor à arte”, e não aqueles que mentem para prejudicar os outros.
Charles era essa figura típica. Ele se achava um cangaceiro, valente e cruel. Mas, a sua coragem era duvidosa… Tinha um desejo ardente de se casar com uma fazendeira rica. Seu propósito de vida.
Seu trabalho na fazenda era pouco, começava às 11h e acabava às 17h. Passava a noite escutando a BBC de Londres. Sem falar inglês, achava bonita a língua, e sabe lá o quê mais. Sua valentia, imaginária, era tão grande que decidiu se apaixonar por Maria Bonita. Em sonho, dizia que teve um caso com ela, e Lampião não fez nada, porque tinha medo dele. Sendo assim ele foi o único que “chifrou” Lampião. Disso se vangloriava e contava a todo mundo, como seu grande feito de coragem.
Essa figura caiu no encanto de Ariano Suassuna, quando o escritor teve na Fazenda Guaporé, em 14/6/1998, a convite de meu pai, para fazer uma palestra no evento chamado de Grito da Seca.
Naquele final de semana, nada nem ninguém chamava mais atenção de Ariano do que Charles. Sem conhecer o escritor, a ele foi apresentado como o “matador da Paraíba”, menos do que isso, não teria havido aproximação.
Depois de conversar horas com Charles, Ariano o chamou no canto do alpendre, no final da tarde, e disse.
– Charles, tenho um propósito para você.
– Qual é seu Ariano ?
– Tem uma viúva lá para as bandas da Paraíba, muito rica e braba, com quem estou querendo fazer o seu casamento.
– Topa ?
– Topo demais.
Só tem uma coisa, disse Ariano.
– Ela é muito braba; é tão braba que, com raiva do marido, matou-o e arrancou a cabeça e a colocou na geladeira, para toda vez que fosse beber água ficar o amaldiçoando.
Charles ficou pensando, pensando e disse a Ariano.
– Com esse meu nome, Charles, não ponho medo na viúva, e, possivelmente, vou morrer logo. Preciso ter outro nome. Vou dormir, e amanhã lhe digo qual será o meu nome.
Ariano, indócil, dormiu na Fazenda Guaporé, e logo cedo, procurou o Charles. Nesse dia, ele demorou a acordar. Mas, antes do almoço, ele disse.
– Seu Ariano, encontrei o nome: “cobra-cão”. Agora, pode fazer o meu encontro com a viúva rica, que estou pronto para casar com ela. Com esse meu novo nome a viúva vai se arrepiar toda de medo de mim.
Ariano disse:
– é espetacular! Esse nome põe medo mesmo em qualquer pessoa. Nem Lampião conseguiu tal façanha, o máximo que conseguiu foi: Jararaca, Corisco, etc.
Isso aí e tudo mais é a magia do sertão.
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