Visita em hospital: nem sempre é agradável

Autor(a): Nélio Silveira Dias Júnior

Data: 15/04/2023

Estava em São Paulo, em 2006, visitando meu pai, que passava por lá uma temporada. Era um domingo, não me lembro o mês, manhã ensolarada, mas, com temperatura amena.

Então, meu pai me chamou para fazer uma visita a um parlamentar federal, em um grande e renomado hospital de São Paulo. De pronto, recusei. Hospital não é um lugar que gosto de frequentar, nem a passeio. E o papo entre parlamentares não seria outro: política, que não é um dos meus assuntos prediletos. Mas, ele insistiu, e eu, na qualidade de filho e naquela circunstância, me rendi, e aceitei.

Parece não ter sido uma boa ideia.

Fomos ao hospital. A ala era a nobre. Só poucos têm o privilégio de ali se tratar. Realmente, nunca tinha visto nada igual. Estrutura de hotel 5 estrelas. Atendimento de primeiro mundo. Gente prestativa e educada. Sem falar nos médicos: alinhados, preparados e de renome. Aqueles que vemos habitualmente na TV, explicando alguma questão de saúde.

Imediatamente comecei a perceber que a Constituição da República quando trata das normas programáticas: “saúde é direito de todos e dever do Estado” (art. 196) não as dotam de muita eficácia, pois ali só os abastados podem ter saúde de qualidade, e para o restante da população… Aí todo mundo conhece. Mas, isso é outra coisa.

Chegamos na suíte master. Cumprimentos de ambas as partes. Bem mais efusivos, é claro, entre eles, colegas de trabalho. Logo a política fez parte da conversa. Nada de falar de doença. Não demorou e comecei a passar mal. Não pelo papo. Talvez, pelo forte cheiro de éter, inerente a qualquer hospital, mesmo que seja aquele, com feição de hotel.

Ao perceber que eu estava ruim, pálido principalmente, aquela autoridade hospitalizada tratou de apertar um botão. Qual? Aquele de emergência, à disposição do paciente, que fica atrás da cama…

Aí iniciou a minha “via crucis”.

Rapidamente, subiu uma equipe, formada por enfermeiros e um médico, com maca e tudo mais. Percebendo que não se tratava do paciente hospitalizado, a turma ficou aliviada, porque não queria perdê-lo, pois a repercussão não seria boa. Mas, não se fez de rogado, nem perdeu a viagem.    Me colocou na maca e o destino foi a sala de emergência. E lá começaram os exames: clínico, cardiológico, neurológico, dentre outros. Tudo sob o meu protesto, pois, àquela altura, o mal-estar já havia passado. E eu não sabia qual o valor e quem iria pagar a conta. Apesar do protesto, nada parav  a equipe médica. Aí, na iminência de me submeter a uma ressonância magnética e a um pet scan, gritei, alto e forte, “não faça isso ! Não tenho dinheiro para pagar !”

Forte argumento. A equipe parou, imediatamente.

Compreendi, naquele momento, se ainda havia alguma dúvida, que a conta era minha e não do paciente que fui visitar.

A partir daí, a conversa foi outra. Ninguém perguntava mais como eu estava. A educação constatada no início já não existia. Médicos e enfermeiros desapareceram. Só vi chegando uma funcionária do hospital, me apresentando a maldita conta, dizendo, não mais delicadamente, que deveria passar imediatamente pelo setor financeiro.

A realidade voltou, e, com ela, logicamente, a dor de cabeça, agora de preocupação.

Mesmo que quisesse sair sem pagar, porque poderia ser uma opção, eis que não solicitei aquele serviço, não poderia. A saída era guarnecida por inúmeros seguranças. Não tive escolha, paguei a conta, sem ter nada de errado com a minha saúde, que me custou, pelo menos, o equivalente a um mês da minha remuneração.

De visitante, a paciente; de paciente a quase bandido…

Ainda, atordoado, me perguntei: isso é um exemplo do mercantilismo da medicina, protagonizado pelos grandes hospitais ?

O século XXI não precisa ser marcado com essa pandemia mercadológica. Não nessa área.

Como vai ser a medicina do futuro ?

Não seria importante incentivar àqueles que dirigem qualquer hospital o juramento de Hipócrates, próprio dos que exercem a medicina, que é uma forte dose de humanização associada à responsabilidade social ?

Sem comunicação, horas depois me encontrei com meu pai, meio espantado e um pouco sem entender o que tinha acontecido. Mas, em conversa de política, nada distrai os participantes. A visita dele acabou, e voltamos para o hotel, e numa mesa ao ar livre, depois de várias baforadas de cigarro, vício que não perdeu, demos boas risadas, vimos o entardecer, e outras conversas fluíram, sempre muito agradáveis, não só pela a sua presença, como também por ser um bom contador de história.

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