Os alimentos avoengos e o chamamento ao processo dos avós
Por Nélio Silveira Dias Júnior
Advogado
É dever dos pais sustentar os filhos, provendo os seus alimentos, e lhes assistindo no que for necessário, para sua formação e educação (CC, art. 1.566, IV).
Por outro lado, o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns na falta dos outros (CC, art. 1.696).
Portanto, na ausência dos pais, os avós devem arcar com os alimentos aos netos.
Esse dever de os avós pagarem alimentos quando os pais estão impossibilitados de promover a subsistência dos seus filhos, está previsto expressamente no art. 1.698, primeira parte, do Código Civil[1].
São assim definidos os alimentos avoengos, ou seja, uma espécie de pensão alimentícia paga pelos avós aos netos, quando os pais não têm condições de pagá-la por não terem condições financeiras, ou por sua ausência (estarem em lugar incerto ou não sabido), ou, até mesmo, em caso de seu falecimento.
Sobre o assunto, o STJ editou, em 2017, a Súmula 596: “A obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária, somente se configurando no caso da impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais.”
Aqui, tem-se que prestar atenção no conteúdo dessa súmula para não se interpretar equivocadamente a palavra “pais”, como acontece com alguns Tribunais de Justiça, no sentido de que: somente se o pai e a mãe não tivessem como suprir os alimentos dos filhos, é que se chamaria os avós.
Não é assim a inteligência do art 1.698 do Código Civil.
É errado admitir a ação de alimentos contra os avós somente se ambos os genitores não tiverem condições de prover ao sustento da prole, sob o fundamento de que a omissão de um deles transmite ao outro a obrigação alimentar.
Na ausência de condições de um dos genitores, transmite-se o encargo ao seu ascendente, e não ao outro genitor.
Esclarece melhor a Professora MARIA BERENICE DIAS: equivocada a interpretação que se está dando à lei, além de livrar a responsabilidade dos avós, sinaliza o surgimento de um perigoso antecedente: a desoneração de um dos pais de prover ao sustento do filho, se este reside com o outro que tem renda própria. [2]
Com isto se está transferindo a um dos genitores a obrigação de prover sozinho à família.[3]
A lei ao fazer uso da palavra “pais”, no plural, ao atribuir a eles os deveres decorrentes do poder familiar, não quer dizer que está se referindo a ambos os pais, e sim a qualquer dos pais. [4]
A denominada paternidade responsável estendeu seus efeitos, alcançando os avós, que, tendo condições, podem ser chamados a completar o pensionamento prestado pelo pai que não supre de modo satisfatório a necessidade do alimentando. [5]
Portanto, na ação de alimentos movida pelos filhos contra o pai ou a mãe, comprovada a sua ausência de condições financeiras de honrar com a obrigação alimentar, devem ser chamados os avós, referente ao genitor inadimplente, para integrar a lide.
Esse chamamento ao processo não é o do art. 130 do Código de Processo Civil, mas sim o previsto no art. 1.698, do Código Civil, que assim aduz: “Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato (…), e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.”
Também é do mesmo entendimento o enfoque de CEZAR PELUSO: “A nova figura de natureza processual – chamamento para integrar a lide – criada pela lei civil não é igual a nenhuma daquelas de intervenção de terceiros prevista no CPC”.[6]
Se está, portanto, diante de modalidade de litisconsorte passivo facultativo ulterior simples.
O chamamento dos avós para integrar a lide, na condição de litisconsorte passivo facultativo ulterior simples, é exclusiva do autor.
De outra parte, não se vislumbra óbice ao entendimento exposto no disposto no art. 329 do novo CPC, pois, assim como ocorre com as modalidades de intervenção de terceiro, o novo pedido do autor, em face do novo réu, poderia ocorrer após a contestação até o saneamento do feito, sem que cause prejuízo às partes, a quem será concedido prazo para novas manifestações, impugnações e juntadas de documentos.[7]
Para lhe ser fornecida a prestação alimentícia, o filho não precisa provar ao seu pai a necessidade dos alimentos, já que esta emerge naturalmente; apenas deve requerê-la, demonstrando que ele tem condições de prover seu sustento.
Constatado o dever de alimentar e caracterizada a possibilidade do alimentante, torna-se imperiosa a fixação desde logo dos alimentos provisórios (art. 4o, da Lei nº 5.478/68).
Os provisórios exigem prova pré-constituída do parentesco. Apresentada essa prova, o juiz fixará os alimentos provisórios. Os termos imperativos empregados pelo art. 4º da Lei de Alimentos demonstram que a fixação não depende da discrição do juiz, sendo obrigatória, se requerida e se provados os aludidos vínculos[8].
Com isso, se um dos pais não tem condições de prestar alimentos ao filho, passa o seu dever alimentar paro os seus ascendentes com os mesmos caracteres, o que implica dizer que podem ser fixados os alimentos provisórios em qualquer momento processual, desde que comprovada a obrigação alimentar dos avós.
[1] “se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide”
[2] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família. 11 ed. São Paulo: RT, 2016, pág. 578.
[3] Idem, ibidem, pág. 579.
[4] Maria Berenice Dias, op. cit. pags. 579/580
[5] Idem, ibidem.
[6] PELUSO, Cezar. Código Civil Comentado. 14. ed. Barueri/SP: Manole, 2020, pág. 1.979
[7] Cezar Peluso, op. cit. Pág. 1.979.
[8]GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil – Volume VI, 6. ed, São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 459.
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