Incidência do abate-teto na acumulação de pensão na mesma unidade federada.

Por Nélio Silveira Dias Júnior

Advogado

Várias discussões ocorreram sobre esse assunto, malgrado não ter havido alteração na Constituição da República desde 2003.

Com a redação dada pela Emenda Constitucional nº. 41/2003, a Carta Magna estabeleceu, em seu art. 37, inciso XI, em suma, que nas pensões dos agentes públicos e políticos, municipais, estaduais e federais pode incidir o teto remuneratório, cumulativas ou não com outra remuneração (subsídios, vencimentos ou proventos), desde que, com relação aos servidores da União, não exceda o subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal,  o subsídio do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça no Poder Judiciário estadual, limitando a 90,25% do subsídio dos Ministros do STF.

Ainda sem transcrever na íntegra o dispositivo constitucional, restringindo-se ao tema em discussão, vê-se tratar de norma confusa e de aplicabilidade difícil, o que o Prof. José Afonso da Silva chamou de “monstrengo”; para ele, “tanto na concepção como na formulação de seu conteúdo, com várias cabeças, caracterizadas pelos diversos tetos, com a pretensão de abarcar tudo”, o que às vezes não é possível, como lembrou bem o constitucionalista  o dito popular: “quem tudo quer, tudo perde”.

Recentemente, o STF uniformizou seu posicionamento, quanto à pensão, ao julgar o RE 602.584/DF, diante do que preconiza  o inciso XI do art. 37 da Constituição Federal, estabelecendo a seguinte tese de repercussão geral:

“Ocorrida a morte do instituidor da pensão em momento posterior ao da Emenda Constitucional n° 19/1998, o teto constitucional previsto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal incide sobre o somatório de remuneração ou provento e pensão percebida por servidor.”

Ao analisar friamente o tema 359, observa-se que nele não está mencionado que o teto constitucional previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição Federal incide sobre o somatório de remuneração ou  provento e pensão percebidos por servidor de qualquer das entidades federadas: União, Estados e Municípios.

Absolutamente, não.

Ao contrário, parece ali tratar de acumulação de remuneração no mesmo âmbito da unidade federada, até porque o caso julgado no RE 602.584/DF foi de acumulação de aposentadoria de servidora com pensão do marido pertencendo à mesma unidade da federação.

Nem poderia ser diferente.  

Isso é assim não porque o fato gerador da pensão é distinto da aposentadoria, como defendeu a minoria vencida no RE 602.584/DF (Ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli),  mas porque se trata de pessoas jurídicas de direito público diferentes, independentes e autônomas, nos termos da Constituição da República (art. 18), com receitas e obrigações próprias, inclusive orçamentária, e desvinculadas uma da outra, cujo teto remuneratório é outro: na União, os subsídios de Ministro do STF; no Estado, os subsídios de Governador.

O pacto federativo está materializado na Constituição Federal (arts. 1º; 18) e deve ser considerado. Assim, no Brasil, os Estados-membros possuem sua autonomia, que se desdobra, dentre outras atribuições, a auto-organização, que passa pela remuneração de seus servidores, de modo que lhe aplicar o teto remuneratório da União, somando os rendimentos pagos pelo Estado-membro, é,  sem  meias  palavras,  intervenção  da União nos Estados, o que é vedado

expressamente pela Carta Magna (art. 34, caput).

É evidente que do Tema 359  não se pode extrair a possibilidade de acumulação de aposentadoria com pensão, para fins do “abate-teto”, quando se tratar de entidades instituidoras distintas.

Para os servidores públicos e agentes políticos da União o teto é um só: o subsídio dos Ministros do STF. Também para os servidores e agentes políticos dos Municípios o teto é único: o subsídio do prefeito. Mas para os agentes públicos dos Estados e do Distrito Federal são três tetos: (a) no âmbito do Poder Executivo, o teto é o subsídio mensal do governador; (b) no âmbito do Poder Legislativo, os subsídios dos deputados estaduais e distritais; (c) no âmbito do Poder Judiciário, o subsídio dos desembargados do Tribunal de Justiça – mas estes mesmos sujeitos ao teto de 90,25% do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF, incluindo-se nesse limite os agentes políticos que exercem funções essenciais à justiça, ou seja, os membros do Ministério Público, os Procuradores e os Defensores Públicos. [1]

Portanto, a diversidade de tetos, criados com base em entes políticos distintos, afasta completamente a possibilidade de se somar as verbas remuneratórias dos agentes públicos ou aposentadorias deles com pensão, percebida por entidades federais e estaduais, com a finalidade de incidir o “abate-teto”.

Se não for assim, instaurar-se-á um caos administrativo, em caso de alguém perceber uma pensão estadual e uma aposentadoria federal: qual o teto a ser aplicado, estadual ou o federal ? Qual a unidade administrativa competente para realizar o abate-teto ?

A confusão administrativa aumenta se os dois entes federados resolverem, no mesmo instante, aplicar o teto remuneratório, cada um aplicando o seu critério, o que é possível, já que não há comunicação entre eles. O servidor/aposentado/pensionista é quem terá o prejuízo, que poderá ter duas diminuições, tendo a remuneração final aquém do que deveria ser.

O entendimento majoritário da jurisprudência é no sentido de o teto constitucional somente se aplicar à soma dos valores recebidos pelos instituidores individualmente, não incidindo, contudo, em se tratando de valores percebidos de instituidores diversos. [2]

Portanto, essa é a interpretação a ser dada ao art. 37, XI, da Constituição Federal.

Se a Excelsa Corte, no julgamento RE 602.584/DF, não fez a distinção, quanto à incidência do teto remuneratório  no somatório da remuneração percebida por entes diferentes: União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, não pode o intérprete fazê-lo, ainda mais quando se trata de norma restritiva de direito, que não se interpreta ampliativamente.


[1] José Afonso da Silva, Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005,  pág. 341.

[2] TRF3 – AI 00016070420154030000 – SP – 1ª Turma – Desembargador Federal Hélio Nogueira, DJe 14/03/2016.

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