Testamento: para ser cumprido tem que ser registrado na Justiça.

Por Nélio Silveira Dias Júnior

Advogado

Testamento é ato personalíssimo e unilateral de última vontade, pelo qual uma pessoa dispõe à outra, no todo ou em parte, de seu patrimônio para depois de sua morte.

Toda pessoa capaz pode fazer essa disposição, de caráter revogável, ou seja, o testador, somente ele, pode alterá-lo a qualquer tempo. Todavia, a legítima dos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge) não poderá ser incluída no testamento, que corresponde à metade de seu patrimônio (CC, arts. 1857 e 1.858).

Isso significa dizer que a pessoa, com herdeiros necessários, só pode doar 50% de seu patrimônio, a quem quer que seja, inclusive a um filho. Neste caso, se não dispuser que a doação sairá da sua parte disponível, importará adiantamento da legítima, isto é, antecipação do que lhe couber por herança.

Os testamentos ordinários podem ser: público, cerrado e particular. O público é aquele escrito por tabelião, de acordo com as declarações do testador. Já o cerrado é o testamento escrito pelo testador ou por outra pessoa, a seu rogo, entregue ao tabelião, sem este ter acesso ao conteúdo, mas mediante observância de certas formalidades. Por outro lado, o particular é o escrito de próprio punho ou  mediante processo mecânico (neste caso não pode conter rasuras ou espaços em branco), e por ele assinado na presença de pelos menos três testemunhas (Código Civil. arts. 1.862, 1.864, 1.868 e 1.876).

De qualquer forma, é proibido o testamento conjuntivo, aquele feito por duas ou mais pessoas no mesmo ato, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo (CC, art. 1.863).

Com a morte do testador, antes de se fazer cumprir o testamento, em processo de inventário, é necessário registrá-lo na Justiça para,  decretado válido, ser ordenado pelo juiz o seu cumprimento. O competente, para isso, é o juízo sucessório, e a jurisdição é voluntária.

Para cada forma ordinária de testamento, o Código de Processo Civil traçou um procedimento, diferenciando um do outro, em pequenos detalhes.

No testamento cerrado, o juiz, recebendo o testamento do apresentante, se não achar vício externo que o torne suspeito de nulidade ou falsidade, o abrirá e determinará que a Secretaria o leia na sua presença. Lavrado o termo de abertura, será remetido para o Ministério Púbico Estadual. Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz mandará registrar, arquivar e cumprir o testamento (Código de Processo Civil, art. 735).

Para o testamento público, qualquer interessado, exigindo o seu traslado ou a sua certidão, poderá requerer ao juiz que ordene o seu cumprimento, observando-se, no que couber, o procedimento anterior (CPC, art. 736).

Portanto,  recebido o testamento público em juízo, não se exige mais a sua abertura formal, deve apenas ser ouvido o Ministério Público, para o mesmo fim.

Por sua vez, o testamento particular exige uma maior formalidade. Depois da morte do testador, deverá ser requerida a sua publicação pelo herdeiro,  legatário,  testamenteiro ou  detentor do testamento (CPC, art.  737).

A publicação é feita, conforme elucida o Professor da USP, Doutor Paulo Lôbo, nos meios de comunicação visual do órgão judiciário competente, sem necessidade de divulgação em meios de comunicação social. [1]

Depois disso, segundo o Código de Processo Civil, serão intimados os herdeiros – legítimos[2] para o Código Civil (art. 1.877) – que não tiverem requerido a publicação do testamento (CPC, art. 737, § 1º).

Contudo, defende esse Professor da USP que a citação dos herdeiros legítimos foi dispensada pelo novo CPC, para eficácia do testamento, pois não estão impedidos de impugná-lo [no juízo competente], bastando para o convencimento do juiz de que há provas suficientes para sua veracidade (o testamento é autêntico, correspondente ao que foi lido e as assinaturas são efetivamente do testador e das testemunhas). [3]

Aqui, embora não se exija a lavratura do termo de abertura, a exemplo do testamento cerrado, deve ser ouvido o Ministério Público Estadual para que, não havendo nada a elucidar,  o juiz o confirme (CPC, art. 737, § 2º).

Antes, porém, há quem entenda, baseado no Código Civil (art. 1.878) que, para o testamento particular ser confirmado, têm que ser ouvidas em juízo as testemunhas testamentárias, concordando com a disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante elas, assim como reconhecendo as próprias assinaturas e a do testador.

Esse entendimento não é majoritário nem com ele concordamos, diante do que dispõe o novo Código de Processo Civil/2015 (art. 737, § 2º). Duas normas no mesmo nível, a mais recente deverá prevalecer sobre a mais antiga (lex posterior derogat legi priori). 

Prelecionam, com propriedade, Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini que parte da doutrina extrai a revogação da daquelas regras do Código Civil que exigiam a presença em juízo das testemunhas. Aliás, de há muito já se criticava a obsolescência de tais regras. Portanto, no regime atual, a confirmação do testamento independe da ouvida das testemunhas que assinaram o respectivo instrumento. [4]

A regra deve ser essa. A rapidez no procedimento deve prevalecer a sutilezas e filigranas, ou melhor, a  formalismos protelatórios, que não levam a nada.

A exceção é que, em circunstâncias excepcionais, em caso de desconfiança do testamento, deve o juiz ouvir as testemunhas instrumentárias.

Nessa hipótese, se faltarem as testemunhas, por morte ou ausência, o testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade; ou, se pelo menos uma delas o reconhecer (CC, art. 1.878, parágrafo único), em que pese entendimento em contrário por consagrada doutrina.

Pondera José Fernando Simão: o juiz pode, em razão do impedimento de uma ou duas das testemunhas, considerar válido o testamento particular considerando outras provas que indiquem sua veracidade. Admite-se, assim, uma vasta produção de provas que permitam ao juiz confirmar o testamento apesar da ausência ou impedimento de todas as três testemunhas.[5]


[1]  LÔBO, Paulo. Direito  Civil: Volume 6 – Sucessões. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019,  pág. 253.

[2] Aqueles a quem caberia a herança se testamento não houvesse.

[3] Paulo Lôbo, op. cit. pág. 253.

[4] WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil – Volume 4.16. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, pág. 284.

[5] Simão, José Fernando. Código Civil Comentado.  3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, pág. 1621.

Voltar