Com a propositura da ação cível, fixa-se a competência, e dali não se desloca mais.

Por Nélio Silveira Dias Júnior

Advogado

 

Questão processual civil tormentosa que aqui e acolá volta a ser discutida no Judiciário, não obstante já esteja positivada no nosso sistema legal, de modo que não era para gerar qualquer dúvida ou controvérsia, diante da sua clareza e da intenção do legislador.

O Código de Processo Civil prevê que: determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta (art. 43).

O Código de Processo Civil consagra a regra da perpetuatio jurisdicionis.

Uma vez iniciado o processo, qualquer alteração ocorrida posteriormente ao seu início, é irrelevante. O juiz natural, para o julgamento da causa, permanecerá aquele originalmente definido  pela distribuição da petição inicial.

As exceções previstas no dispositivo legal: a) suprimirem órgão judiciário; b) alterarem a competência absoluta   são as únicas a ensejar a remessa dos autos à outra comarca.

Não é porque uma das partes se muda para cidade diferente daquela que está sendo processada, na constância da tramitação processual, ainda que por motivo relevante, que o processo deva tramitar na comarca de seu novo domicílio, por lhe ser útil e conveniente.

A fixação da competência serve também para evitar eventuais chicanas processuais de partes imbuídas de má-fé, que poderiam gerar constantemente mudanças de fato para postergar a entrega da prestação jurisdicional.[1]

Mesmo diante da expressa disposição legal, o  Superior  Tribunal  de  Justiça,   além   das   exceções   legais,  excepciona outras duas situações: a) destituição de poder familiar dos genitores de menor abandonado; b) execução de alimentos.

Na primeira situação, entendeu o STJ no CC 157.473/SP, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze que, em se tratando de destituição do poder familiar dos genitores de menor abandonado, promovida em certa comarca, com alteração do domicílio do menor  com guarda provisória, desloca-se a competência para comarca do seu novo domicílio, nos termos do art. 147, incisos I e II, em obediência ao princípio do melhor interesse do menor.

Ainda que se trate de situação de risco que envolva menor abandonado, regulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, não concordamos com tal entendimento, frente à rigidez das normas processuais civis, principalmente a de fixação de competência, que envolve o juiz natural, com proteção constitucional (art. 5º, XXXVII), por mais delicado que seja esse direito, por se tratar de medida protetiva de pessoa hipossuficiente.

Afora das hipóteses legais, nada justifica a alteração da competência.

A regra de perpetuação da competência impede que o processo seja itinerante, tramitando sempre aos sabores do vento, mais precisamente aqueles gerados por mudanças de fato (por exemplo, domicílio) ou de direito.[2]

A outra situação é a de execução de alimentos, decidida pelo STJ no CC  134.471/PB, de relatoria do Ministro Raul Araújo, que defendeu que se a mudança de domicílio do menor alimentando ocorrer durante o curso da ação de execução de alimentos, não parece razoável que, por aplicação rígida de regras de estabilidade da lide, de marcante relevância para outros casos, se afaste a possibilidade de mitigação da regra da perpetuatio jurisdictionis.

No caso aí entendemos ser possível o deslocamento de competência para comarca do domicílio  do  executado, visto que há, para isso, autorização expressa do Código de Processo

Civil,  independente de se tratar de medida de interesse de menor alimentando, em situação de vulnerabilidade ou não.

O novo Código de Processo Civil mitigou a competência apenas quanto ao cumprimento de sentença, ao dizer que, em vez de se requerer no juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição, facultou ao exequente optar: a) pelo juízo do atual domicílio do executado; b) pelo juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução; ou  c) pelo juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem (art. 516, II, § único).

Além do mais, o Ministro Raul Araújo frisou que decidia pela alteração da competência porque a mudança se dava para comarca onde também residia o próprio alimentante. Ao agir assim, naquele caso concreto, privilegiou o autor da ação.

De fato, o que se objetiva, em nosso diploma processual civil é, por excelência, a defesa da posição do autor, enquanto demandante, bem como o próprio rendimento da atividade processual, pois se a competência fosse alterada a cada mudança no plano dos fatos, faltaria ordem e rendimento ao processo.[3]

É oportuno ressaltar que, ao STJ aplicar o princípio do juiz imediato, estabelecido nos incisos I e II do art. 147 do ECA[4],  em detrimento do art. 43 do CPC, está levando em consideração o menor abandonado, em situação de rico, porque é por esse diploma legal regido.

Só e só.

Logo, esse direito defendido pelo STJ não pode ser aplicado em todo e qualquer caso de menor, como, por exemplo,  quando se tratar de guarda em razão do poder familiar, regulamentada pelo Código Civil, através de seus arts. 1.583 a 1.590, sob a denominação da proteção da pessoa dos filhos.

O art. 147 do ECA[5] é aplicado nos casos que envolve  menor em situação de risco pela Vara da Infância e Juventude, criada exclusivamente para esse fim (art. 145).

O art. 147 do ECA fixa, vale salientar, a competência da Vara da Infância e Juventude no que tange ao menor em situação  irregular.[6]

Desse viés legal, não se pode olvidar.

É de se assinalar que a guarda, mencionada pelo ECA, é a modalidade de colocação em família substituta, destinada a regularizar a posse de fato da criança e do adolescente, de caráter sempre provisória. [7]

Não se deve confundir, pois, com a guarda de menor que não se encontra em situação de vulnerabilidade, regulada pelo Código Civil.

Guardas diferentes, com regras próprias, o tratamento não pode e não deve ser igual.

 

 

[1] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado.  Salvador; JusPodivm, 2016, pág. 61.

[2] Idem, ibidem.

[3] ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 18. ed. São Paulo; Thomson Reuters, 2019, pág. 365.

[4] Segundo o qual o foro competente para apreciar e julgar as medidas, ações e procedimentos que tutelam interesses, direitos e garantias positivados no ECA, é determinado pelo lugar onde a criança ou o adolescente exerce, com regularidade, seu direito à convivência familiar e comunitária.

[5] Art. 147. A competência será determinada: I – pelo domicílio dos pais ou responsável; II – pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável.

[6] ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001, pág. 218.

[7] ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da Criança  e do Adolescente. ed. 9. São Paulo: Saraiva, 2017, pág. 174.

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