Dissolução de sociedade empresária e suas nuances.
Por Nélio Silveira Dias Júnior
Advogado
A sociedade empresarial, dotada de personalidade jurídica e com patrimônio próprio, consiste na união de duas ou mais pessoas com intenção e interesse em comum de exercer atividade negocial (affectio societatis), com fim lucrativo, podendo ser constituída de várias formas, sendo a mais usual a de responsabilidade limitada.
A sociedade limitada é constituída por contrato social, registrado na Junta Comercial, por mais de um sócio, em que se institui o capital social, dividido em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou várias a cada um deles, administrada pelos sócios ou não, podendo ser criado conselho fiscal, composto de, no mínimo, de três membros.
O seu exercício ocorre por deliberação dos sócios; dependendo da matéria, tomada em reunião ou em assembleia, em conformidade com o estabelecido no contrato social. Integralizadas as quotas, pode ser o capital social aumentado, com a correspondente modificação do contrato social.
Da mesma forma que se constitui, a sociedade pode ser dissolvida de pleno direito por qualquer das causas enumeradas no Código Civil: a) vencimento do prazo de duração; b) consenso unânime dos sócios; c) deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; d) a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar (Código Civil, art. 1.033, incisos I a V).
A sociedade limitada também pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios, quando: a) anulada a sua constituição; b) exaurido o fim social, ou verificada a sua inexequibilidade (CC, art. 1.034).
O contrato social pode prever outas causas de dissolução, a serem verificadas judicialmente quando contestadas (CC. 1.034).
A dissolução da sociedade de que trata a lei é a total. Dissolvida de pleno direito, será realizada a liquidação judicial, providenciando-se imediatamente a investidura do liquidante, restringindo-se, por consequência, a gestão própria aos negócios inadiáveis, vedadas novas operações (CC, art. 1.036).
Afora isso, tem-se a resolução da sociedade em relação a sócios minoritários.
Quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa (CC, art. 1.085).
Ressalvado o caso em que haja apenas dois sócios na sociedade, a exclusão de um sócio somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa (CC, art. 1.085, parágrafo único).
As hipóteses de falta grave, mediante reconhecimento judicial, ensina o Prof. Ricardo Negrão, referem-se a qualquer ato ou conjunto de atos, praticados por um ou mais sócios, que impeçam o prosseguimento da atividade comum.[1]
Por outro lado, o desaparecimento da affectio societatis, independente do tempo de constituição da empresa, por si só, não é motivo para afastar o sócio minoritário. Absolutamente, não. A affectio societatis não é um elemento de existência da sociedade empresária, mas apenas essencial para sua formação ou constituição.
Nesse sentido, defende Marcelo Nunes Guedes que a affectio societatis, no Brasil, além de equívoca e superada, serviria para confundir a operação dos institutos da retirada e expulsão.[2]
Ou seja: a affectio societatis não é elemento cujo desaparecimento possa determinar a extinção do contrato da sociedade.
O afastamento do sócio meramente inoportuno é vedado, alerta o ex-Ministro Cezar Peluso. Para ele, não basta, para efetivar a exclusão, uma simples discordância genérica ou o surgimento de desavenças individuais. [3]
Daí o Código Civil ter imposto limitação, conforme demonstrado acima, para evitar que desavenças individuais pudessem provocar a saída do sócio minoritário.
O texto legal, fruto de específica sugestão formulada por Miguel Reale e acolhida no Senado Federal, pretendeu, essencialmente, obstar a exclusão sem justa causa ou feita à revelia do sócio minoritário.[4]
Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “A simples desarmonia entre sócios, com a afirmação da quebra da affectio societatis, é insuficiente para a exclusão de um sócio minoritário, sendo necessária a caracterização de uma situação atual e indicativa da prática de atos de gravidade”[5].
Nesse sentido, acompanha o Tribunal de Justiça de São Paulo[6].
A exclusão funda-se na ideia de que o sócio descumpridor de suas obrigações pode ser privado do direito de participar da sociedade por decisão da maioria. Tal decisão, no entanto, não é discricionária e depende da caracterização de uma justa causa. [7]
É preciso saber que, ao adotar o conceito de justa causa, o legislador quis vedar a exclusão injustificada do sócio minoritário, criando mecanismos de preservação de sua posição jurídica. [8]
A justa causa busca evitar arbítrios do sócio majoritário, pois.
Lembra Fábio Coelho Ulhoa que, caso a exclusão fosse uma fa–culdade a ser exercida de forma imotivada, a maioria poderia adotar comportamentos oportunistas. [9]
Por exemplo: no momento da constituição da sociedade e diante dos riscos inerentes a um novo negócio, a maioria poderia buscar em outros sócios o capital necessário para custear até 49,99% das contribuições, dividindo e mitigando os riscos da empresa. Amadurecido o negócio e recuperado o capital investido, a maioria poderia, então, excluir a minoria sem maiores explicações, apropriando-se de todos os resultados futuros a serem produzidos pela empresa.[10]
Ou seja: dividir-se-ia o risco sem partilhar os resultados.
Com exceção dessas hipóteses legais, o Código Civil não prevê outras formas de exclusão de sócio. Todavia, há quem entenda que é possível a dissolução parcial de sociedade limitada, em que se dissolve um ou vários vínculos societários, subsistindo a empresa com os sócios remanescentes, mas de forma restrita, baseada em outros diplomas legais.
Ao instituir a ação de dissolução parcial de sociedade (arts. 559/609), o Código de Processo Civil reacendeu a discussão sobre o tema. Mas, não criou hipóteses, apenas instrumentalizou as já estabelecidas no Código Civil, para facilitar o ingresso no Judiciário.
Pondera o Prof. Ricardo Negrão: são três os casos de dissolução parcial de pleno direito, cujas regras se encontram no CC no capítulo reservado às sociedades simples: a) a falência; b) a execução de credor particular dos sócios; c) a morte do sócio, sem ingresso de herdeiros ou previsão contratual para a circunstância ou não ocorrendo acordo com
[1] NEGRÃO, Ricardo. Curso de Direito Comercial e de Empresa. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, pág. 419.
[2] NUNES, Marcelo Guedes. Jurimetria aplicada ao direito societário: um estudo estatístico das ações de dissolução de sociedade no Brasil. Tese de doutorado defendida na PUC/SP, em 2012.
[3] PELUSO, Cezar. Código Civil Comentado. 14. ed. Barueri/SP: Monole, 2020, pág. 1.050
[4] Idem, ibidem.
[5] STJ, REsp n. 1.129.222-PR, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28.06.2011
[6] TJSP – Ap. n. 0025880-63.2010.8.26.0577, 6ª Câm. de Dir. Priv., rel. Des. Roberto Solimene, j. 03.05.2001.
[7] COELHO, Fábio Ulhoa. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2015, pág. 235.
[8] Idem, ibidem.
[9] Idem, ibidem.
[10] NUNES, Marcelo Guedes. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2015, págs. 235/236..
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