A adoção dirigida ou direta de menor é possível frente à Lei nº. 8.069/90.

Nélio Silveira Dias Júnior

Advogado

A adoção é um ato jurídico formal que estabelece um vínculo de filiação entre duas pessoas, sendo uma, no máximo com 18 anos (adotado), e outra, há de ser, pelo menos, 16 anos mais velha (adotante)(Estatuto da Criança e do Adolescente, arts. 39 e 40).

Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família (ECA, art. 42, § 2º).

A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessório, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e os parentes anteriores (ECA, art. 41).

A adoção é irrevogável e irretratável, não havendo, portanto, espaço para arrependimento. A morte dos adotantes não restabelece o poder familiar dos pais biológicos (ECA, art. 49).

Deverá ser mantido em cada comarca um registro de crianças e adolescentes  em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção (ECA, art. 50).

No Brasil, a adoção deve ser concedida a quem estiver cadastrado  e obedecer a ordem de preferência do cadastro.

Essa é a regra prevista no nosso Ordenamento Jurídico. Entretanto, não deve ter caráter absoluto.

A adoção não é um gesto de caridade. É uma prova de amor (paternal e maternal). É algo que independe de laços de sangue. O cadastro é importante, mas é apenas um detalhe com a finalidade precípua de agilizar o processo de adoção: previamente habilitando o adotante e tornando disponível o adotado.

A adoção, pode-se dizer, é um encontro de almas. E isso  ocorre em qualquer lugar e em qualquer momento, não necessariamente através de um cadastro. Não é raro acontecer de uma pessoa encontrar um bebê em uma  lixeira, à beira de um rio, em uma praça.  E, em razão disso, a pessoa se vê vinculada à criança, despertando nela o amor e o desejo de adotá-la.

Portanto, quando isso acontece não se pode negar a adoção porque adotados e adotantes não estão cadastrados. O destino simplesmente acontece. E não se pode negar esse direito à criança, que foi escolhida. O infortúnio a levou ao abandono, mas o acaso lhe deu novo pai.

A adoção, lembra Galdino Augusto Coelho Bordallo, é o grande exemplo da filiação socioafetiva, seu único elo é o afeto, que deve prevalecer sobre tudo. Toda criança/adolescente que tem a possibilidade de ser adotada já passou por um momento de rejeição em sua vida, tendo conseguido obter e dar amor a um estranho que vê, agora, como um pai, superando o sentimento de perda. Não se justifica que, em nome ao respeito a uma regra que tem a finalidade única de dar publicidade e legalidade às adoções, o sentimento, o sustentáculo da adoção, seja colocado em segundo plano e a criança seja obrigada a passar por outro drama em sua vida.[1]

Nesse caso, a adoção pode ser dirigida. O tecnicismo da lei não deve prevalecer em detrimento do amor.  O fim justifica o meio,  para atender o melhor interesse do menor.

Como pondera Maria Berenice Dias, ainda que haja determinação de que sejam  elaboradas as listas, não está escrito em nenhum lugar que só pode adotar quem está previamente inscrito e que a adoção deve respeitar,  de forma estrita, a ordem de inscrição.[2]

A lista, para essa Professora de Direito de Família, que era para ser um simples mecanismo, um singelo instrumento agilizador de um procedimento, transformou-se em um fim em si mesmo. Em vez de um meio libertário, passou a ser um fato inibitório e limitativo de adoção[3].

Também não deve ser diferente quando os pais biológicos decidem entregar o seu filho para determinada pessoa. Nenhum problema se vê na adoção direta (intuito personae). Se eles podem doar, porque não poderiam escolher os pais para seu filho se a eles cabem zelar pelos seus interesses? Para isso, não há empecilho legal.

Tem que deixar de encarar os pais que optam por entregar seu filho em adoção como pessoas que cometem alguma espécie de crime. A ação destes pais merece compreensão, pois, se verificam que não terão condições de cuidar da criança, ao optarem pela entrega, estão agindo com todo amor e carinho por seu filho, buscando aquilo que entendem  melhor para ele. Assim, se escolhem  pessoas para assumir a paternidade de seu filho, deve-se respeitar a escolha[4].

Sabe-se da vantagem do cadastro de adotantes e a razão por que foi introduzido no Estatuto da Criança e do Adolescente: propiciar a igualdade de condições àqueles que pretendem adotar, bem como dar mais segurança à adoção, minimizando a possibilidade de eventual tráfico de crianças e evitando influências escusas, uma vez que há comissão técnica multidisciplinar para avaliar previamente os pretensos adotantes e um procedimento a ser cumprido.

Entretanto, a regra legal deve ser excepcionada  nos caso de adoção dirigida ou intuito personae, em prol do princípio do melhor interesse da criança, base de todo o sistema de proteção ao menor.

Nessa situação não quer dizer que se dispense o procedimento legal, apenas não se observará a ordem do cadastro. O adotante deverá comprovar, no curso do procedimento, que preenche os requisitos necessários à adoção, nos termos do § 14 do art. 50 da Lei nº. 8.069/90, tal qual como ocorre nos casos excepcionados pela própria lei: adoção unilateral; adoção formulada por parente com vínculos de afinidade e afetividade; adoção de quem detém a tutela ou a guarda legal da criança maior de 3 anos (art. 50, § 13).

[1] BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. Adoção. Artigo publicado no Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010,  pág. 228.

[2] DIAS, Maria Berenice. Adoção e a espera do amor. Artigo publicado in site www.mbdias.com.br.

[3] Idem, ibidem.

[4]Galdino Augusto Coelho Bordallo, op, cit. pág. 252

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