Da conversão de união estável em casamento e suas circunstâncias.
Eva Lúcia Braga Fontes Gomes
Advogada
A União Estável é a relação de convivência entre duas pessoas, de forma pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família (Código Civil, art. 1.723).
Para caracterizar a união estável não se exige prazo mínimo de convivência do casal nem mesmo que more na mesma residência, apenas é preciso que compartilhe uma vida com objetivos comuns de constituir família.
Nesse tipo de união, o regime de bens adotado é o de comunhão parcial, salvo se houver contrato celebrado entre as partes estipulando regime diverso (Código Civil, 1.725).
Existem pessoas que após um tempo convivendo em união estável desejam converter essa união em casamento, ou seja, pretendem com isso modificar o tipo de união, passando ao status de casados, como se desde o início da convivência já existisse casamento.
Esse desejo é perfeitamente possível. Basta, apenas, que os conviventes ingressem com Ação de Conversão de União Estável em Casamento perante a Vara de Família do Estado onde residem os conviventes.
Conseguindo comprovar a união estável e não havendo impedimento para casar durante o período que será convertido, deverá a ação ser julgada procedente e ser declarado o casamento com a data retroativa, ou seja, do dia em que a união estável se iniciou, como os companheiros sempre tivessem sido casados.
Tudo isso é em observância à Constituição Federal, que em seu art. 226, §3º, preleciona que se deve simplificar ao máximo a conversão de união estável em casamento.
Para conversão, os requisitos impostos por lei, tais como: idade, capacidade das partes, impedimentos matrimoniais, não podem ser dispensados, o que indica ser indispensável à observância do procedimento traçado nos artigos 1.525 a 1.532, do Código Civil, com a apresentação dos documentos lá referidos e afixação de editais para conhecimento de terceiros.[1]
Pois, não seria jurídico dispensar as formalidades que antecederam o casamento nem desconsiderar os impedimentos matrimoniais que atendem à moral e aos interesses da sociedade, que se sobrepõem aos dos companheiros.[2]
Todavia, existe uma situação específica e aparentemente comum em que essa conversão não é possível: alguém, casado, porém, separado de fato de seu o ex-cônjuge há bastante tempo e convivendo em união estável com outra pessoa. Nesse caso, não poderá ser feita a conversão, porque configuraria crime de bigamia, uma vez que a pessoa separada de fato ainda é considerada legalmente casada, sendo impossível a coexistência de dois casamentos no mesmo período.
Portanto, como para se casar, o casal não pode ter vínculo matrimonial com outrem, deve o casado, na hipótese acima, primeiro se divorciar, para depois contrair novas núpcias. Todavia, se quiser converter a sua união estável em casamento, só é possível retroagir até essa data.
Por outro lado, se o casal pretende se casar e salvaguardar o período que viveu em união estável, considerando que naquele tempo constituiu patrimônio, ainda que um dos conviventes fosse legalmente casado, porém separado de fato, é possível, em ação própria requerer a declaração de união estável desse período, ou, fazê-lo dentro da ação de conversão de união estável em divórcio, se também assim pretender.
Isso é assim porque o separado de fato, ao entrar nessa condição, rompeu com o regime de bens anterior, podendo a partir daí constituir novo patrimônio com seu companheiro, de acordo com a permissibilidade do Código Civil (art. 1.723, §1º) e o posicionamento sedimentado do Superior Tribunal de Justiça (REsp 678.790/PR).
De qualquer modo, é importante salientar que apesar do procedimento de Conversão de União Estável em Casamento tratar-se de um procedimento judicial simples, não deveria ser assim. A intenção do legislador é a de permitir que essa conversão seja realizada de maneira célere e de forma administrativa, ou seja, diretamente no cartório de registro civil (Lei 9.278/96, art. 8º).
Para isso, basta apenas que o casal compareça ao Registro Civil do seu domicílio e dê entrada nos documentos para efetivar a conversão da união estável em casamento. Da mesma forma de um casamento convencional (certidão de nascimento, RG, CPF, comprovante de residência), podendo eles, inclusive, escolher o regime de bens e mudar o sobrenome.
Entretanto, grande parte dos Registros Civis dos Estados brasileiros não faz a conversão da união estável em casamento com data retroativa, desvirtuando o real objetivo do instituto. Ao que se tem conhecimento, atualmente, só Registro Civil de Pessoa Natural do Rio de Janeiro que faz esse procedimento.
A desjudicialização merece aplausos e o jurisdicionado agradece, por não ser mais necessário ir obrigatoriamente à Justiça para alcançar tal pretensão.
[1] MONTEIRO, Washington de Barros e DA SILVA, Regina Beatriz Tavares. Curso de direito civil – 42. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012, p. 94.
[2] Idem, ibidem.
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